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Milaré

A Lei Complementar 140/2011 e o julgamento da ADI 4757

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Maria Clara Rodrigues Alves Gomes

Antes da edição da Lei Complementar – LC 140/2011, eram muito mais comuns situações de conflitos entre os entes federados, no que se refere às ações de fiscalização ambiental e competência licenciatória, na medida em que não havia norma que estabelecesse uma adequada distribuição das competências constitucionais estabelecidas no artigo 23 da Constituição Federal, incisos III, VI e VII do caput e parágrafo único.

Dessa forma, não eram raras as situações de omissão por parte dos órgãos de fiscalização na apuração de infrações ambientais, e também eram bem comuns fiscalizações dúplices e, por consequência, aplicação de mais de uma penalidade pelo mesmo fato, resultando na violação do princípio do non bis in idem. Outrossim, constatavam-se muitas disputas pela condução de processos de licenciamento ambiental. Denotava-se, portanto, uma excessiva judicialização dessas matérias em decorrência do vazio normativo.

Diante dessas e de outras situações, a LC 140/2011 foi editada com a missão de pacificar tais conflitos, ao regulamentar o citado artigo 23, incisos III, VI e VII do caput e parágrafo único, de modo a estabelecer cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis e do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.

De fato, a norma trouxe disposições muito mais claras no que se refere à atuação dos órgãos ambientais de fiscalização na apuração das infrações, tendo em vista a regra contida em seu artigo 17. Nesse sentido, de acordo com esse dispositivo legal: (i) o órgão responsável pelo licenciamento ou autorização passou a ser, expressamente, o competente para a apuração de infrações ambientais cometidas pelo empreendimento ou atividade por ele licenciada ou autorizada (caput); (ii) qualquer pessoa que constatar infração ambiental pode dirigir representação ao órgão competente para efeito do exercício de seu poder de polícia (§ 1o); (iii) nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, qualquer órgão pode determinar medidas emergenciais, mas deverá comunicar o fato imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis, assegurando a competência fiscalizatória estabelecida no caput (§ 2°); e, por fim, (iv) o disposto no caput não impede o exercício comum de fiscalização, mas estabelece que deve prevalecer o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização (§ 3°).

Além disso, a norma delimitou muito melhor as atividades e os empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental, de responsabilidade de cada ente federado, conforme os artigos 7º a 10. Além disso, no artigo 14, definiu algumas regras atinentes a prazos do licenciamento ambiental que antes constavam apenas em resoluções, como os 120 dias para apresentação do pedido de renovação de licença (§ 4º).

Em que pese a inteligência da norma e a evidente necessidade de regulação da matéria, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente – ASIBAMA NACIONAL ajuizou, em abril/2012, a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4757 perante o Supremo Tribunal Federal objetivando a declaração de inconstitucionalidade integral da LC 140/2011, ou, pelo menos, dos artigos: artigos 4º, V, VI; 7º, XIV, “h” e parágrafo único; 17º, cabeça e §§ 2º e 3º; 7º XIII e XIV; 8º XIII e XIV; 9º XIII e XIV; 14º, §§ 3º e 4º; 15º; 20º; 21º.

Para assim requerer, a ASIBAMA fundamentou-se nas alegações de (i) vício formal na constituição da lei, pois, em seu entendimento, o Senado teria alterado a redação do §3º do artigo 17, e não apenas feito um mero ajuste de redação, o que exigiria o retorno do projeto da norma à Câmara dos Deputados; e (ii) para o que nos é de interesse, a inconstitucionalidade material dos artigos 14, §4º, do 17, caput e §§2º e 3º, e outros, em razão da suposta limitação ao poder de fiscalização.

Em dezembro de 2022, o STF concluiu o julgamento dessa ADI, cujo acordão foi publicado recentemente, em 17.03.2023. Por unanimidade, conforme o voto da Relatora, a Ministra Rosa Weber, julgaram-se (i) improcedentes os pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos artigos 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14 § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21, da LC1 40/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação; e (ii) parcialmente procedente a ação direta para conferir interpretação conforme a Constituição Federal ao §4º do artigo 14 e ao § 3º do artigo 17.

No que se refere ao §4º do artigo 14, como dito, embora a norma estabeleça prazo de 120 dias ao interessado para formular o pedido de renovação de suas licenças, a norma não estabeleceu qualquer consequência na hipótese de órgão não analisar o pleito dentre de tal prazo. Com isso, na prática, o que se verifica são licenças sendo prorrogadas indefinidamente e a mora dos órgãos em concluir sua análise. Ante essa realidade, conforme a interpretação estabelecida no julgamento da ADI, consignou-se interpretação no sentido de que, em havendo mora desproporcional e imotivada do órgão competente licenciador, instaura-se a competência supletiva dos demais órgãos ambientais.

Quanto ao § 3º do artigo 17, o voto da Relatora entendeu que a prevalência do auto de infração do órgão licenciador não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, desde que comprovada omissão ou insuficiência da tutela fiscalizatória. Assim, a interpretação dada buscou assegurar melhor a atuação supletiva dos órgãos ambientais, face às situações de risco ao meio ambiente e população.

Acerca desses pontos, contudo, o Ministro Nunes Marques fez ressalva, compreendendo que a interpretação que vinha sendo dada à norma era adequada e suficiente, e que a interpretação ora conferida pode levar a “aplicação de dupla penalidade ou double jeopardy”, com o que concordamos, guardado todo o respeito ao entendimento da relatora, acolhido por maioria. Bem por isso, em face desse acórdão, a Petrobrás pediu seu ingresso no feito como amicus curiae e opôs embargos de declaração, pugnando por pronunciamento integrativo acerca da interpretação adotada aos referidos dispositivos, diante dos reflexos que podem resultar em sua esfera de direitos, seja em razão do grande número de atuações em duplicidade que possui (para que seja consignada a vedação à dupla autuação por entes federados distintos), seja por conta dos muitos pedidos de renovação de licenças pendentes de análise (para que a mudança da competência a outro ente não afaste a prorrogação automática das licenças cuja renovação foi requerida tempestivamente). A União também embargou de declaração,  suscitando, além dos pontos indicados pela Petrobrás, que, caso a interpretação adotada seja mantida, “o acórdão somente tenha eficácia em relação aos pedidos de renovação de licenças ambientais e aos processos de fiscalização instaurados a partir do dia 17 de março de 2023”. Assim, as interpretações estabelecidas do §4º do artigo 14 e do § 3º do artigo 17 conforme a Constituição Federal ainda podem ser alteradas.

Portanto, diante do referido julgamento, com a interpretação por ora dada aos artigos 14, §4º, e 17, § 3º, verifica-se que o STF buscou assegurar maior amplitude na atuação supletiva dos órgãos ambientais, seja nas ações fiscalizatórias, seja na condução do processo de licenciamento, na busca por alcançar com maior eficácia o preconizado pela Constituição Federal, embora, em nosso sentir, a Lei não merecesse reparos, dada a forma como vem sendo em geral aplicada.

O que se espera, de qualquer forma, é que essa decisão não resulte em retrocesso, restaurando disputas entre os entes federados, superadas pela norma, por fiscalizar (e autuar) fatos de grande expressão e destaque midiático, deixando de observar outras situações; ou por conduzir processos licenciatórios e, por consequência, receber os emolumentos e compensações ambientais inerentes a esses processos, resultando na insegurança jurídica tão comum antes da edição dessa norma.

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