Por Juliana Flávia Mattei, Giovanna Arbia Chiarella e Lucas Inglez Mazzarella
Perpassados vagarosos 17 anos de tramitação do Projeto de Lei 3.729/2004, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, no último dia 13 do mês de maio, um novo marco regulatório do processo de Licenciamento Ambiental: a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Mesmo com a promessa de desburocratizar o atual processo de licenciamento, entendido como demasiado moroso e atravancado, o PL segue para apreciação do Senado sob intensas críticas.
Dada a complexidade da questão ambiental, também são complexos os vários instrumentos de que os Estados nacionais possuem para atuar em aspectos do licenciamento, seja para evitar novos problemas ambientais, seja para minimizar os existentes.
Como se sabe, qualquer ação humana afeta o meio ambiente e, por isso, quase a totalidade das ações do Estado têm essa área como objeto de atuação. Os instrumentos de comando e controle são denominados por diversos autores também como instrumentos de regulação direta. Eles objetivam limitar ou condicionar o uso de bens, a realização de atividades ou o exercício de liberdades individuais em favor da coletividade.
Atento a isso, o legislador instituiu, através da Lei Federal 6.938/1981 – a chamada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente –, o Licenciamento Ambiental, que se apresenta como um procedimento administrativo em que o órgão ambiental competente licencia a construção, a instalação, a ampliação e o funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental. Disso se depreende o licenciamento como uma importante ferramenta à manutenção da Política Nacional do Meio Ambiente, que visa à preservação, à melhoria e à recuperação da qualidade ambiental.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), após dezesseis anos de vigência da Lei Federal 6.938/1981, entendeu pela necessidade da implementação de procedimentos e critérios para o licenciamento, aspirando uma gestão ambiental efetiva, célere e eficaz. Para tanto, implementou a Resolução CONAMA 237/1997, por meio da qual se objetivou garantir a execução da Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecendo atividades passíveis de licenciamento, bem como os órgãos ambientais responsáveis por ele e os tipos de licença que serão concedidas no curso das diferentes etapas do processo.
A esse respeito, inclusive, abrindo um parêntese oportuno, especialistas apontam que a Política Nacional do Meio Ambiente possui os seus objetivos alcançados por meio dos instrumentos estabelecidos na legislação, sendo o Licenciamento Ambiental o mais efetivo de todos.
Em que pese o licenciamento vise à proteção do meio ambiente, é sabido que o rigor burocrático hoje adotado pelas autoridades pode exceder o limite do razoável, principalmente em se tratando de atividades de baixo impacto ambiental.
Ademais, a variedade excessiva de órgãos ambientais incumbidos dos licenciamentos resulta, também, em um emaranhado de legislações infralegais, trazendo um verdadeiro imbróglio procedimental (e processual) para os empreendedores que intentam desenvolver suas atividades de forma legal, regular e regulamentada.
A par disso, pretende-se com o PL 3.729/2004 não apenas suprir a ausência de uma legislação geral quanto ao processo de Licenciamento Ambiental em território nacional, mas, ainda, propor medidas que desburocratizem o procedimento para obtenção de licenças ambientais, sob a ótica do desenvolvimento e do progresso nacional. Atento a isso, a promoção de uma estratégia de unificação de procedimentos ao Licenciamento Ambiental é de fundamental importância à desobstrução e fluidez dos processos, ao passo que não é coerente, em um país de dimensões continentais (e singularidades tão peculiares) tais como o Brasil, um empreendedor ter de aguardar por um período significativo e muitas vezes desproporcional para obter todas as licenças necessárias à implementação de suas atividades.
Apesar de existir uma necessidade pulsante para que o Licenciamento Ambiental seja flexibilizado, o texto redigido pelo Deputado Neri Geller, dadas as devidas licenças, entendemos que poderia ter se valido de propostas verdadeiramente novas, e que ofertassem diretrizes para todas as modalidades de licenciamento, de forma a não deixar lacunas para serem preenchidas pelos Estados ou Municípios.
A simplificação responsável dos processos de licenciamento é, portanto, medida que se faz necessária ao aperfeiçoamento dos procedimentos adotados no tempo presente. Essa simplificação, no entanto, deveria vir acompanhada, por exemplo, de “Guias Ambientais” – verdadeiros roteiros estabelecidos para cada modalidade de empreendimento e/ou atividade, que caracterizam, e.g., formas de produção, fontes de poluição, mecanismos de controle e tecnologias adequadas para o controle – que serviriam de complementação ao instrumento do licenciamento autodeclaratório, padronizando as exigências mínimas a serem observadas pelo interessado. Esse um dos primeiros pontos que parece ter deixado a desejar o projeto oriundo da Câmara dos Deputados.
À evidência, todavia, o texto aprovado apresenta pontos positivos que irão de fato contribuir para o processo de desburocratização do Licenciamento Ambiental brasileiro.
Dentre as proposições trazidas pelo Projeto de Lei, importante destacar as mudanças quanto aos prazos para emissão de licenças, sobre os quais os órgãos ambientais licenciadores deverão emitir pareceres acerca das licenças no período compreendido de três a dez meses. E, na eventualidade de o órgão deixar transcorrer o prazo previsto sem haver concluído o processo, a licença não será expedida de forma automática, mas o interessado terá a faculdade de realizar a mesma solicitação a outro órgão do Sistema Nacional do meio Ambiente (SISNAMA).
É também novidade a possibilidade de algumas atividades, tais como os serviços e obras de duplicação de rodovias ou ainda empreendimentos de pecuária intensiva de médio porte obterem as respectivas Licenças Ambientais por Adesão e Compromisso (o que passou a chamar-se de “LAC”), obedecidos os termos do artigo 21, do PL.
Ainda, o Projeto de Lei previu os chamados procedimentos simplificados, que compreendem a Licença Ambiental Única (“LAU”), por meio da qual será atestada, em uma única etapa, a viabilidade da instalação, ampliação e operação de atividade e/ou empreendimento, bem como as formas de controle e monitoramento até a sua desativação, caso necessário.
Além das facilidades trazidas pelo legislador, aos empreendedores que hoje exercem suas atividades ilegalmente, foi prevista a possibilidade de regularização desses empreendimentos e suas atividades respectivas, por meio de condicionantes fixadas pela autoridade competente que viabilizem a sua continuidade. Estas condicionantes, quando cumpridas, ensejarão na expedição da Licença Ambiental Corretiva (“LOC”), podendo, também, extinguir a punibilidade das sanções penais e administrativas previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9.605/1998).
O texto normativo, além de instituir novas modalidades de licenciamento, também acabou por dispensar as licenças ambientais para um determinado grupo de atividades. E aqui se observa a clara intenção de se desburocratizar atividades cujo potencial lesivo entendeu-se de menor danosidade, dentre as quais aquelas de utilidade pública ou interesse social, ponto este que, a nosso ver, caberia um aprimoramento melhor por parte do legislador.
A par disso, no intuito de que sejam atendidas as especificidades de cada local ao redor do país, o Projeto incumbe cada um dos Estados de estabelecer o rol das atividades que dependem de licenciamento ambiental e respectivos ritos, tal como já ocorre hoje. Nesse ponto, uma das críticas é que se mantém a pluralidade de procedimentos ao redor do País, havendo diversidade de exigências e disparidade, portanto, de um local para outro para uma mesma atividade. Aqui também as já citadas Guias Ambientais poderiam ter sido um ótimo Norte para todos.
Afora isso, é oportuno pontuar que se engana, contudo, quem acredita que o Projeto de Lei 3.729/2004 acaba por eliminar o Código Florestal sancionado em meados de 2012. Isso porque o fato de o PL flexibilizar o processo de Licenciamento Ambiental, ou até deixar de exigi-lo para certas atividades, não significa que poderão deixar de ser observadas outras exigências legais, tais como a obrigatoriedade de obtenção de autorização específica para supressão de vegetação, a ser avaliada caso a caso; apenas permitiu-se que os empreendedores tenham mais facilidade no processo para desenvolverem suas atividades. Não se trata, aqui, de defender o projeto aprovado, mas, sim, de desmistificar afirmações repetidas reiteradamente que não resistem a um olhar mais detido.
Em suma, fato é que a flexibilização do Licenciamento Ambiental é medida necessária para desburocratizar um procedimento que hoje é excessivamente moroso. Contudo, a pretensão que ora se tem em discussão poderia ter lançado mão de outros mecanismos mais inovadores de forma a garantir a um só tempo um rito mais célere e, também, a necessária proteção dos recursos naturais.
De toda sorte, os licenciamentos ambientais são processos que comumente estão sob a vigília, além das autoridades licenciadoras, do Ministério Público, o qual terá, a permanecer o texto como aprovado, um campo de atuação maximizado sob argumentos tais como o da “vedação de retrocesso ambiental”.
O Projeto de Lei segue agora para apreciação no Senado Federal, onde poderá, quiçá, ter sua redação melhorada para inclusão de instrumentos mais modernos de gestão ambiental. Nada obstante, acreditamos que uma lei só é eficiente se for eficientemente aplicada, cumprida e assimilada pelos agentes sociais. Ter boas leis, defendemos, é fundamental, mas isso não é suficiente. É preciso educação, conhecimento técnico ou, em outros termos, cidadania ambiental.
