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Milaré

Decreto 11.075/2022 – Avanço em Soluções para a Mudança Climática

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Por Flavia Rocha Loures e Juliana Flávia Mattei

O já bastante comentado Decreto 11.075/2022 regulamenta os procedimentos para a elaboração de Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SINARE).

O art.2º do Decreto estipula várias definições importantes, em especial esclarecendo a natureza jurídica do crédito de carbono, enquanto “ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado”. Também define a expressão unidade de estoque de carbono: “ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo da manutenção ou estocagem de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, assim compreendidos todos os meios de depósito de carbono, exceto em gases de efeito estufa, presentes na atmosfera”. Esta que é importante para embasar a emissão de ativos a partir de ações de preservação da cobertura vegetal.

Avançando no escopo do mercado de mudança climática, o Decreto também traz a definição do crédito de metano, na mesma linha do crédito de carbono. A respeito, o diploma em comento altera o Decreto 11.003/2022 – que institui a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano e prevê o “mercado de carbono, notadamente quanto ao crédito de metano” como diretriz da Estratégia – para esclarecer a natureza jurídica do crédito de metano como ativo financeiro.

Outras definições elucidativas e que devem facilitar a implantação do mercado incluem: (i) crédito certificado de redução de emissões: crédito de carbono que tenha sido registrado no SINARE; (ii) compensação de emissões de gases de efeito estufa: mecanismo pelo qual a pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, compensa emissões de gases de efeito estufa geradas em decorrência de suas atividades, por meio de suas próprias remoções contabilizadas em seu inventário de gases de efeito estufa ou mediante aquisição e efetiva aposentadoria de crédito certificado de redução de emissões”; (iii) mensuração, relato e verificação: “diretrizes e procedimentos para o monitoramento, a quantificação, a contabilização e a divulgação, de forma padronizada, acurada e verificada, das emissões de gases de efeito estufa de uma atividade ou da redução e remoção das emissões de gases de efeito estufa de uma atividade ou projeto passível de certificação”; e (iv) padrão de certificação do SINARE: “conjunto de regras com critérios mínimos para monitorar, reportar e verificar as emissões ou reduções de gases de efeito estufa aceitas para registro no SINARE”.

No tocante aos planos setoriais, o Decreto faz referência ao parágrafo único do art. 12 da Lei 12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima, verbis

“Decreto do Poder Executivo estabelecerá […] os Planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas visando à consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono, na geração e distribuição de energia elétrica, no transporte público urbano e nos sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros, na indústria de transformação e na de bens de consumo duráveis, nas indústrias químicas fina e de base, na indústria de papel e celulose, na mineração, na indústria da construção civil, nos serviços de saúde e na agropecuária, com vistas em atender metas gradativas de redução de emissões antrópicas quantificáveis e verificáveis, considerando as especificidades de cada setor”.1

O Decreto define os planos setoriais como “instrumentos setoriais de planejamento governamental para o cumprimento de metas climáticas”, i.e., metas de emissão de gases de efeito estufa. As regras aplicáveis à elaboração desses planos são as seguintes: (i) podem ser propostos pelo Ministério do Meio Ambiente, pelo Ministério da Economia e pelos Ministérios setoriais relacionados; (ii) serão aprovados pelo Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde, regulado pelo Decreto 10.845/2021; (iii) devem estabelecer metas gradativas de redução de emissões antrópicas e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa, mensuráveis e verificáveis; (iv) contemplarão prazos e as regras para a sua atualização; (v) serão operacionalizados no âmbito do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, “mediante a utilização e transação dos créditos certificados de redução de emissões”, conforme prevê o art.7º.

À luz de critérios como categoria determinada de empresas e propriedades rurais, faturamento, níveis de emissão, características do setor econômico e localização, tratamento diferenciado poderá ser definido para os agentes setoriais, inclusive cronogramas de adesão ao SINARE.

Para o monitoramento do processo de cumprimento de metas, os agentes setoriais deverão apresentar periodicamente inventários de gases de efeito estufa, conforme definido nos respectivos Planos. As metas devem considerar as especificidades dos agentes que integram os setores-alvo do Decreto, bem como observar os compromissos firmados na Contribuição Nacionalmente Determinada sob o Acordo de Paris, a mais recente apresentada pelo Brasil em fevereiro deste ano, em especial o objetivo de longo prazo de neutralidade climática. Como define o próprio Decreto, em seu art. 2º, a NDC refere-se a “compromisso assumido internacionalmente por signatário do Acordo de Paris para colaborar com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global, a ser atingido pelo setor público, nas diversas esferas, e pelo setor privado”. Como se percebe da definição, o Decreto pressupõe o envolvimento do setor privado em sua implementação, refletindo a realidade de que os recursos públicos não serão suficientes para o combate à mudança climática com a urgência necessária. 

A seu turno, o SINARE serve como “central única de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa”, bem assim “de atos de comércio, de transferências, de transações e de aposentadoria de créditos certificados de redução de emissões”, na letra do art.8º. A sua operacionalização é de competência do Ministério do Meio Ambiente e ele deverá ser disponibilizado em ferramenta digital. Para que créditos certificados possam ser utilizados para o cumprimento de metas ou comercializados, o registro no SINARE é necessário. Segundo o art.10, ademais, reduções e remoções de emissões registradas no SINARE, que sejam adicionais às metas estabelecidas para os agentes setoriais, caso atendam ao padrão de certificação do Sistema, serão reconhecidas como crédito certificado.

Os instrumentos do SINARE são os seguintes: (i) registro; (ii) mecanismos de integração com o mercado regulado internacional; e (iii) inventário de emissões e remoções de gases de efeito estufa, presumivelmente os inventários a serem apresentados pelos agentes setoriais.

Finalmente, na forma do art.11, independente da geração de crédito certificado, poderão ser registrados no SINARE: pegadas de carbono de produtos, processos e atividades; carbono de vegetação nativa e no solo; carbono azul; e unidade de estoque de carbono.

O Decreto também antecipa a necessidade de mais detalhada regulamentação por ato conjunto dos Ministros de Estado do Meio Ambiente e da Economia sobre os seguintes aspectos: (i) registro; (ii) padrão de certificação; (iii) credenciamento de certificadoras e centrais de custódia; (iv) implementação, operacionalização e gestão do SINARE; (v) registro público e acessível, em ambiente digital, dos projetos, iniciativas e programas de geração de créditos certificados; e (vi) e, com relação à fungibilidade dos créditos de carbono reconhecidos pelo SINARE, critérios de compatibilização, quando viável técnica e economicamente, com outros ativos representativos de redução ou remoção de gases de efeito estufa, por proposição do órgão ou da entidade competente pelos referidos ativos. 

Apesar de o novo Decreto servir como uma sinalização de que o Mercado de Carbono, desta vez, parece ter vindo para ficar também no ambiente nacional, deve-se reconhecer que suas disposições ainda pendentes de certos complementos e  com prazos um tanto elásticos deixam a desejar àqueles que querem “fazer acontecer”.

De outro lado, importante esclarecer que, como anotado supra, o Decreto busca a definição de metas gradativas de redução e remoção de gases de efeito estufa (GEE) − para os setores de geração e distribuição de energia elétrica, transporte público urbano e sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros, indústria de transformação e de bens de consumo duráveis, indústrias químicas fina e de base, indústria de papel e celulose, mineração, indústria da construção civil, serviços de saúde e agropecuária – estabelecendo certo regulamento para o atingimento de tais metas. Isso não altera ou substitui o movimento que tem sido visto no chamado mercado voluntário. Com efeito, ainda que as metas setoriais não tenham sido formalmente estabelecidas no plano federal, é fato que muitos setores já vêm se articulando há longo tempo e contam com participação representativa de seus integrantes no mercado de créditos de carbono negociados por iniciativa das próprias partes, isto é, voluntariamente, sem uma obrigação legal, mas por um compromisso livremente assumido pelo interessado.

Ainda, a expectativa é de que o recém-criado SINARE não vá desconsiderar todas as práticas de criação, validação, certificação e registros dos créditos de carbono atualmente utilizados mundo afora, devendo funcionar mais como uma autoridade centralizadora de informações sobre os créditos de carbono (ou de metano) gerados no ambiente nacional, sem prejudicar ou invalidar os títulos que já vêm sendo gerados e comercializados fora do mercado regulado.

Pendente essa regulamentação complementar, como dito, a implementação plena do Decreto em análise é dificultada, embora os primeiros passos já possam ser dados, como discussões com os atores interessados quanto ao design dos planos setoriais e quanto aos pré-requisitos para a implantação do SINARE. É um primeiro passo, e tudo precisa de um primeiro passo.

1 O dispositivo menciona o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e as Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas. Estes instrumentos, adotados sob o Protocolo de Kyoto, foram substituídos por aqueles previstos no art.6º do Acordo de Paris, os quais são mecanismos cooperativos de mercado que visam a suplementar – e não substituir – a ação nacional interna, aplicam-se igualmente a todas as partes do Acordo e, no caso do parágrafo 4º, envolvem tanto os governos em si quanto stakeholders operando no plano doméstico, tais como empresas e ONGs. Como parte do Manual de Regras do Acordo, a CoP-26 adotou normas operacionais, modalidades, procedimentos e prazos comuns para esses mecanismos, que agora estão operacionais e podem ser utilizados. ROCHA LOURES, Flavia. Resultados da CoP-26: Análise e Reflexões. Milaré Newsletter (Dez/2020). Disponível em: [https://milare.adv.br/newsletters/resultados-da-cop-26-analise-e-reflexoes/]. Acesso em 23.05.2022.

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