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Milaré

EDITORIAL

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Logo no primeiro dia de 2023, por meio da Medida Provisória 1.154/2023, foram editadas importantes modificações na estrutura administrativa federal. No que tange à área ambiental, que é o objeto principal da nossa prática na advocacia, diversas mudanças ocorreram no Ministério do Meio Ambiente, começando pelo acréscimo ao seu nome do termo “Mudança do Clima”. Assim, sem alterar a sigla MMA, o Ministério passa a ser denominado Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Não se trata apenas de uma mudança nominal: revela, assim, que o tema da emergência climática, um dos grandes desafios da atualidade, deve reger as prioridades da pasta.

Outras mudanças reforçam a importância que a área ambiental terá no novo governo. O Decreto 11.349, de 1° de janeiro de 2023, que trata da estrutura regimental e dos cargos de confiança do MMA, estabelece o retorno do Serviço Florestal Brasileiro, que havia sido transferido em 2019 para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (cujo nome oficial, na nova estrutura, perde o termo “Abastecimento”). Em consequência disso, a gestão do Cadastro Ambiental Rural volta também à administração da pasta ambiental. Ainda passível de aprofundamento, dado o reflexo que possa ocorrer no “Marco Regulatório do Saneamento Básico”, está a volta da Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico para a gestão ambiental. A medida gerou polêmica e vem causando insegurança entre aqueles que atuam no setor de saneamento. Como disse em entrevista ao Portal Migalhas sobre esse assunto, me parece que o atual governo não quer manter a ANA como “reguladora das reguladoras”, ou seja, não pretende algo tão centralizador, mas quer que algumas atribuições passem, como pretendiam os governadores dos Estados, para agências reguladoras dos próprios Estados.

Como se observa no processo de estruturação da administração federal, a transversalidade da matéria ambiental começa a sair do plano retórico e ganhar relevância em termos de políticas públicas, tendo em vista que foram criadas áreas específicas em diversos órgãos para lidar com e/ou reforçar a agenda socioambiental. Alguns exemplos disso podem ser identificados nos ministérios da Fazenda (Subsecretaria de Financiamento ao Desenvolvimento Sustentável); de Minas e Energia (Assessoria Especial de Meio Ambiente, que será ligada ao Gabinete da pasta; e Secretaria de Planejamento e Transição Energética); da Justiça e Segurança Pública (Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente na Polícia Federal); do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC (Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria); entre outros.

Entre os outros atos que marcaram o início da nova gestão na área ambiental, que vinham sendo ventilados no período de transição de governo, encontram-se o Decreto 11.368, de 1° de janeiro de 2023, que retoma o Fundo Amazônia e já rende frutos com a perspectiva de novos financiamentos, e o despacho presidencial que visa a adoção de medidas para alterar a composição de membros do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), que havia sido reduzida pela administração anterior.

Na nova composição ministerial, tem destaque a criação do Ministério dos Povos Originários, um feito inédito na história da nossa administração pública, e que terá entre os diversos assuntos sob a sua competência os acordos e tratados internacionais – em especial a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – quando relacionados aos povos indígenas, tema que está comumente presente em nossa prática na advocacia ambiental, especialmente em processos que envolvem o licenciamento ambiental. Convém destacar o enorme desafio que vem enfrentando a pasta, logo nos primeiros dias, com a crise humanitária que se abate sobre o povo Yanomami, cujas imagens nos sensibilizam profundamente.

Questões relativas aos povos e comunidades tradicionais, embora estejam presentes nas atribuições do MMA e também nas de outras pastas, ganham maior relevância com a criação do Ministério da Igualdade Racial, que terá entre as suas diversas competências gerir políticas para quilombolas e povos e comunidades tradicionais, assim como a proteção e o fortalecimento dos povos de comunidades tradicionais de matriz africana e povos de terreiro. Contudo, pairam dúvidas sobre como se dará a condução e a interação entre as pastas.

Sobre o Decreto 11.373/2023, que promoveu alterações significativas no Decreto 6.514/2008, que trata do processo sancionador federal, a nossa Leading Lawyer Maria Clara Rodrigues Alves Gomes preparou para esta edição breves comentários sobre os pontos mais relevantes da medida, com um quadro que demonstra os dispositivos que foram alterados, comparando sua forma anterior com a atual. Contudo, convém ressaltar que há vários pontos passíveis de interpretações diversas e que o mercado jurídico espera que o órgão competente edite uma norma orientadora.

A gestão de riscos nos centros urbanos é um assunto de grande importância para as cidades, especialmente durante no período de chuvas do verão. No início deste ano, mais uma vez, vimos cidades em diversas regiões do país serem atingidas por chuvas intensas, que provocaram enchentes, deslizamentos, alagamentos e danos irreparáveis às populações. No último final de semana, situações trágicas ocorreram na Zona Leste de São Paulo. Neste contexto, é muito importante que as prefeituras adotem medidas de gestão de riscos nas cidades durante esse período, que façam um monitoramento contínuo das condições meteorológicas, que planejem ações de emergência, que realizem obras de contenção, drenagem e de limpeza dos córregos, que realizem um planejamento urbano e ambiental adequado e que promovam a educação ambiental. Ressalta-se que em áreas de grandes vulnerabilidades, é muito importante que a população esteja informada sobre os riscos e saiba como proceder em caso de emergência. 

Mal nasceu, o ano de 2023 já deixa em nossa história marcas indeléveis que não podem ser admitidas em um Estado Democrático de Direito. Junto com outros juristas e políticos de diversas correntes, participei do processo de formulação do capítulo de Meio Ambiente da nossa Carta Magna, que, na minha opinião, deve sempre guiar os nossos passos em qualquer situação, no exercício seja da nossa atividade professional, seja da nossa cidadania. Assim, constatar ameaças ao nosso documento mais importante como nação faz-me crer que ainda precisamos avançar muito mais para solidificar a nossa democracia. Em que pesem as divergências que possam existir entre os cidadãos e os respectivos governos, o caminho do diálogo e do respeito às nossas instituições deve sempre balizar nosso caminho como nação.

                                                                                                                            Édis Milaré

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