As novas propostas ESG da B3 e a necessidade de seu aprimoramento

30 de September de 2022

          Por Roberta Jardim de Morais (*)

Até o dia 16 de setembro deste ano, estará em consulta pública pela B3 a proposta de anexar práticas ESG ao “Regulamento para Listagem de Emissores e Admissão à Negociação de Valores Mobiliários”, que têm como fundamento o modelo “pratique ou explique”, por meio do qual as empresas evidenciam ao mercado a adoção dos critérios estabelecidos na normativa ou explicam as razões pelas quais não as adotaram. 

Conforme consta no documento da consulta pública, a finalidade da B3 é alinhar suas normas à movimentação regulatória ocorrida nos últimos dois anos, seja no âmbito nacional, seja no âmbito internacional, que contemplam práticas ESG. Assim, em breves linhas, a B3 propõe  quatro medidas, como: (i) eleger como membro do Conselho de Administração ou da Diretoria Estatuária pelo menos uma mulher e um membro da comunidade menorizada, ou, alternativamente, eleger um mesmo administrador que acumule as duas características; (ii) estabelecer no Estatuto Social ou em Política de Indicação procedimento de indicação de membros do Conselho de Administração e da Diretoria Estatutária, incluindo, no mínimo, critérios de complementariedade de experiências, diversidade em matéria de gênero, orientação sexual, cor ou raça, faixa etária e inclusão de pessoa com deficiência; (iii) estabelecer que, quando houver remuneração variável dos membros do Conselho de Administração ou da Diretoria Estatutária, a companhia deverá definir, na política ou na prática de remuneração, indicadores de desempenhos ligados a temas ou metas ESG; (iv) elaboração e divulgação de documento aprovado pelo Conselho de Administração sobre diretrizes e práticas ESG que contemplem conteúdo mínimo com questões ligadas à responsabilidade socioambiental, incluindo combate à discriminação; respeito aos direitos humanos e às relações de trabalho; defesa dos animais contra o sofrimento e os maus-tratos, proteção do meio ambiente contra atividades lesivas e tratamento de resíduos sólidos e produtos químicos perigosos.

A despeito da iniciativa positiva da B3 de engajamento com práticas ESG, que segue a linha já percorrida pelo Banco Central do Brasil com a Resolução BCB 139, de 15 de setembro de 2021, e pela Comissão de Valores Mobiliários com a Resolução CVM 59, de 22 de dezembro de 2021, é certo que as normas nacionais relacionadas às políticas e divulgação de informações das companhias abertas ainda carecem de maior detalhamento para que estejam adequadas aos parâmetros internacionais, como os preconizados pela União Europeia, especialmente no que diz respeito à própria caracterização de atividades e empreendimentos como sustentáveis, que dependem da observância do princípio do “não prejudicar significativamente”.

Surgido no âmbito do Direito Econômico-Financeiro, o princípio do “não prejudicar significativamente” também guarda relação com o contexto do Green Deal, mais precisamente com o campo da chamada taxonomia, materializada por meio do Regulamento 2019/2088, relativo à divulgação de informações sobre sustentabilidade no setor de serviços financeiros e do Regulamento 2020/852, que disciplina o regime para promoção do investimento sustentável, ambos do Parlamento Europeu. Nos termos desses dois regulamentos, um investimento somente poderá ser caracterizado como sustentável quando, comprovadamente, entre outras exigências, não prejudicar os seis objetivos a seguir: (i) a mitigação das alterações climáticas; (ii) a adaptação às alterações climáticas; (iii) a utilização sustentável e a proteção dos recursos hídricos e marinhos; (iv) a transição para uma economia circular; (v) a prevenção e o controle da poluição e (vi) a proteção e o restauro da biodiversidade e dos ecossistemas. 

O princípio do “não prejudicar significativamente” impõe que intervenientes do mercado financeiro europeu, ao desenvolverem e comercializarem produtos classificados como investimentos sustentáveis, devem assegurar que os ativos que integram seus portfolios contribuam para a consecução de um ou mais dos objetivos acima citados e, ao mesmo tempo, não gerem prejuízos a nenhum deles. As diretrizes técnicas para realização de tais análises, ao menos no que concerne aos objetivos de mitigação e adaptação das mudanças climáticas, já estão dispostas no Regulamento Delegado 2021/2139 da Comissão Europeia. 

Em fevereiro deste ano, a Comissão Europeia também editou a Comunicação 2021/C 58/01, que estabelece as orientações técnicas para a aplicação do princípio do “não prejudicar significativamente” no âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência – instrumento orientador do financiamento das reformas e investimentos nos Estados-Membros da União Europeia, desde o início da pandemia da Covid-19 até 2026. 

Com efeito, a criação de tal princípio decorre, nitidamente, do reconhecimento de que apenas a promoção de medidas positivas não se mostra satisfatória para garantir a transição para uma economia segura, com impacto neutro no clima, resiliente às alterações climáticas e mais eficiente na utilização de recursos, e ainda circular. Sua inserção no Direito Econômico-Financeiro, por sua vez, está vinculada ao entendimento claro da necessidade de se orientar os fluxos de capital para empreendimentos que sejam capazes de gerar um crescimento sustentável e inclusivo.

A despeito das diferenças ecológicas, econômicas e regulatórias entre o Brasil e os países que integram a União Europeia, e ainda que o princípio de “não prejudicar significativamente” não integre a legislação brasileira, é provável que muitas empresas com sede naquele bloco, que já detêm e/ou que pretendam ampliar sua participação em ativos em nosso território, passem a contribuir para que novos empreendimentos e produtos financeiros atendam aos critérios estabelecidos por tal princípio, mesmo que voluntariamente, com vistas a serem elegíveis para classificação como investimentos sustentáveis. 

A par dos inegáveis avanços propostos pela B3, ainda assim se faz necessário que o mercado continue aprimorando os processos regulatórios na direção do que vem sendo feito no ambiente internacional. 

(*) Artigo publicado no dia 07.09.2022 no Jornal Valor Econômico – Práticas ESG.

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