“Alalaô ôôôôôô/, mas que calor ôôôôôô!”

Tema: Editorial

28 de fevereiro de 2025

Se há entre nós festa popular ansiosamente esperada e é motivo de imenso entusiasmo em todas as partes do país,  imaginada  e preparada muitos  meses antes de sua comemoração, é o carnaval. Para um país que busca tornar bem marcante a sua identidade é uma ocasião extraordinária  para mostrar  sua riqueza e diversidade cultural, fruto de um país fundamente miscigenado, além de gerar um ativo que movimenta extraordinariamente nosso  turismo e   nossa economia. Há também um lado que demanda  sérios compromissos com o bem-estar da população. Assim, o entusiasmo com as manifestações de rua, como os blocos que tomam conta de nossas cidades, enchendo-as de gente, cores e música, destaca o quão é importante o cuidado com nossos espaços públicos, para que sejam ambientes agradáveis à vida comunitária, garantindo fruição e lazer, com pleno proveito para todos.

Neste ano (apenas uma curiosidade), entre todas as marchinhas antigas de carnaval que alcançaram imperecível sucesso, uma merece ser lembrada. Seu início: “Alala ôôôôôôô/, mas que calor, oooooo/  Viemos do Egito (…).”

O Egito de que fala a marchinha, sucesso de 1941, não é aqui, mas, apesar de esse período de festa propiciar dias de muita diversão, um momento de  fuga dos problemas cotidianos, neste ano há uma preocupação latente que não pode ser ignorada: a onda de calor que assola nosso país, a quinta em 2025, evidenciando, mais uma vez, os efeitos das mudanças climáticas. Assim, torna-se urgente nossa decisão firme de ampliarmos as áreas verdes, de intensificar o processo de arborização, ou mesmo a implementação das soluções baseadas na natureza, além de um planejamento urbano e ambiental que preveja a nova realidade do clima.   

Somadas a esses esforços e tantos outros, as estratégias de adaptação às mudanças climáticas devem liderar a agenda pública, considerando a intensificação de eventos extremos e as dificuldades apresentadas pela maioria dos municípios brasileiros em lidar com a situação. Lembramos que em 2024 uma pesquisa realizada com 3.590 municípios brasileiros pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) sobre “Emergência Climática” revelou que 68% deles não estão preparados para lidar com o aumento dos eventos climáticos extremos, o que reforça a urgência dessa pauta na escala local.

Se todas as estratégias de adaptação às mudanças climáticas têm como meta a população, seu bem-estar, saúde, cabe-nos também destacar aqui, com o mesmo propósito,  resoluções sobre infraestruturas críticas que foram publicadas neste mês e que visam à atualização da Estratégia Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas e a revisão do Plano Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas que certamente devem dimensionar possíveis ameaças de eventos climáticos à infraestrutura, gerando assim a necessidade de renovação ou reconstrução de sistemas de água, de energia, de águas pluviais, reservatórios, barragens, dutos, aeroportos, trilhos de trem etc. Os desastres do Rio Grande do Sul comprovam os prejuízos à infraestrutura com a destruição de estradas, pontes, fechamento do aeroporto, entre outros, o que demanda uma atenção redobrada dos entes públicos e da iniciativa privada também, uma vez que o capital privado responde por inúmeros projetos de concessões nesses segmentos.

Mas cabe-nos voltar ao tema do início. Por estarmos no verão, o intenso calor vem acompanhado de intensas chuvas, o que tem alterado significativamente nossas vidas e rotinas. Para nos prevenir de eventuais riscos, somos impelidos a programar os nossos compromissos, particularmente nos grandes centros urbanos, para períodos em que o calor não seja tão intenso, ou fora dos horários habituais de precipitações, dada a vulnerabilidade de certas áreas, que são mais propensas a enxurradas e inundações.   No entanto – algo que não era de se esperar – em diversas localidades brasileira têm-se registrado alagamentos em áreas nunca antes afetadas por tais episódios.

Fato é que temos que alterar nosso comportamento diante do clima, buscado priorizar ambientes climatizados, considerando os efeitos prejudiciais que as altas temperaturas podem causar sobre nossa saúde. Sem exagero, se o clima mantiver esse padrão de aquecimento, é provável vivenciarmos em um futuro próximo uma alteração em nossos horários habituais de trabalho, estudo e lazer, ou mesmo a suspensão temporária de certas atividades.

Enfim, essa é uma parte dos efeitos das mudanças climáticas em nossas vidas. E “nove a cada dez brasileiros já percebem no dia a dia ao menos um dos fenômenos causados pelas mudanças climáticas e o calor mais intenso é o mais notado”, de acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Locomotiva divulgada em matéria do jornal Valor Econômico na última semana. Em virtude do fenômeno do aquecimento global, muito se tem  falado em (in) justiça climática e os dados dessa pesquisa também demonstram a vulnerabilidade das populações mais pobres no enfrentamento dessas questões, uma vez que a “desigualdade no acesso a equipamentos de refrigeração” afeta as classes D e E. 

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Conforme já comentado em editorial anterior, a agenda ambiental deste ano será bastante movimentada, não apenas por sediarmos a COP30, em Belém, mas porque outros temas têm ganhado relevância no debate  nacional, entre os quais a exploração de petróleo e gás na bacia da foz do Amazonas, localizada na margem equatorial; as discussões no STF sobre o marco temporal das terras indígenas; as expectativas em torno das regulamentações para a implementação do mercado de carbono; as questões do agro para o cumprimento das exigências da lei antidesmatamento da União Europeia, que entrará em vigor em 2026; a intensificação de medidas para combater o desmatamento na Amazônia Legal que, segundo levantamento do Imazon, “aumentou 68% em janeiro de 2025 em relação ao mesmo período do ano anterior”, entre outros assuntos que estarão em alta e que demandarão muita atenção da advocacia ambiental. 

Enfim, o ano só está começando… 

Édis Milaré

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