Por João Pedro Jenzura (*)
Nas últimas semanas, voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) a discussão envolvendo a prática de manifestações culturais que envolvem animais, como é o caso da vaquejada, da farra do boi e do rodeio.
A partir das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.728 e n. 5.772, foi levada à apreciação da corte a constitucionalidade da Emenda Constitucional n. 96/2017, que considera como não cruéis as atividades com animais, desde que sejam manifestações culturais regulamentadas.
Além disso, discutiu-se a compatibilidade, para com o texto constitucional, de duas leis que regulamentam algumas práticas tradicionais que envolvem bovinos. A primeira, n. 13.364/2016, reconhece o rodeio, a vaquejada e o laço, bem como as respectivas expressões artísticas e esportivas, como manifestações culturais nacionais. Já a segunda, n. 10.220/2001, equipara o peão de rodeio a atleta profissional.
Em seu voto, o relator, ministro Dias Toffoli, indicou a constitucionalidade da Emenda n. 96/2017, por entender que, a partir de seu texto, “não se considera legítima qualquer manifestação cultural com animais registrada como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, e sim e, tão somente, aquelas práticas reguladas por lei específica que garanta o bem-estar dos animais envolvidos”.
Por esse motivo, no entendimento do Ministro, não haveria violação, por parte da Emenda, à garantia fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF/88), tampouco à vedação a práticas cruéis contra os animais (art. 225, § 1º, inciso VII, da CF/88). Toffoli foi acompanhado, no ponto, pelos ministros Gilmar Mendes, Flávio Dino e Cristiano Zanin.
A divergência ficou para a discussão envolvendo as duas leis impugnadas pela ADI 5772. O ministro Flávio Dino, em seu voto, apontou que as normas em questão não se prestam para exercer o papel de lei específica, exigida pelo diploma constitucional para considerar eventual prática como tradicional. Segundo ele, as leis objeto das ADIs delegam o poder/dever de disciplinar a proteção do bem-estar animal a instituições privadas.
Desta sorte, segundo ele, seu texto é silente no que diz respeito aos cuidados necessários para preservar a integridade da fauna envolvida nas práticas tradicionais. Assim, tais leis não possuiriam o conteúdo normativo necessário para suprir a ordem constitucional de que as manifestações culturais devem “ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos” (art. 225, § 7º, CF88, incluído pela Emenda 96/2017).
De fato, ao legar às instituições privadas que organizam tais práticas o dever de estabelecer as balizas do bem-estar dos animais, as leis n. 13.364/2016 e n. 10.220/2001 deixam de, elas próprias, assegurar essa condição. Nesse sentido, e em estrita observância ao texto constitucional, são as próprias leis que deverão estabelecer contornos e limites que garantam, no entender do legislador, a integridade da fauna envolvida em atividades como rodeio, vaquejada, farra do boi etc.
O ministro Cristiano Zanin, por outro lado, abriu uma divergência um tanto quanto mais moderada. Segundo ele, as leis n. 13.364/2016 e n. 10.220/2001 estabelecem um rol mínimo de critérios para a garantia do bem-estar animal. Assim, tais balizas poderiam ou não, a depender do caso concreto, ser suficientes para garantir a integridade dos animais, de modo que caberia às autoridades fiscalizadoras, justificadamente, tomar as medidas cabíveis para evitar ou fazer cessar os maus-tratos e impor as sanções correspondentes.
No final das contas, a sessão culminou com o julgamento de improcedência da ADI n. 5.728, sendo considerado constitucional o texto da Emenda Constitucional 96/2017. A ADI 5772, no entanto, ainda pende de julgamento, vez que o ministro Alexandre de Morais requereu vistas do feito. Portanto, ainda não houve decisão final que ateste a compatibilidade ou não das leis n. 13.364/2016 e n. 10.220/2001 para com o texto constitucional.
De todo modo, trata-se de discussão de importância singular no desenvolvimento do direito animal – e ambiental, em certa medida – no país. Afinal, coloca à frente, vez mais, os direitos fundamentais ao meio ambiente equilibrado (art. 225, CF88) e à manifestação cultural (art. 215, CF88), ambos tão caros ao nosso ordenamento jurídico e à sociedade brasileira como um todo.
(*) Advogado Jr. Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pela Faculdade CESUSC, em Florianópolis. Certificado em Sustentabilidade: Estratégia e Oportunidades para a Indústria pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.