Instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em dezembro de 2017, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030) recém-deflagrada pretende constituir, ao longo do decênio, um suporte comum ancorado na ciência oceânica que possa subsidiar os países na implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que, vale lembrar, firmara, entre seus 17 objetivos interligados, um especialmente dedicado à “vida na água” (a ODS 14). Com o radar acionado para os riscos desse complexo ecossistema, foram então estabelecidas seis metas principais para os próximos dez anos: um oceano limpo (fontes de poluição identificadas e removidas); um oceano seguro (comunidades humanas protegidas dos fenômenos oceânicos e segurança nas operações no mar e na costa); um oceano saudável e resiliente (ecossistemas marinhos mapeados e protegidos); um oceano produtivo e sustentável (fonte de fornecimento de alimentos e meios de subsistência alternativos); um oceano previsível (mediante a compreensão de suas condições presentes e futuras, mudanças e impactos sobre o bem-estar humano); um oceano transparente (acesso aberto e amplo a dados, informações oceânicas e tecnologias desenvolvidas).
Cobrindo uma extensão de mais de 70% da superfície da Terra, o oceano que passa a ser defendido como uno e conectado, apesar de suas divisões geopolíticas, possui uma inegável importância pela imensa biodiversidade que abriga, inclusive em profundezas ainda desconhecidas, e pelos inúmeros serviços ecossistêmicos que fornece à humanidade – pesca, esporte e lazer, navegação, atividades portuárias, extração de recursos minerais, petróleo, gás, energias renováveis e produtos biotecnológicos, entre outros, além de produzir oxigênio, armazenar carbono, ser um dos maiores responsáveis pela regulação climática não só das áreas costeiras, mas também das continentais. Daí a equivalente importância dada aos riscos e impactos que as atividades humanas vêm exercendo no processo de degradação do mar. A poluição marinha não se resume ao lixo, abarca tudo o que é descartado sem o devido tratamento pela rede de esgoto (remédios, cosméticos, detergentes, produtos de limpeza), além dos derramamentos de óleo e demais efluentes químicos industriais, sem contar a sobrepesca, a ocupação irregular das zonas costeiras, o turismo desordenado e as próprias alterações climáticas, cujos efeitos são notórios: a acidificação da água, o aumento do nível do mar e dos eventos climáticos extremos.
Ao declarar a Década do Oceano, alertando sobre o processo de degradação do ambiente marinho que coloca em xeque não apenas a “vida na água”, mas a Agenda 2030 como um todo, a ONU reforça que as medidas a serem adotadas devem ser conduzidas e norteadas, necessariamente, pela ciência e pela sustentabilidade. É preciso ultrapassar a dicotomia economia/conservação, considerando a produção científica como um suporte fundamental para o estabelecimento de políticas públicas que possibilitem um desenvolvimento sustentável e integrado, local e global, atendendo às necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras. Nesse contexto, para liderar as atividades da Década foi indicada a Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), responsável por coordenar não apenas o processo preparatório, ocorrido entre 2018 e 2020, mas toda a ampliação da cooperação internacional em pesquisas voltadas para a preservação do oceano e gestão dos recursos marinho-costeiros prevista para o período. No Brasil, as ações – incluindo a realização de oficinas regionais sucedidas, online, no segundo semestre do ano passado, para traçar as necessidades e as diretrizes específicas de cada região do país bem como para formular um Plano Nacional de Implementação da Década da Ciência Oceânica – têm sido organizadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, que conta, além de seus quadros, com a participação de agentes e organizações (universidades, pesquisadores, gestores, empresários, comunicadores e representantes da sociedade civil) engajados nesta mobilização.
Contudo, para atingir os objetivos da Década, não por acaso regida pelo lema “A ciência que precisamos para o oceano que queremos”, a discussão depende do envolvimento e da atuação de todos e de cada um, direta ou indiretamente ligados à relação com o mar. Ou seja, é preciso fortalecer a temática, evidenciando suas conexões e interdependências com questões não menos urgentes e desafiadoras, como a redução das desigualdades, a erradicação da pobreza, a igualdade de gênero. Por isso, uma das frentes de trabalho propostas pela COI da Unesco diz respeito ao estabelecimento e/ou ampliação do ensino, dentro e fora das escolas, da chamada cultura oceânica – Ocean Literacy –, que constitui uma ferramenta potente para a conscientização social, sem a qual, junto ao conhecimento científico, às políticas públicas, não é possível efetivar as mudanças necessárias de forma sustentável e integrada, a fim de, afinal, garantir a partir de agora “o oceano que precisamos para o futuro que queremos”.
Fontes consultadas:
http://decada.ciencianomar.mctic.gov.br/
https://unifesp.medium.com/sem-oceanos-um-futuro-imposs%C3%ADvel-c49cc9ad86bf