Por Camila Schlodtmann e João Manuel Miranda Pinho
Na última quinta-feira (12.12.2024), o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 15.042, de 11.12.2024, que regulamenta o setor da comercialização de créditos de carbono e criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), sendo este um dos vetores da transição energética para uma economia de baixa emissão de carbono, buscando alinhar desenvolvimento econômico e mudanças climáticas.
O SBCE será instituído 20 anos depois da inauguração do “EU ETS – European Union Emissions Trading System”, o mercado de emissões da União Europeia, que foi percursor e serve como base para todos os mercados de emissões do mundo. Portanto, entender a trajetória, fases e metas do mercado regulado de emissões da União Europeia permite uma melhor compreensão do que poderá vir a ser o mercado regulado brasileiro.
Em primeiro lugar, trazemos uma breve distinção entre os ativos que são negociados nos mercados de emissões em todo mundo, sendo eles, principalmente, (i) a permissão/licença de emissão correspondente ao CO2 total (tCO2), que é alocada aos operadores pelo próprio órgão gestor; e (ii) o Certificado de remoção ou redução correspondente a uma tCO2, que será desenvolvido por atividades e indivíduos independentes, submetendo-se a metodologia credenciada pela autoridade competente.
Nos termos da Lei 15.042/2024, quando falamos sobre “permissão”, referimo-nos à Cota Brasileira de Emissão (CBE). O “certificado”, por sua vez, corresponde ao Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). No âmbito do EU ETS, os ativos utilizados para compensação são as permissões ou licenças de emissão, modelo adotado no Brasil, sendo possível também utilizar créditos externos, conforme prevê o Protocolo de Kyoto.
Em segundo lugar, é importante contextualizar e conceituar o chamado “Plano de Nacional de Alocação”, instrumento previsto na nova Lei (artigo 21 e seguintes) que define, para cada período de compromisso do SBCE, a trajetória dos limites de emissão e as regras de comercialização no âmbito do Mercado Regulado de Carbono. O plano de alocação, a ser elaborado pelo órgão gestor do SBCE, como expõe o artigo 8°, inciso IX, da Lei 15.042/20241, irá definir os patamares anuais de emissão que, caso excedidos, obrigarão os operadores das fontes a submeter plano de monitoramento e relato de emissões e remoções de GEE. Além disso, o plano estabelecerá o patamar que obriga o operador da fonte a se submeter ao dever de conciliação periódica de obrigações – ou seja, à obrigação de compensar as emissões através do uso de cotas ou créditos/certificados. Por fim, deverá estabelecer (i) a quantidade de CBEs – “permissões” – a serem alocadas entre os operadores e a forma, onerosa ou gratuita, segundo a qual será realizada esta alocação; e (ii) o percentual máximo de CRVEs – “certificados” – admitidos na conciliação periódica, nos termos do artigo 21, incisos II, III e IV, da Lei 15.042/2024.2
Assim como ocorreu no mercado europeu, o SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões) adotou um padrão de implementação gradual. A implementação no Brasil será dívida em cinco fases, buscando evitar impactos bruscos na economia ao conceder às empresas a oportunidade de adequação às novas regras.
Assim, entende-se que, como ocorreu na União Europeia, inicialmente, poderá haver a alocação gratuita de permissões de emissão (CBEs, no caso do Brasil) para as empresas que ultrapassarem o limite estabelecido e, gradualmente, se reduzirá o número de permissões gratuitas, aumentando o número das que devem ser adquiridas de forma onerosa, seja por meio de leilões, seja através de outros mecanismos administrativos.
No início da implementação do EU ETS, as licenças eram, em sua maioria, alocadas gratuitamente. Porém, a partir da 3ª fase do mercado (2013-2021), o equilíbrio passou a ser de 57% das permissões adquiridas de forma onerosa, principalmente via leilão, enquanto 43% continuaram sendo alocadas gratuitamente, destinando-se, em grande parte, a setores incluídos posteriormente no sistema.
Além disso, no mercado europeu, a quantidade total de permissões vem sendo reduzida: é previsto que, a partir de 2021, o número total de licenças, tanto gratuitas quanto onerosas, seja reduzido em 2,2% ao ano. Contudo, com o advento da Diretiva “Fit for 55”, foi estabelecida nova meta de redução anual das permissões para 4,2% até 2030.
Da mesma forma, com o avanço da implementação do mercado, o percentual de emissões passíveis de compensação por créditos externos foi progressivamente reduzido. O limite, inicialmente de 13,4% das emissões, foi reduzido após 2013 para 11%. Por fim, com o início da 4ª fase do EU ETS (2021-2030), esse tipo de compensação foi encerrado, reforçando a prioridade da redução das emissões domésticas.
Por meio da Diretiva “Fit for 55”, a União Europeia pretende reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 55% até 2030, em comparação aos níveis de 2005. Para complementar o Mercado de Emissões, foi criado o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM), um imposto sobre a importação de produtos com elevadas emissões de carbono. O objetivo principal do CBAM é combater a fuga de carbono, ao incluir no preço desses produtos o custo das emissões de CO₂ associadas à sua produção, promovendo uma concorrência mais equilibrada e sustentável.
Evidentemente, a promulgação da Lei 15.042/2024 é um importante passo para o Brasil e para a indústria nacional, admitindo um novo padrão econômico que prioriza a sustentabilidade e preservação do ambiente, além de estabelecer meios para uma cadeia de produção mais sustentável, reiterando o compromisso nacional com a transição energética e a redução das emissões do país. Em que pese o grande avanço representado pela criação de uma lei, em nível nacional, que regulamente o assunto, observamos que alguns temas ainda deverão ser regulamentados por meio de atos normativos do Poder Executivo.
1 “Art. 8º O órgão gestor é a instância executora do SBCE, de caráter normativo, regulatório, executivo, sancionatório e recursal, ao qual compete: (…)
VIII – elaborar e submeter ao CIM proposta de Plano Nacional de Alocação; (…)”
2 “Art. 21. O Plano Nacional de Alocação estabelecerá, para cada período de compromisso:
II – a quantidade de CBEs a ser alocada entre os operadores; (…)
III – as formas de alocação das CBEs, gratuita ou onerosa, para as instalações e as fontes reguladas;
IV – o percentual máximo de CRVEs admitido na conciliação periódica de obrigações; (…)”.