Aprovado em 1988 pela Assembleia da ONU, o Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) apresenta uma revisão abrangente, atualizada e aprofundada da produção científica mundial sobre as condições físicas do clima e de suas alterações bem como de seus impactos socioeconômicos, a fim de subsidiar políticas climáticas (locais, regionais, mundiais) que vêm sendo pactuadas em fóruns e acordos internacionais desde então. Em 1990, o primeiro relatório do IPCC já ressaltava que as mudanças climáticas se impunham como uma questão global que exigia uma cooperação internacional. O segundo relatório, de 1995, teve papel importante na preparação para a posterior adoção do Protocolo de Kyoto (1997). O terceiro, em 2001, se concentrou nos impactos das mudanças do clima e na decorrente necessidade de adaptação. O quarto, de 2007, foi fundamental para um acordo pós-Kyoto, com vistas a limitar o aquecimento global a 2°C. O quinto (2013-14), por sua vez, forneceu material científico para o Acordo de Paris firmado em 2015, que estabeleceu a necessidade de se manter o aquecimento abaixo dos 2ºC, preferencialmente em até 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.
Neste ano, no início de agosto, foi divulgada a primeira parte do mais recente – o sexto – relatório do IPCC, elaborada pelo grupo de trabalho I, responsável pelo exame das ciências físicas do clima que sustentam as mudanças climáticas ao longo do tempo, e contou com a participação de 234 autores de 66 países, além de 567 outros colaboradores, que revisaram mais de 14 mil estudos científicos para embasar a avaliação mais atualizada do sistema e das alterações climáticas, valendo-se dos últimos avanços e observações das ciências do clima, da combinação de várias linhas do paleoclima, da compreensão do processo e de simulações climáticas globais e regionais. Dos tópicos avaliados pelos cientistas do grupo I estão os gases de efeito estufa e os aerossóis; as mudanças de temperatura no ar, na terra e no oceano; o ciclo hidrológico e as alterações dos padrões de precipitação; clima extremo; geleiras e mantos de gelo; oceanos e nível do mar; biogeoquímica e o ciclo de carbono e a sensibilidade ao clima.
O relatório lançado pelo IPCC, órgão de maior autoridade mundial em ciência do clima, dispõe, portanto, não só as principais informações científicas mas também resultados determinantes sobre o assunto aos governos e tomadores de decisão no enfrentamento do aquecimento global e suas consequências ambientais e socioeconômicas. Neste último documento, demonstra-se que a temperatura global está aumentando mais rápido do que se estimava em avaliações anteriores. E, caso se siga com um quadro de alta emissão de carbono, a meta de 1,5ºC será atingida ou ultrapassada entre 2021-2040, ou seja, uma década antes do intervalo previsto em relatório anterior publicado pelo próprio IPCC. Dimensiona-se, agora, que o aquecimento poderá subir para 3,3 a 5,7ºC acima dos níveis pré-industriais no final do século. Para se manter a meta até o final deste século, são necessárias ações rápidas, sustentadas e em grande escala para a redução drástica dos gases de efeito estufa (sobretudo, CO2 e metano).
É inquestionável, segundo este relatório, que as emissões causadas pela atividade humana, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, são responsáveis pelo atual aquecimento registrado: dos 1,1ºC menos de 0,1°C se deve a forças naturais. O que significa ainda dizer que a influência humana nas mudanças climáticas tem papel decisivo nos eventos extremos – chuvas torrenciais, secas severas, inundações ou incêndios de grande extensão – cada vez mais frequentes e devastadores. Os cientistas do IPCC também concluíram que as atividades humanas são o principal motor das alterações na neve e no gelo e nas ondas de calor marinhas. Aliás, nas análises do permafrost (solo continuamente congelado na região ártica) já se verificam perdas irreversíveis que impactam o aumento do nível do mar. O atual quadro das mudanças climáticas, apresentado neste último relatório, evidencia que tais impactos atingem absolutamente todas as regiões da Terra, apontando enormes custos humanos e econômicos que acentuam as desigualdades e em muito superam os custos das próprias ações de controle/contenção a serem postas em prática com urgência por governos, empresas e investidores no mundo inteiro.
Mediante os diferentes perfis das consequências do aquecimento global traçados por esta primeira parte do sexto relatório, inclusive regionalmente, cujas informações estão também disponíveis no Atlas Interativo do IPCC, pode-se afirmar que cada fração de aquecimento importa de fato, consideradas todas as questões já mencionadas anteriormente (precipitações ou secas extremas, ondas de calor ou de frio severas, perda de gelo e neve). Os impactos se agravarão se as temperaturas continuarem subindo, se as emissões não forem efetiva e amplamente reduzidas, com chance real de atingirmos, num futuro próximo, pontos de não retorno, como no derretimento das camadas de gelo, elevação do nível dos mares, perda de espécies, acidificação dos oceanos. Cabe destacar que o derretimento de gelo, sob a projeção de um aumento de 3º a 5º C, implica uma elevação de 3.3 metros no nível do mar, redefinindo os litorais em todos os lugares. Ademais, o relatório conclui que importantes sumidouros de carbono – os próprios oceanos e as florestas – estão sob grande risco. Em alguns cenários estudados pelo grupo de trabalho I do IPCC, o processo faz com que esses locais não só percam a capacidade de absorção como se transformem em fontes de emissão de CO2, levando a um aquecimento descontrolado. Isso já se verifica na floresta amazônica do sudeste, devido ao aquecimento e ao desmatamento brutal, o que prejudica não apenas os esforços climáticos, mas também a segurança hídrica e alimentar de todos os países da região, sem contar a consequência de uma perda irreversível da biodiversidade.
Embora ainda não tenham sido divulgadas as partes do relatório feitas pelos grupos de trabalho II e III do IPCC, responsáveis, respectivamente, pelas avaliações dos impactos/vulnerabilidades/adaptações e das mitigações das mudanças climáticas, previstas para o primeiro semestre de 2022, os resultados desta primeira parte, que lhes serviram também de baliza, serão fundamentais para a reunião da Cúpula Mundial do Clima – COP26, a realizar-se em Glasgow, Escócia, em novembro deste ano. A constatação científica já é clara: esta é a década decisiva para se limitar o aumento da temperatura em 1,5ºC, e, para isso, é mister desde já reduzir, significativa e coletivamente, as emissões dos gases de efeito estufa (com o compromisso de zerar a emissões líquidas de CO2 antes ou até 2050). Caberá agora aos governos, empresas e investidores intensificarem suas ações, conforme apontado pelo sexto relatório do IPCC, assumindo metas mais robustas na direção de uma política ambiental de desenvolvimento sustentável que modifique os nossos modos de produção alimentar, energética, e de exploração dos recursos hídricos e naturais.
Fontes consultadas:
https://www.ipcc.ch/
https://revistapesquisa.fapesp.br/ipcc-confirma-papel-inequivoco-do-homem-nas-mudancas-climaticas
https://wribrasil.org.br/pt/blog/clima/ipcc-relatorio-mudancas-climaticas-2021
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-08-09/relatorio-da-onu-sobre-mudanca-climatica-responsabiliza-humanidade-por-aumento-de-fenomenos-extremos-atuais.html