Por Édis Milaré e Lucas Tamer Milaré
A degradação ambiental não é “privilégio” de nossos dias. É um fenômeno que acompanha o homem desde os primórdios de sua história. A nossa realidade, infelizmente, é de uma degradação ambiental impune não por falta de doutrina, que já se encontrava alhures, mas por força do estreito e fechado círculo dos interesses familiares, feudais ou oligárquicos, marcas dos períodos colonial, imperial e primórdios da República. Daí que, só com séculos de atraso em relação a países europeus, começaram a surgir os primeiros instrumentos legais para a nossa modernidade.
Não obstante alguns avanços verificados num longo período de quase cinco séculos, a verdade é que, dentro do espírito contemporâneo, pode-se afirmar, sem medo de errar, que somente a partir da década de 1980 é que a legislação brasileira sobre a matéria passou a desenvolver-se com maior consistência e celeridade, impulsionada especialmente pelas luzes e influências da Conferência da ONU de 1972, em Estocolmo, sobre o Meio Ambiente Humano.
Como que para compensar o tempo perdido, ou talvez por ter a Ecologia se tornado o tema do momento, passaram a proliferar diplomas legais mais ambiciosos, voltados para a proteção do patrimônio ambiental do país, segundo uma visão holística, organizada e mais sistêmica.
Nesse caminhar, no alvorecer da década de 1980 veio à luz a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabelecendo entre nós, pela primeira vez, uma Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, seus fins de mecanismos e aplicação, constituindo o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA e instituindo o Cadastro de Defesa do Meio Ambiente.
Concebida e elaborada em um período de declarado autoritarismo político -administrativo, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente sofreu limitações conceituais e operacionais impostas por fatores políticos e geopolíticos predominantes na época, assim como por distorções econômicas e sociais que afetavam a sociedade brasileira. Mas é só a partir desse marco histórico que se pode falar de um direito do ambiente como ramo especializado da ciência jurídica e não como mero apêndice do direito administrativo.
Hoje, completando 40 anos de vida, podemos dizer que a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme o dito popular, foi uma lei que “pegou”, tendo significado – senão uma revolução pacífica – ao menos uma auspiciosa evolução no relacionamento da sociedade brasileira com o meio ambiente, ainda que, a despeito dessas constatações positivas, tenhamos que verificar, também, após quatro décadas de vigência, que a Lei clama por reformulações que a limpem de certas confusões conceituais, agravadas por deficiências na técnica legislativa e pela preocupação exacerbada com a segurança nacional.
Convém lembrar também a decisiva influência desse diploma para o “enverdecimento” da Constituição Federal de 1988, que elevou a proteção integral do meio ambiente ao “status” de valor central da Nação, a ponto de receber o epíteto “verde”, tal o destaque que lhe deu, contrariando as constituições anteriores, que praticamente passaram ao largo da matéria.
Contudo, em descompasso com esses avanços, no que concerne à gestão ambiental, temos verificado atualmente um quadro bastante complexo na implementação das leis e políticas oficiais, que vem fragilizando o nosso sistema ambiental, ameaçando, inclusive, as inúmeras conquistas na esfera da proteção. Somado a isso, há muito temos que lidar com um verdadeiro cipoal de leis, medidas provisórias, decretos, resoluções e portarias a reger a matéria ambiental, o qual, ainda que bem estruturado, desmorona pela falta de meios adequados e ações concretas para sua aplicação, fazendo com que recordemos do famoso comentário de Montesquieu: “Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se são executadas as que há, pois boas leis existem em toda parte.”
Nesse sentido, nada obstante o amplo arsenal legislativo disponível para adaptação do Estado e da sociedade às exigências dos novos tempos, continua a preocupar a fraqueza das reações tanto políticas quanto jurídicas no que toca ao enfrentamento da crescente degradação do nosso rico patrimônio ambiental.
Assim, em que pese estarmos hoje a festejar os 40 anos da PNMA, que reconhecidamente vem cumprindo um papel importante na seara ambiental, somos levados a crer no caminho da elaboração de um Código Ambiental nacional para colocar em ordem a aparente desordem que são as leis ambientais, desde que seja um Código na verdadeira acepção da palavra, ou seja, um instrumento normativo – orgânico, sistemático e operacional – capaz de orientar a legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e apto a inserir as atribuições do Poder Público e o exercício da cidadania num contexto moderno e dinâmico, a que nos tem conduzido a história universal e a própria história do Direito.
(*) Artigo publicado hoje (31) no Blog do Fausto Macedo, do Estadão.