Processo Estrutural: um caminho para a solução de conflitos em processos de licenciamento do setor de energia

30 de abril de 2023

Por Édis Milaré e Thiago Sales Pereira

No processo de licenciamento, é comum que o empreendedor se depare com conflitos de interesses, marcados muitas vezes pela busca de bem-estar ou de justiça em face de uma pretensão ou circunstância considerada inaceitável, em um primeiro momento, não obstante possa haver um ou outro aspecto com o qual uma parte poderia concordar com a outra, em um momento posterior. O ambiente de controvérsia dificulta o diálogo, pois nem sempre o que se pretende ou se nega está bem escrito ou comunicado, ou seja, o pedido e a resposta contêm mais informação e emoção do que aquilo que está expresso. 

Quando a discussão é travada no âmbito do poder judiciário, a expectativa de “vitória” ou “derrota” acaba acirrando os ânimos, levando as partes em discussão a um roteiro já conhecido, marcado pela morosidade e pela entrega de decisões que não pacificam a controvérsia: apenas adiam a discussão para outra ocasião em que a parte derrotada possa se ver em posição de vantagem para exigir que o antigo vencedor se submeta à sua vontade ou fazer com que experimente alguma espécie de dificuldade. 

Que dizer na hipótese em que um dos lados ou ambos os lados do conflito são compostos por grupos de pessoas físicas ou jurídicas, com pretensões que ora coincidem, ora não? A perspectiva de solução parece ser ainda mais distante. 

No entanto, técnicas modernas de condução de solução de controvérsias de natureza coletiva têm sido utilizadas como forma de propiciar um diálogo qualificado e com grandes chances de alcançar uma solução, por mais complexa que seja a questão: trata-se do chamado processo estrutural. 

No processo estrutural, os conceitos de autor e réu, pedido e contestação, provas a serem produzidas e fases processuais são trabalhados de maneira mais abrangente e com certa relativização em relação ao modelo tradicional. Com isso, a discussão, que antes estava presa ao que o Autor e Réu haviam manifestado, passa a ser mais ampla, permitindo que dois ou mais processos sejam reunidos e que os assuntos e as pessoas que compõem as discussões possam servir e ao mesmo tempo participar da construção de um cenário mais completo e que permita enxergar quais medidas são necessárias para resolver as questões que dão origem à controvérsia, indo além dos pedidos verbalizados por cada um dos envolvidos.

Para que essa solução seja alcançada, o magistrado que conduz uma ou mais ações deve estar disposto a abandonar o modelo tradicional, reunir pessoas e matérias em discussão e adotar técnicas de conciliação que permitam às partes expor não apenas seus pedidos, mas também os motivos que os levaram a controverter. Em seguida, é preciso estabelecer uma agenda que permita aprofundar o conhecimento de todos os envolvidos acerca da origem do problema, associada a tomada de decisões que levam à solução gradual do conflito.

A boa condução do processo estruturante se inicia pelo conhecimento de aspectos mais amplos, já promovendo a reunião das partes em grupos de trabalho para que em conjunto apurem informações e proponham soluções. Com isso, por meio de reuniões/audiências recorrentes, o conhecimento e as propostas de solução, produzidos e discutidos pelas partes, vão evoluindo até que o endereçamento das questões controvertidas acaba por ser alcançado por meio de acordo entre os envolvidos. Essa evolução de conhecimento e relacionamento, e a construção de soluções, de maneira conjunta, tem o condão de dar legitimidade ao que restar decidido e, ainda,  maior probabilidade de cumprimento, pois foi  alcançada, discutida e decidida com participação dos envolvidos. Ou seja, a evolução do relacionamento entre aqueles que antes estavam discutindo os leva a construir uma solução por meio da condução de um magistrado e não da imposição de uma decisão por ele adotada muitas vezes sem o necessário conhecimento da realidade, que só as partes possuem.

Com isso, a solução é vista como sendo legítima e razoável por todos os envolvidos. É fato que não sairão com tudo o que esperavam, mas certamente estarão em uma situação melhor do que experimentariam por meio de uma imposição vinda do poder judiciário após longo desgaste de tempo e de recursos.

Nesse modelo, proposto por meio da adoção do processo estruturante, aquele que não quiser aderir à solução é livre para fazê-lo. Mas é possível que sofra consequências mais graves do que experimentaria caso houvesse aderido. Isso porque, na hipótese de recusa, as medidas que couberem àquele que resistiu ao acordo serão impostas pelo poder judiciário, em tempo e modo que nem sempre são factíveis ou razoáveis do ponto de vista daquele que recebeu a ordem. E o caminho diante dessa situação (recorrer a um Tribunal para não cumprir uma decisão proferida após exaustiva discussão e oportunidade de propostas de acordo) certamente não será fácil, até porque o próprio judiciário privilegia as formas de solução alternativas de conflitos, aqui incluído o processo estruturante. A título de exemplo, vale apontar o acordo firmado na Ação Civil Pública nº 0007611-66.2016.8.14.0005, em curso perante a 3ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Altamira/PA, que contou com a atuação direta de profissionais do Milaré Advogados no alcance da emblemática solução. Na Ação Civil Pública 0018408-23.2013.4.01.3200, que tramitou pela 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Amazonas, os conceitos do processo estrutural também foram adotados com sucesso, solucionando controvérsias de caráter extremamente complexo e técnico.

Portanto, para o empreendedor que esteja enfrentando conflitos em curso perante o Poder Judiciário é fundamental acompanhar as tendências mais recentes de tomada  de decisão e métodos adotados para a solução de controvérsias, para que sua gestão tenha mais previsibilidade, com ganhos de resultado em prazos mais curtos e com menores custos, se comparados à tradicional condução de conflitos por meio de processos judiciais.

(*) Artigo publicado no Anuário Energia+, 3ª. edição, da ABRAPCH – Associação Brasileira de PCHs e CGHs.

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