Resultados da CoP-26: Análise e Reflexões

30 de novembro de 2021

Por Flavia Rocha Loures

A tarefa é não superar o teto de 1,5ºC. Ninguém mais,
em sã consciência, fala em ficar ‘bem abaixo’ de 2ºC’.
O conhecimento científico é inconteste, e esse entendimento continuará
a nos obrigar a acelerar todos os esforços ao longo do tempo.”
Christiana Figures, ex-Secretária da UNFCCC.

A 26ª Conferência das Partes (CoP-26) da Convenção sobre Mudança do Clima (UNFCCC) foi realizada em Glasgow de 31 de outubro a 12 de novembro, reunindo cerca de 25.000 pessoas, entre chefes de estado, cientistas, ativistas, negociadores, jornalistas e representantes da sociedade civil e de empresas.

Em termos gerais, a mensagem que se extrai é a de que o encontro levou a avanços significativos, ainda que insuficientes para atingir a segurança climática nos termos do Acordo de Paris e dos alertas do IPCC. Por um lado, as partes agora parecem compreender – com base em seus comentários sobre o Pacto Climático de Glasgow (“Glasgow Climate Pact” – GCP), o principal documento produzido pela Conferência, analisado detidamente adiante – que “os impactos da mudança climática serão muito menores com um aumento da temperatura de 1,5ºC do que de 2ºC” e, por isso, a CoP “decide empreender esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C”. A importância disto é exemplificada com uma recente decisão do tribunal Constitucional Alemão, anterior à CoP-26, sobre a Lei Federal de Proteção do Clima, que obriga o governo a adotar metas de emissão mais rígidas para 2030, refletindo as metas de Paris, tais como originalmente formuladas, “abaixo de 2°C e o mais próximo possível de 1,5°C”. Se julgado hoje, o mesmo processo poderia ter levado a medidas ainda mais restritivas, firmemente atreladas à meta de 1,5°C.

Por outro lado, com todos os compromissos compilados até o momento, inclusive os da Cúpula de Líderes Mundiais de Glasgow, e admitindo sua plena implantação, as projeções de aquecimento global até 2100 passaram de 2,7oC antes da CoP para algo entre 1,8oC e 2,4°C depois da Conferência. A ciência demonstra que as emissões globais precisam ser cortadas pela metade até o fim desta década. Ainda assim, quando consideradas as metas nacionais de curto prazo, em 2030 as emissões serão duas vezes maiores do que o necessário para garantir o objetivo de 1,5oC.

Assim, não surpreende que o Pacto Climático de Glasgow (“Glasgow Climate Pact” – GCP), o principal documento produzido pela Conferência, examinado detidamente a seguir, destaque por três vezes a necessidade de medidas mais ambiciosas e rápidas “nesta década crítica” para preencher as lacunas de implantação existentes quanto a mitigação, adaptação e financiamento; reconhecendo que “limitar o aquecimento global a 1,5°C exige reduções rápidas, profundas e sustentadas das emissões globais de gases do efeito estufa, inclusive redução das emissões globais de CO2 em 45% até 2030 frente aos níveis de 2010, e alcançar o net-zero em torno de meados do século, além de reedições profundas dos demais gases do efeito estufa”. Para tanto, o GCP clama pelo alinhamento de esforços “com o melhor conhecimento científico disponível e com a equidade”, o princípio de “responsabilidades compartilhadas, mas diferenciadas, com as respectivas capacidades”, e planos de desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza.

O Pacto Climático de Glasgow 

O Pacto Climático de Glasgow afirma as metas de redução das emissões de CO2 frente aos níveis de 2010 em 45% até 2030 e de atingir a neutralidade climática até 2050.

A centralidade do direito para uma ação climática eficaz fica evidente no Preâmbulo, que contém referências essenciais: (i) a respeitar, promover e considerar as obrigações respectivas das partes sobre direitos humanos, inclusive a) o direito à saúde; b) os direitos dos povos originários, comunidades locais, migrantes, crianças, pessoas com deficiência e pessoas em situação de vulnerabilidade; e c) o direito ao desenvolvimento; (ii) aos direitos das mulheres e de acesso a a) igualdade de gênero e b) empoderamento feminino; (iii) à equidade intergeneracional; e (iv) à justiça climática, que envolve, inter alia, equidade social, transição justa, direitos de acesso (à informação, à participação e à justiça) e a consideração de necessidades especiais dos países em desenvolvimento e de suas comunidades vulneráveis.

O Pacto leva em conta, ainda, as dimensões transfronteiriças e em grande escala dos impactos e das reações ao clima, ao clamar pela promoção da “cooperação regional e internacional para reforçar a ação climática”; e a integração da adaptação “em planejamento local, nacional e regional”. Como apontam os especialistas: “iniciativas de campo abrangente ou em escala de bacias hidrográficas, capazes de alimentar colaboração intersetorial e transfronteiriça no longo prazo, oferecem uma oportunidade para ação conjunta para o clima, a biodiversidade e o desenvolvimento sustentável”.

Em um parágrafo do Pacto que foi celebrado e também criticado, o GCP clama por esforços “para o abandono gradual da geração de eletricidade através de carvão sem tecnologias de abatimento e subsídios a combustíveis fósseis ineficientes”. A celebração se deveu à convocação para eliminar o carvão e pela primeira referência a combustíveis fósseis em uma decisão da UNFCCC; as críticas, às alterações feitas à redação original, substituindo-se “eliminação do carvão” ( “phase-out of coal”) para “abandono gradual” e “carvão sem tecnologias de abatimento” (“phase-down of unabated coal”), e incluindo o termo “ineficientes” em relação a subsídios prejudiciais. Seja como for, esses esforços deverão ser realizados nas medidas contextuais “para acelerar o desenvolvimento, a aplicação e a disseminação de tecnologias e a adoção de políticas” em respaldo da transição “para sistemas energéticos com baixas emissões, inclusive aumento acelerado de escala da adoção de geração limpa de eletricidade e medidas de eficiência energética”. O documento também convida as partes a redobrar a atenção à redução de gases do efeito estufa que não o CO2, inclusive o metano, até 2030.

Finalmente, o Pacto Climático de Glasgow traz a convocação frequentemente reiterada para se enquadrar a ação climática no contexto dos impactos da pandemia e dos pacotes globais de recuperação, dado o contexto dos valores de sustentabilidade, resiliência, inclusão e solidariedade.

Clima e Biodiversidade

“A CoP marcou uma mudança significativa em um
aspecto crítico: a natureza como parte das discussões
climáticas em uma escala maior do que nunca.
David Craig, Força-Tarefa para Divulgações
Financeiras Relacionadas à Natureza.

Um aspecto crucial do Pacto Climático de Glasgow está em refletir o elo íntimo entre o clima e os riscos, impactos, soluções e oportunidades relacionados à natureza, e o valor da natureza para avanços tanto em mitigação quanto em adaptação, ainda que o texto propriamente dito não se refira expressamente a soluções baseadas na natureza. O Pacto destaca “assegurar a integridade de todos os ecossistemas, inclusive os florestais, oceânicos e criosféricos, e a proteção da biodiversidade” como prioridade para o enfrentamento do desafio climático; e “proteção, conservação e restauro da natureza e dos ecossistemas para a consecução da meta de temperatura do Acordo de Paris, inclusive por meio de florestas e outros ecossistemas terrestres e marítimos que agem como sumidouros e reservas de gases do defeito estufa e por meio da proteção da diversidade, assegurando sempre as salvaguardas sociais e ambientais”. 

Esse inédito reconhecimento reflete o conhecimento científico quanto ao potencial para ação climática centrada em conservação e restauro de florestas e terras úmidas e na agricultura regenerativa para proporcionar cerca de 30% da mitigação da mudança climática necessária para que seja atingida a meta de Paris; e já está fortemente presente nos planos nacionais, com 92% deles contemplando medidas de proteção à biodiversidade. A respeito dessa relação entre natureza e clima, a Declaração dos líderes de Glasgow sobre Uso de Florestas e do Solo reúne mais de 100 países, inclusive o Brasil, que comprometeram aproximadamente US$20 bilhões em financiamento público e privado para acabar com o desflorestamento até 2030.

Para além do regime climático, a Força-Tarefa para Divulgação Financeira Relacionada à Natureza publicou recentemente a respeito de seu arcabouço vindouro de mensuração e contabilização do impacto das empresas sobre a biodiversidade. A primeira minuta é aguardada para o começo de 2022, no decorrer desse esforço, a Força-Tarefa pretende trabalhar em conjunto com seus membros, inclusive um grupo ampliado de mais de 200 empresas, instituições financeiras e organizações multilaterais, para lançar um arcabouço completo de gestão de riscos e divulgação. O novo arcabouço será crucial para alinhar o financiamento climático com metas de biodiversidade, agora parte integrante da  visão de futuro para ações de mitigação e adaptação tais como contempladas pelo GCP.

A título de exemplo, uma recente análise das divulgações de dados ambientais por empresas à CDP revelou que, em 2020: (i) quanto a riscos, apenas 0,5% de 2.973 empresas relataram os referentes à natureza, contra 97% que os relataram quanto ao clima; (ii) quanto a impactos negativos, 71% de 318 empresas responderam: 69% das respostas trataram do clima, enquanto 6,5% se referiram à natureza; (iii) quanto a medidas tomadas em relação a impactos negativos, apenas 11% relataram medidas relativas à natureza; e (iv) quanto a oportunidades, 15% de 810 empresas que publicaram divulgações fizeram referência à natureza. As empresas precisam agir agora para equilibrar esses números, e regimes de divulgação obrigatória para além do clima provavelmente se tornarão, em breve, o padrão em todo o mundo.

Conquistas em mitigação e adaptação 

Uma importante vitória para a ação climática tem a ver com o Art. 6º, sobre mecanismos de cooperação voluntária e mútua voltados para respaldar a implantação dos compromissos de mitigação e adaptação assumidos em NDCs. Esses mecanismos têm por objetivo suplementar – e não substituir – a ação nacional interna, permitindo maior ambição. 

O emprego do mecanismo do parágrafo 2º, que envolve resultados de mitigação transferidos internacionalmente (“internationally transferred mitigation outcomes” – ITMO), deve atender a alguns critérios essenciais, como desenvolvimento sustentável, integridade ambiental, transparência, contabilidade robusta (para evitar contagem duplicada) – tudo condizente com a orientação aplicável da UNFCCC. O mecanismo do ITMO é voluntário e deve ser autorizado pelas Partes participantes.

O Art. 6(4) estabelece outro mecanismo voluntário de mitigação climática, sob autoridade e com orientação da CoP, agindo como Encontro de Partes para os fins do Acordo de Paris e a ser empregado de acordo com as regras, as modalidades e os procedimentos de adoção aplicáveis. A implantação se dará sob a supervisão de um órgão dedicado a ser designado pela CoP. Um objetivo entre outros desse segundo mecanismo é “incentivar e facilitar a participação na mitigação de emissões de GEE de entidades públicas e privadas autorizadas por uma Parte” e contribuir para a redução de emissões da Parte Hospedeira (ou seja, aquela que se beneficia de atividades de mitigação), que também pode ser usada por outra Parte para cumprir seu NDC. Contudo, essas reduções não podem ser contabilizadas no tocante ao NDC da Parte Hospedeira se usadas por outra Parte para demonstrar a consecução do seu próprio NDC. Parte dos proventos de atividades realizadas no contexto desse mecanismo deve ser aplicada a despesas administrativas e assistência a países em desenvolvimento especialmente vulneráveis, para que façam frente aos custos de adaptação.

O terceiro mecanismo do Art. 6º é regido pelo Parágrafo 8º e se refere a abordagens extramercado integradas, holísticas e equilibradas à implantação de NDC, inclusive, entre outros, por meio de mitigação, adaptação, financiamento, transferência de tecnologia e capacitação, conforme o caso. Os objetivos dessas abordagens são (i) promover a ambição de mitigação e adaptação; (ii) aumentar a participação dos setores público e privado; e (iii) permitir oportunidades de coordenação entre instrumentos e arranjos institucionais relevantes.

No contexto dos elementos acima, a CoP-26 finalizou as regras operacionais, modalidades, procedimentos e prazos comuns para os mecanismos de mercado e extramercado previstos em Paris, como parte do Manual de Regras do Acordo. Isso quer dizer que, agora, os mecanismos estão operacionais e podem ser plenamente utilizados. Em respaldo de sua implantação, ainda, o Secretário Geral da ONU anunciou seu plano de encarregar um grupo de especialistas de alto nível de estabelecer padrões claros para a avaliação e mensuração dos compromissos de net-zero assumidos por agentes não estatais. Nessa mesma senda, a UNFCCC já abriga um portal online – o Non-state Actor Zone for Climate Action (NAZCA), para destacar a ação climática voluntária realizada por cidades, empresas, investidores e regiões e para promover a responsabilização o monitoramento nesse aspecto.

Outra decisão central tem a ver com a conclusão da Estrutura de Transparência Aprimorada (“Enhanced Transparency Framework”), que rege a maneira como os países relatam seus compromissos de NDC (tabelas, delineamentos e outros formatos). A decisão significa que as Partes devem submeter seus primeiros relatórios bienais de transparência em 2024, contendo dados detalhados sobre emissões. Apoio ao desenvolvimento da capacidade institucional e técnica de países em desenvolvimento nesse campo será prestado por meio da Iniciativa de Capacitação em Transparência (“Capacity-building Initiative for Transparency”). 

Além disso, segundo o GCP, as Partes deverão “rever e reforçar as metas de 2030 em seus [NDCs] na medida do necessário para que se alinhem com a meta de temperatura do Acordo de Paris até o final de 2022”. Esse compromisso é considerado uma grande realização atingida em Glasgow, por acelerar o prazo para que os países ampliem ações climáticas nacionais de curto prazo sob a forma de contribuições novas ou atualizadas, algo que antes deveria ocorrer apenas daqui a cinco anos. Com isso, se suplementam os compromissos net-zero de longo prazo, obrigando os países a divulgar como pretendem atingir seus compromissos por meio do marco 2030.

A CoP-26 também lançou o Programa Bienal Trabalho Abrangente de Glasgow-Sharm el-Sheikh sobre a Meta Global de Adaptação, considerado “crítico para a compreensão dos avanços” quanto a este pilar de Paris; superando os “desafios metodológicos, empíricos, conceituais e políticos correlatos” como parte do processo global de contabilização. A implantação do Programa de trabalho terá início imediato e deve impulsionar um aumento do financiamento da adaptação após 2025. 

Perdas e danos

A CoP-26 tratou do assunto por meio do lançamento do Diálogo de Glasgow entre Partes, organizações relevantes e partes interessadas “para discutir os arranjos de financiamento de atividades para evitar, minimizar e abordar perdas e danos associados aos impactos adversos da mudança climática”. A proposta original dos países em desenvolvimento envolvia o estabelecimento de uma linha de crédito para prestar apoio financeiro aos países e às comunidades mais vulneráveis afetados por danos irreversíveis dos impactos climáticos, como perda de terras e fontes de sobrevivência e destruição da infraestrutura.

Também foi tomada a decisão de operacionalizar a Rede de Santiago, criada em 2019, “inclusive acordo sobre suas funções e seu processo para maior desenvolvimento de seus arranjos institucionais”, e de lhe proporcionar recursos financeiros “para arcar com a assistência técnica quanto à implantação de abordagens relevantes para evitar, minimizar e abordar perdas e danos” (GCP).

No que se refere a países em desenvolvimento que já enfrentam crescente variabilidade climática e más condições de enfrentamento, esses resultados provavelmente estão entre os mais desapontadores da CoP-26. 

Água

Aqueles que trabalham na comunidade hídrica internacional têm enfrentado uma árdua luta para trazer esse elemento transversal essencial para as discussões sobre o clima, muito embora sua centralidade esteja clara no que se refere tanto à mitigação quanto à adaptação:

-A maior parte do carbono armazenado nos ecossistemas naturais se encontra em terras úmidas e as soluções baseadas na natureza para o desafio climático que envolvem essas terras são tão importantes quanto as florestais.

– As turfeiras cobrem 3% da superfície terrestre, armazenando 30% do carbono do solo. Sua dragagem é responsável por cerca de 5% das emissões globais anuais de GEE. Proteger esses ecossistemas singulares poderia eliminar 1/3 de ºC de aumento da temperatura mais adiante neste século.

– A mudança climática se manifesta principalmente por meio do ciclo hidrológico, com 90% dos eventos climáticos extremos estando relacionados à água.

– As terras úmidas também prestam serviços ecológicos vitais para a adaptação à mudança climática, como a manutenção sadia de ictiofauna e outras formas de biodiversidade, interrupção de incêndios, armazenamento de água em tempos de seca, regulação de fluxos para controle e mitigação de enchentes e recarga de aquíferos, que servem, eles mesmos, como infraestrutura natural de alimentação dos ecossistemas aquáticos superficiais e de apoio à irrigação.

– Embora a CoP-26 tenha apresentado alguns avanços na incorporação do WASH (acesso à água, saneamento e higiene) à agenda climática, por enquanto, apenas 1% do investimento em clima vai para o apoio a esses serviços públicos básicos parem comunidades vulneráveis.

O GCP não menciona expressamente a água potável, ficando o elemento pelo menos embutido em referências aos oceanos, à criosfera, à natureza, aos ecossistemas e à biodiversidade; não foi possível obter compromissos e metas especificamente relacionados à água.

Ainda assim, há vitórias a contar. Pavilhões dedicados à Água e a Turfeiras, respectivamente, foram organizados pela primeira vez como espaços onde múltiplas partes interessadas poderiam compartilhar conhecimento e experiências, gerar conscientização e acumular compromissos. Parece haver um melhor entendimento do papel das turfeiras e das terras úmidas costeiras, juntamente com florestas, como sumidouros e reservatórios de carbono. A Declaração de Glasgow para a Justa Pegada Hídrica conta 18 signatários fundadores, inclusive os governos nacionais de países em desenvolvimento e desenvolvidos, empresas do setor privado e ONGs, comprometidos com a eliminação da poluição aquática e da superextração de água até 2030. Na CoP-26, os EUA comprometeram US$3 bilhões para a adaptação, 1/3 dos quais irá apoiar a busca por serviços de água e saneamento resistentes ao clima até 2030.

Financiamento e Assistência

Assim como as referências a carvão e combustíveis fósseis no GCP, os resultados relacionados ao financiamento são motivo de celebração e decepção. No começo da Conferência, a principal fonte de tensão e divisão Norte-Sul foi o não atendimento, pelos países desenvolvidos, a um compromisso de financiamento de 2009 para entregar aos países em desenvolvimento US$100 bilhões anuais em financiamento relacionado ao clima até 2020. 

Nesse aspecto, o Pacto “observa com profundo pesar” que a promessa não foi cumprida, trazendo consequências para “ações significativas de mitigação e transparência quanto à implantação”; sem deixar de dar as boas-vindas aos “crescentes compromissos assumidos por muitas Partes que são países desenvolvidos”, juntamente com o Plano de Fornecimento de Financiamento Climático: Honrar a Meta de US$100 Bilhões e as ações coletivas que contém. Espera-se que o compromisso original se verifique cumprido até 2023.

Quanto à adaptação, a CoP-26 assistiu à inclusão de um parágrafo no GCP que conclama os países desenvolvidos a “pelo menos duplicar suas provisões coletivas para financiamento climático (…) em relação aos níveis de 2019 até 2025, no contexto de se atingir um equilíbrio entre mitigação e adaptação no fornecimento de recursos financeiros ampliados”; além de inéditos US$356 milhões em novos compromissos para o Fundo de Adaptação. O Pacto também clama por um aumento urgente e significativo do financiamento climático, da transferência de tecnologia e da capacitação para a adaptação e, para garantir a adequação e a previsibilidade do financiamento da adaptação, convida os países desenvolvidos a considerar compromissos plurianuais.

A COP-26 lançou “deliberações sobre uma nova meta coletiva quantificada de financiamento climático”, nos termos de um programa de trabalho ad-hoc dedicado (GCP). 

Do lado de fora das salas de negociação, os compromissos climáticos incluíram (i) US$1,7 bilhão em respaldo a comunidades indígenas por todo o mundo; (ii) US$2 bilhões para restauração da natureza e melhoria de sistemas alimentares, com US$10 bilhões canalizados para enfrentamento da mudança climática; (iii) US$10,5 bilhões da Global Energy Alliance for People and Planet (GEAPP) para acelerar a transição energética em economias emergentes; e (iv) a Aliança Financeira de Glasgow pelo Net-Zero (“Glasgow Financial Alliance for Net Zero” – GFANZ), um compromisso financeiro global de US$130 trilhões em capital privado, com garantia de líderes mundiais, 450 instituições financeiras de 45 países e capital privado para apoiar a transição energética global em busca do net-zero até 2050.

Campeões Climáticos Não-Partes 

Partindo da Parceria de Marrakesh para a Ação Climática Global, lançada em 2016, o envolvimento de partes interessadas com a CoP-26 atingiu seu pico na história da UNFCCC. Isso se deu apesar de reclamações quando a dificuldades de acesso ao local e a salas de reunião. Desafios semelhantes foram encontrados por representantes de países em desenvolvimento por causa de restrições de espaço e acesso relacionadas à pandemia, além da barreiras enfrentadas anteriormente em CoPs ambientais por pequenas delegações incapazes de cobrir diversas reuniões simultâneas. A Presidência da CoP terminou por rever as medidas de segurança em resposta a pedidos da ONU para facilitar a entrada e o acesso e para que fossem disponibilizados mais assentos para observadores, permitindo sua presença nos casos em que se dava a oportunidade de intervenções de não-Partes.

Essas dificuldades à parte, o Impacto Climático de Glasgow deixou claro o reconhecimento das Partes quanto ao papel vital representado por partes interessadas. O Pacto (i) “conclama as Partes a começar rapidamente a implantar o Programa de Trabalho de Glasgow sobre Ação para Empoderamento Climático”, (ii) “incentiva Partes e partes interessadas a garantir participação e representação relevantes da juventude em processos de tomada de decisão multilaterais, nacionais e locais”, (iii) “enfatiza o papel importante da cultura e do conhecimento de povos originários e comunidades locais para a ação eficaz quanto à mudança climática, e conclama as Partes a envolverem ativamente povos originários e comunidades locais na concepção e implantação de ações para o clima”; (iv) “expressa seu reconhecimento do papel importante representado pelas organizações observadoras (…) no compartilhamento de seu conhecimento e seu chamado para que atitudes ambiciosas em busca da consecução das metas do Acordo de Paris  e na colaboração das partes para tal fim”; e (v) “incentiva as partes para que aumentem a participação plana, significativa e equânime das mulheres da ação climática e garantir implantação e meios de implantação sensíveis ao gênero”.

Compromissos Laterais

“Essas coalizões dos inclinados – compostas de uma dúzia
ou mais do que 100 pessoas – prometeram cortar emissões de
metano, acabar com o desflorestamento, banir o carvão, encerrar a
exploração de novas reservas de petróleo e gás natural, deslocar
a produção automotiva para a propulsão elétrica e outros veículos de
baixo carbono, desenvolver novas tecnologias de aço e concreto
de baixo carbono para descarbonizar a construção.”
Fred Pearce, escritor e jornalista independente

Foi dito que “mais do que em qualquer momento anterior, o que aconteceu em paralelo com a CoP foi, talvez, tão importante quanto o resultado das negociações formais, ou até mais importante”. 

Os signatários da Declaração da Agenda de Ruptura, por exemplo, têm por objetivo: (i) “acelerar o desenvolvimento e a utilização de tecnologias limpas e soluções sustentáveis (…), assegurando que sejam acessíveis para todos”; “trabalhar juntos em cada setor, inclusive por meio de colaboração público-privada e mobilização de financiamento em grande escala, para tornar a transição global para uma economia limpa mais rápida, mais barata e mais inclusiva”, e (iii) “catalisar o crescimento dos mercados, do emprego e o desenvolvimento econômico, em termos globais, em prol de tecnologias limpas e soluções sustentáveis”. A Ruptura de Glasgow consiste em metas e indicadores globais que buscam, antes de 2030, fazer das tecnologias limpas e soluções sustentáveis as opções mais acessíveis, confiáveis e atraentes  em cada setor emissor – ou seja, energia, transporte rodoviário, aço e hidrogênio.

Indicadores do Setor Energético

– Acréscimo anual de capacidade de energia limpa (na rede e distribuída), inclusive como proporção da geração global total de eletricidade.

– Investimento em pesquisa, desenvolvimento, demonstração e aplicação de energia limpa, tecnologia habilitante e redes, inclusive como proporção do investimento global total em energia.

– Demonstrar que os sistemas de energia são capazes de integrar altos níveis de energia renovável variável (até 100%) em diferentes regiões geográficas e climas, mantendo um sistema eficiente em custo, seguro e resistente.  

– Taxa de ganho anual de eficiência energética (inclusive para produtos cruciais comercializados globalmente).

– Custo e acessibilidade relativos das tecnologias de energia limpa (se comparadas às alternativas). 

Para mais exemplos, a Beyond Oil & Gas Alliance (BOGA) é uma coalizão internacional de governos e partes interessadas nacionais e subnacionais voltada para facilitar a interrupção gerenciada e justa da produção de petróleo e gás natural; erguendo a questão em diálogos sobre o clima, mobilizando ação e compromissos, e criando uma comunidade prática internacional. Todos os membros se comprometem a imediata e permanentemente encerrar o licenciamento de novos projetos de petróleo e  gás natural e a limitar o fornecimento de petróleo e gás natural, com o objetivo de  criar espaço para o futuro da energia limpa. Alguns países com maiores níveis de produção ainda não se uniram ao esforço.

A Coalizão para o Clima e o Ar Limpo de Redução de Poluentes Climáticos de Vida Breve (“Climate and Clean Air Coalition to Reduce Short-lived Climate Pollutants” – CCAC) endossou sua Estratégia CCAC 2030, voltada para esforços intensificados de redução até 2030 dos poluentes de vida breve (SLCPs), quais sejam, metano, hidrofluorocarbonos (HFCs), carbono negro e ozônio troposférico (ao nível do solo). O Compromisso Global do Metano, lançado pelos EUA e pela União Europeia para reduzir as emissões de metano em pelo menos 30% até 2030, já abrange mais de 100 países. 

Segundo a Declaração Conjunta EUA-China de Glasgow sobre a Ação Climática Ampliada nos Anos 2020, o primeiro se comprometeu com 100% de eletricidade livre de poluição por carbono até 2035; e a segunda a reduzir o consumo de carvão ao longo de seu 15º Plano Quinquenal. Esse esforço conjunto dos dois países relembra a revolucionária parceria binacional que abriu caminho para a adoção do Acordo de Paris em 2015.

A Declaração Global de Transição do Carvão para a Energia Limpa (04.11.2021) observa como a geração elétrica a partir da queima de carvão é o maior gatilho da mudança climática e delineia a seguinte Visão Compartilhada, com base no ODS-7: “acelerar a transição em relação à geração de eletricidade a partir de carvão sem tecnologia de abatimento, (…) de maneira a beneficiar os trabalhadores e as comunidades e garantir o acesso a energia acessível, fiável, sustentável e moderna para todos até 2030. A expressão geração de eletricidade a partir de carvão sem tecnologia de abatimentose refere “ao uso de geração a partir do carvão sem mitigação por meio de tecnologias de redução de emissões de CO2, como utilização e armazenagem de captura de carbono (CCUS)”. Os compromissos endossados são: (i) “aumento acelerado da escala de utilização de geração limpa e medidas de eficiência energética em nossas economias, e apoio a outros países para que façam o mesmo”; (ii) “aumento acelerado da escala de tecnologias e políticas existentes nesta década para se atingir uma transição a partir da geração a carvão sem abatimento na década de 2030 (ou o quanto antes) para as grandes economias e na década de 2040 (ou o quanto antes) em termos globais”; (iii) “cessar a emissão de novos alvarás de projetos de geração a partir de carvão sem abatimento”, ou seja, aqueles que “ainda não chegaram ao fechamento financeiro”; (vi) “cessar a construção de novos projetos de geração a partir de carvão sem abatimento”; (vii) “encerrar novos apoios governamentais diretos à geração a partir de carvão sem abatimento”; e (viii) “reforçar nossos esforços internos e internacionais para proporcionar um arcabouço robusto de apoio financeiro, técnico e social aos trabalhadores, setores e comunidades afetados, permitindo uma transição justa e inclusiva”.

Notícias do Brasil

De volta à nossa terra, o Ministério do Meio Ambiente lançou recentemente uma consulta pública sobre o Projeto de Lei do Plano Nacional para a Mudança Climática, convidando a apresentação de comentários até 04.12.2021. O Projeto tem por objetivo atualizar a Política Nacional para a Mudança Climática, sob os auspícios de um grupo técnico ad hoc criado na Comissão Interministerial sobre Mudança Climática e Crescimento Verde (CIMV), com base no recente Decreto 10.845/2021. 

O foco se dá sobre a modernização da estrutura normativa aplicável e dos conceitos, instrumentos e diretrizes a elas associados, e sobre a incorporação de novos elementos, como a Contribuição Nacionalmente Determinada, a Estratégia Nacional de Neutralidade Climática, metas de emissão net-zero para 2050 e a meta de desflorestamento ilegal net-zero. Uma vez consolidadas todas as contribuições, o CIMV irá deliberar sobre elas e então apresentar o Projeto de Lei ao Presidente para que o encaminhe ao Congresso Nacional.

No nível subnacional, algumas medidas recentes incluem (i) consultas públicas sobre as Diretrizes do Plano de Ação Climática: Net Zero 2050 e a participação do estado de São Paulo na CoP-26, anunciando sua adesão às Campanhas Globais Race to Zero e Race to Resilience (Decreto 65.881/2021) e apresentando as diretrizes supra; (ii) Resolução 760/2021 da SEMAGRO/MS (‘Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar do Governo do Mato Grosso do Sul’): “estabelece rotina excepcional para o Licenciamento Ambiental emergencial e temporário de empreendimentos termelétricos a gás natural ou metano, derivados da madeira, biomassa, óleo combustível e óleo diesel, eólicos e solares fotovoltaicos”; e (iii) Decreto 56.198/2021, regulamentando a Lei 15.641/2021, sobre a ‘Política Estadual de Estímulo à Produção de Etanol’ e o ‘Programa Estadual de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Etanol’.

Conclusão

Agora podemos dizer com credibilidade que
mantivemos viva a meta de 1,5 grau. Mas seu pulso está
fraco e ela somente sobreviverá se cumprimos nossas
promessas e traduzirmos compromissos em ação imediata.”
Alok Sharma, Reino Unido,
Presidente da COP26, Sessão de Encerramento

Depois da CoP-25, a humanidade permanece ameaçada de consequências calamitosas por não ter agido com a urgência e a determinação que impõem os desafios interligados e em aceleração do clima  e da biodiversidade. Tomados em seu conjunto, os compromissos sobre mitigação, adaptação, perdas e danos e financiamento permanecem aquém daquilo que os especialistas consideram necessário para interromper e reverter as duas crises.

Segundo o Secretário Geral da ONU (UNSG), as ações prioritárias daqui por diante deverão enfrentar a eliminação dos subsídios a combustíveis fósseis, o abandono do carvão, o estabelecimento de um piso internacional firme para o preço do carbono, a construção de comunidades resilientes e a concretização do compromisso assumido pelo mundo desenvolvido de US$100 bilhões em financiamento climático para apoiar os países em desenvolvimento. Isso deve ocorrer a partir dos compromissos assumidos em Glasgow, como aqueles quanto ao fim do desflorestamento, da redução das emissões de metano, e da mobilização de financiamento privado. 

De uma perspectiva ampla, é importante que a comunidade internacional permaneça motivada, ainda que possa parecer que a missão adiante é impossível. Devemos nos encorajar com o grande número de decisões, compromissos e coalizões da CoP-26. A Conferência nos deixou ferramentas importantes, um ímpeto em diferentes níveis, maior conscientização e um exército de Partes e partes interessadas preparadas para defender e impulsionar ativamente a transição energética, a meta de adaptação global, a integração de soluções naturais à ação climática e o apoio de que necessitam os países em desenvolvimento e as nações e comunidades mais vulneráveis. Isso demonstra como as CoPs podem ser mecanismos jurídicos e políticos eficazes para exercer pressão entre pares, mobilizar recursos e atenção política, e conceber e operacionalizar os degraus da escada de governança que levarão, por fim, à transformação.

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