Por Marina Falcão de Barros Carvalho Ficarra (*)
O conceito de direito do ambiente é traçado por Édis Milaré como “o complexo de normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”.1 Assim, a ideia de ambiente reside, portanto, no coração do direito do ambiente, que, conforme o autor, pode ser definido da seguinte forma:
“o ambiente – elevado à categoria de bem jurídico essencial à vida, à saúde e à felicidade do homem – integra-se, em verdade, em um conjunto de elementos naturais, culturais e artificiais, de modo que possibilite o seguinte detalhamento: meio ambiente natural (constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora, a fauna, enfim, a biosfera); meio ambiente cultural (integrado pelo patrimônio artístico, histórico, turístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico etc.); e meio ambiente artificial (formado pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações e nos equipamentos públicos: ruas, praças, áreas verdes, ou seja, todos os logradouros, assentamentos e reflexos urbanísticos)”. 2
Deste modo, o direito do ambiente não compreende apenas a esfera do ambiente natural, mas também incorpora aquele cultural e urbano. Por este motivo, faz parte das funções do direito do ambiente a proteção dos bens culturais, históricos e artísticos, por exemplo.
Importante ressaltar ainda, que a proteção do ambiente cultural e urbano constituem uma parte extremamente relevante do direito do ambiente, sendo introduzida no texto constitucional antes mesmo do ambiente natural. A Carta de 1934 foi a primeira a trazer o conceito no ordenamento brasileiro, em seu artigo 148:
“Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual.”
Dois anos após a promulgação da referida Constituição, em 1937, foi criado o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), autarquia federal vinculada ao Ministério do Turismo, destinado a preservar e promover os patrimônios culturais brasileiros. O instituto divide os patrimônios culturais nos seguintes subgrupos: patrimônio material, imaterial, arqueológico e mundial. Todos eles protegidos pelo direito do ambiente.
Cumpre ressaltar ainda, que, nesta época, o ambiente natural não estava compreendido como parte do patrimônio cultural brasileiro. Foi apenas na Constituição de 1988, que ele acabou sendo concebido, de forma direta, como um patrimônio a ser protegido, em seu artigo 216:
“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”
Pode-se observar que, a partir da nova constituinte, a definição de patrimônio cultural se tornou mais abrangente. O objetivo foi o de trazer conceitos abertos, que abarcassem uma visão em relação à cultura como um fenômeno em constante transformação. Assim, a Constituição Federal de 1988 modificou o conceito de patrimônio cultural, que antes englobava apenas bens materiais, para incluir também aqueles imateriais. Além do mais, é importante notar que foram também embarcados bens que, apesar de não advirem da mente humana, são investidos de valores humanos, como é o caso dos sítios de valor ecológico.
A elevação de um bem a patrimônio cultural é extremamente relevante, pois além de constituir em uma expressão da importância de sua manutenção, passando a ser objeto de preservação de instituto especializado, permite também que este seja objeto de registro, inventário, vigilância, desapropriação e tombamento (art. 216, § 1º, da CF). Além do mais, os patrimônios culturais brasileiros possuem legislações especiais, que objetivam sua proteção, como é o caso do Decreto- Lei 4.146/1942 (depósitos fossilíferos), da Lei 3.924/1961 (patrimônio arqueológico) e da Lei 7.542/1986 (patrimônio subaquático).
Como conclusão, pode-se observar que o direito do ambiente possui como objeto a proteção do ambiente em sentido amplo, abrangendo não apenas aquele natural, mas também aquele cultural e urbano. Neste contexto, todos estes bens, sendo eles materiais ou imateriais, podem ser elevados a patrimônio cultural para que se tornem objeto de especial proteção pelo IPHAN, e tenham sua relevância nacional ou mundial constatada, de forma a facilitar a sua preservação.
1 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, 12ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 247.
2 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, 12ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 438.
(*) Advogada júnior. Mestre em Direitos Humanos na Itália e na Inglaterra, por meio de diploma conjunto entre as universidades: University of Graz, Ruhr-University Bochum, University of Hamburg, University of Padua, Ca’ Foscari University of Venice, University of Ljubljana and University of Deusto, Bilbao.