Por Maria Clara Rodrigues Alves Gomes
A recente aprovação pelo Senado Federal do Projeto de Lei – PL nº 2.159, em 21.05.2025, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, tem gerado um amplo debate público a respeito dos impactos que a referida norma poderá ter na proteção do meio ambiente.
Embora o PL dependa da análise e aprovação pela Câmara dos Deputados quanto às emendas propostas pelos Senadores, é compreensível e positivo – dado a relevância da norma, que estabelece regras uniformes ao licenciamento ambiental aplicáveis à União, Estados e Municípios – que o tema seja objeto de atenção e amplo debate.
O licenciamento ambiental é um instrumento essencial da Política Nacional de Meio Ambiente, estabelecida pela Lei 6.938/1981 (art. 9º, inciso IV), e se volta à gestão, pelo Poder Público, dos recursos naturais utilizados no desenvolvimento de atividades e empreendimentos. Atualmente, falta ao Brasil legislação que regule esse processo abrangente e formalmente.
A matéria ainda é tratada de forma esparsa, por meio de resoluções, instruções normativas e outras normas infralegais, ou individualmente por Estados e Municípios, o que resulta em um emaranhado de disposições que conflitam entre si. Além disso, a sociedade brasileira, vem demandando um processo de licenciamento menos burocrático e mais eficiente, alinhado à tecnologia e à realidade de processos produtivos mais modernos. Nesse sentido, a aprovação da lei gera grande expectativa.
O texto aprovado pelo Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados, certamente não estaria indene de críticas. A norma terá que ser capaz de atender a contextos ambientais distintos em todo o país, desde as realidades e culturas dos órgãos ambientais do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, até os diferentes biomas existentes no Brasil.
Algumas disposições, caso aprovadas sem ajustes, certamente serão objeto de judicialização e submetidas ao controle de constitucionalidade. Um exemplo são as obras e atividades previstas no texto do PL como dispensadas do licenciamento ambiental, que podem conflitar com a Constituição Federal. Como sabemos, o artigo 225, §1º, inciso IV, da CF exige o estudo prévio de impacto ambiental (e o respectivo licenciamento) “para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”, de modo que seria inconstitucional dispensar do licenciamento eventuais obras e atividades que se enquadrem nessa categoria. Assim, mesmo justificadas por razões estratégicas, obras militares com potencial para dano ambiental não poderiam ser dispensadas do licenciamento. Da mesma forma, intervenções emergenciais em casos de calamidade pública ou situação de emergência deverão ser analisadas com cautela.
No que se refere à chamada “Licença Ambiental por Adesão e Compromisso – LAC”, ainda que criticada, já é uma realidade adotada por vários Estados e para diversas atividades. Esse modelo imprime maior agilidade no processo de licenciamento ambiental, mas impõe maior responsabilidade ao empreendedor, que deve seguir critérios técnicos rigorosos para esse licenciamento, pois não deixará de estar sujeito à fiscalização do Poder Público e à penalização na hipótese de uso indevido desta modalidade de licenciamento. Vale notar que a aplicação dessa modalidade a empreendimentos de médio porte ainda será amplamente debatida.
Outro ponto controverso do Projeto é a isenção do licenciamento ambiental estendida aos empreendimentos agropecuários. Segundo o Relatório do Senado, essas atividades já são reguladas por instrumentos da Lei 12.651/2012 (Código Florestal), como o Cadastro Ambiental Rural – CAR e as autorizações de supressão vegetal. E, de fato, o CAR poderia ser considerado suficiente para promover a gestão dessa modalidade de atividade. No entanto, ainda não está plenamente implementado em diversos Estados, o que pode deixar tais atividades em um limbo regulatório, sem licenciamento ambiental e sem análise adequada dos registros feitos pelos produtores rurais ou a necessária adesão aos programas de regularização ambiental.
Todo esse debate nos remete às discussões havidas quanto da aprovação do Código Florestal de 2012 e ao que se seguiu, com a discussão acerca de sua constitucionalidade, a judicialização de diversas situações pautadas na nova norma, e a legítima preocupação com a proteção ambiental.
Assim, embora não se vislumbre um impacto catastrófico imediato, como alguns temem, a aprovação da norma sem ajustes já a coloca como alvo de ampla judicialização, o que exige da Câmara dos Deputados uma análise cautelosa de algumas disposições e emendas propostas pelo Senado.
De qualquer forma, considerando a complexidade do tema e tudo o que ele envolve, o PL em discussão não terá a capacidade de atender plenamente a todas as expectativas nele depositadas, seja pelos ambientalistas, seja pelo setor econômico, o que nos coloca, inescapavelmente, em um caminho de reflexão, debates e judicialização. É fundamental que se alcance uma norma efetiva, reconhecidamente constitucional e com a capacidade de tornar mais eficiente o licenciamento ambiental. Que venha, então, a Lei Geral do Licenciamento Ambiental.