Publicado em 12 de abril de 2016
Por Jomar Martins
Os recursos da compensação ambiental, nas áreas transformadas em unidades de conservação, devem ser aplicados, prioritariamente, em regularização fundiária e demarcação de terras, como prevê o artigo 33 do Decreto 4.340/2002. Assim, quem tem parte de suas terras incorporada por unidades de conservação, instituídas por lei ou decreto da União, de estados e ou municípios, pode se valer desse dispositivo para receber mais rapidamente a indenização por desapropriação indireta.
O fundamento levou a maioria da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a determinar à União sua imediata imissão na posse de uma área rural desapropriada há dez anos no interior de Santa Catarina, que foi incorporada ao Parque Nacional das Araucárias. Com a regularização, o Comitê de Compensação Ambiental Federal foi compelido a depositar o valor da indenização, reconhecido pela própria União em laudo de vistoria e avaliação.
“Restando sobejamente demonstrado que desde 19.10.2005 — portanto, há mais de 10 anos — a União não adotou qualquer medida para desincumbir-se de sua obrigação de efetivamente concluir a regularização fundiária da unidade de conservação, restam evidenciados os requisitos da urgência e plausibilidade jurídica a embasar a antecipação da tutela jurisdicional”, escreveu no acórdão o desembargador relator Fernando Quadros da Silva, que deu provimento ao agravo de instrumento.
Silva observou que as atas trazidas aos autos revelam que parcela muito pequena dos recursos destinados à compensação ambiental vem sendo utilizada para regularização fundiária das unidades de conservação federais, contrariando a prioridade expressa no referido decreto. Além disso, citou o julgamento da Adin 3378/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a compensação ambiental como o instituto jurídico criado para financiar gastos com as unidades. Portanto, concluiu, compete à União cumprir a decisão por meio do Comitê de Compensação Ambiental Federal, determinando a inclusão prioritária de recursos de compensação ambiental para a regularização fundiária da área desapropriada. O acórdão foi lavrado na sessão de 24 de fevereiro.
Agilidade na indenização
A banca gaúcha Trindade & Lavratti, especializada em Direito Ambiental e que representou os autores na ação, comemorou a decisão inédita proferida pelo TRF-4. Com esse precedente, segundo os advogados Gustavo Trindade e Carolina Donay Scherer, o poder público deve assumir imediatamente a posse da área mediante o pagamento de indenização. ‘‘Isto altera substancialmente a situação de centenas de proprietários no país, que só conseguiam receber a indenização após ingressar com ação judicial — de desapropriação indireta —, que tramita por muitos anos’’, afirmaram à ConJur.
O efeito mais importante, conforme os procuradores, é que o pagamento da indenização da área será feito com recursos provenientes da compensação ambiental — percentual em dinheiro que os grandes empreendimentos devem pagar (0,5%) no licenciamento ambiental —, e não de precatórios.
O caso
A parte autora ajuizou ação ajuizou na 1ª Vara Federal de Concórdia (SC), pedindo que a União seja condenada a pagar-lhe indenização pela desapropriação indireta de parte de suas terras, em razão de decreto da Presidência da República, datado de 19 de outubro de 2005, que criou o Parque Nacional das Araucárias. A área incorporada, de 1.558 hectares, está localizada nos municípios de Campos Maia e Ponte Serrada.
O juiz federal Leonardo Müller Trainini negou a antecipação de tutela, naquele momento, por entender que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) deveriam ser ouvidos, já que a autora abriu processo administrativo no primeiro para tratar da indenização. Em razão disso, o juiz determinou que a autora emendasse a inicial e promovesse a citação de ambos os órgãos ambientais.
Conforme o juiz, ao justificar o indeferimento, incide no caso o disposto no parágrafo 5º do artigo 100 da Constituição, que trata dos pagamentos da Fazenda Pública. Diz o dispositivo: “É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente”.
Contra essa decisão, a parte autora interpôs agravo de instrumento no TRF-4. Argumentou que não era necessária uma previsão orçamentária para pagar a indenização, como faz crer o juízo ao citar o referido dispositivo constitucional. Apontou a existência de recursos da compensação ambiental, instituída pelo artigo 36 da Lei Federal 9.985/2000.
Ponderou que tais valores não são recebidos pela União via conta única do Tesouro Nacional, mas aplicados diretamente pelo empreendedor ou pela instituição financeira que receber o valor, em obrigações previamente definidas pelo Comitê de Compensação Ambiental Federal. Em síntese, este é responsável, em nome da União, pela destinação dos recursos da compensação ambiental.
Segue o acórdão modificado na íntegra:
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PARQUE NACIONAL DAS ARAUCÁRIAS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. PRESENÇA. PROVIMENTO. 1- Há mais de 10 anos foi criada a unidade de conservação sem que a agravada promovesse a imissão da posse e efetuasse o pagamento do valor indenizatório. A inércia da Administração causa inegáveis prejuízos ao particular que se vê obrigado a efetuar a proteção integral de parque nacional sem ter recebido a necessária indenização. A União deve ser imitida na posse imediatamente. 2- Plausibilidade da tese pois demonstrado no agravo que o Comitê de Compensação Ambiental Federal – CCAF não vêm aplicando os recursos de compensação ambiental, previstos na Lei n.9.987/2000, com a prioridade na regularização fundiária das unidades de conservação. 3- Agravo provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2016.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA Relator
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de antecipação da tutela, em sede de ação de desapropriação indireta de imóvel, por meio da qual busca a parte autora, liminarmente, seja determinada a imissão da parte ré na posse do imóvel, bem como o imediato depósito do valor relativo ao bem, apontado como incontroverso
Insurge-se a parte autora exclusivamente contra a parte da decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela, ao argumento de que incide na espécie o § 5º do art. 100 da CF. Sustenta a desnecessidade de previsão orçamentária para o pagamento da indenização devida à agravante. Aponta a existência de recursos da compensação ambiental instituída pelo art. 36 da Lei Federal nº 9.985/2000. Pondera que tais valores não são recebidos pela Agravada via conta única do Tesouro Nacional, mas sim aplicados diretamente pelo empreendedor ou pela instituição financeira que receber o valor, em obrigações previamente definidas pelo Comitê de Compensação Ambiental Federal – CCAF, que é responsável, em nome da União, pela destinação dos recursos da compensação ambiental. Refere a natureza privada de tais recursos. Discorre acerca do seu direito à indenização pretendida. Afirmando a presença dos requisitos necessários, postula a antecipação dos efeitos da tutela recursal.
Foi indeferido o pedido de efeito suspensivo.
Com contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.
O MPF, em parecer da lavra da Procuradora Regional da República Adriana Zawada Melo, opinou pelo desprovimento do agravo de instrumento.
É o relatório. Peço dia.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA Relator
VOTO
Quando da análise do pedido de efeito suspensivo, foi proferida decisão indeferindo a antecipação da tutela recursal.
Contudo, examinando a farta documentação trazida com o instrumento recursal, inclino-me no sentido do provimento do recurso.
O Parque Nacional das Araucárias foi criado pela União em 19.10.2005, localizado nos municípios de Campos Maia e Ponte Serrada, no Estado de Santa Catarina. Demonstram os agravantes que a nova unidade de conservação de proteção integral incidiu sobre 1.558,83 hectares de imóvel rural de sua propriedade.
As medidas administrativas necessárias para efetivar a regularização da área não foram até o presente ultimadas. Não houve a indispensável imissão da União na posse, tampouco houve o depósito dos valores incontroversos.
A execução dos recursos de compensação ambiental se dá por meio de Termo de Compromisso para o Cumprimento de Compensação Ambiental – TCCA celebrado com o empreendedor, conforme Instrução Normativa ICMBio nº 10/2014, após o Comitê de Compensação Ambiental Federal – CCAF, instituído pela Portaria Conjunta nº 225/201111, deliberar acerca da destinação deste valor, respeitando a ordem de prioridade do art. 33 do Decreto Federal nº 4.340/2002, de investimentos dos valores da compensação ambiental, que coloca a regularização fundiária em primeiro lugar.
O Comitê é presidido pelo IBAMA e tem como integrantes representantes do Ministério do Meio Ambiente e do ICMBio. Sua principal atribuição é deliberar sobre a divisão e destinação dos recursos oriundos da compensação ambiental federal para unidades de conservação.
As atas trazidas aos autos revelam que apenas uma parcela muito pequena dos recursos destinados à compensação ambiental são utilizados para regularização fundiária das unidades de conservação federal.
Respeitando a ordem de prioridade do art. 33 do Decreto Federal nº 4.340/2002, de investimentos dos valores da compensação ambiental, a regularização fundiária deveria vir em primeiro lugar.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIN n. 3378/DF, reconheceu que a compensação ambiental é o instituto jurídico criado com o objetivo de ‘financiar gastos com unidades de conservação’, bastando que a agravada cumpra a decisão por meio do Comitê de Compensação Ambiental Federal – CCAF, determinando a inclusão prioritária de recursos de compensação ambiental para a regularização fundiária da área das agravantes.
A Constituição Federal impõe a União o dever de proteger o meio ambiente aí incluído o ônus de criar unidades de conservação e implantá-las adequadamente, evitando a indesejável prática dos ‘parques nacional de papel’, que são criados e jamais implantados impondo-se ao cidadão o ônus de ver-se despojado de seu patrimônio sem qualquer indenização e ao mesmo tempo ser obrigado a velar pela proteção da área protegida diante da ampla proteção jurídica penal, adminstrativa e civil.
No caso de desapropriação para criação de Unidades de Conservação, ainda mais de Proteção Integral, como é o caso do Parque Nacional das Araucárias, é a lei que impõe e declara a urgência de se imitir a agravada na posse do Parque Nacional que criou, de forma a efetivar o seu dever previsto no art. 225, §1º, III da Constituição Federal e promover a devida proteção e defesa do meio ambiente As agravantes estão, de fato, sendo gestoras de área já declarada de domínio público e a falta de desapropriação regular da área e a manutenção compulsória da posse concreta com as Agravantes traz risco de dano ambiental a uma das áreas mais significativas e sensíveis do frágil ecossistema protegido pelo Parque Nacional das Araucárias.
Além de estar evidenciado o risco previsto no art. 527, III c/c art. 558, ambos do CPC, a situação enseja a incidência do princípio da precaução, que, reclama a antecipação da tutela recursal para a determinação de imissão direta na posse pela Agravada, mediante do pagamento do preço. Ressalte-se que na incide o óbice da Lei n. 9.494/97.
Restando sobejamente demonstrado que desde 19.10.2005 – portanto há mais de 10 anos – a União não adotou qualquer medida para desincumbir-se de sua obrigação de efetivamente concluir a regularização fundiária da unidade de conservação, restam evidenciados os requisitos da urgência e plausibilidade jurídica a embasar a antecipação da tutela jurisdicional.
A União deve ser imitida na posse da área do parque e o Comitê de Compensação Ambiental Federal – CCAF deve depositar a parcela incontroversa calculada pela própria agravada no Laudo de Vistoria e Avaliação (RS XXXXXXX).
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao Agravo de Instrumento.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA Relator
Fonte: Conjur
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