Publicado em 26 de abril de 2016
Em recente decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em caso conduzido pela Leading Lawyer Roberta Jardim de Morais e pela advogada Mayara Alves Bezerra, do Milaré Advogados, foi reconhecida a aplicabilidade do Código Florestal para TACs firmados na vigência da lei anterior e que não tinham as obrigações vencidas quando da superveniência da Lei 12.651/2012.
Segue o brilhante voto do Relator, Des. Álvaro Passos, na íntegra:
Voto nº 26802/TJ
Rel. Alvaro Passos
2ª Câm. Res. Meio Ambiente
Apelação cível nº 3000914-43.2013.8.26.0653
Apelante: OJC EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Comarca: Vargem Grande do Sul
1ª Vara Judicial Juiz(a) de 1º Grau: Christian Robinson Teixeira
EMENTA
EMBARGOS À EXECUÇÃO Execução ajuizada em razão de não cumprimento integral de termo de ajustamento de conduta firmado com o Ministério Público Incontroversa inadimplência parcial do título que permite o ajuizamento do feito e a incidência da respectiva sanção pecuniária Aplicação do novo Código Florestal Possibilidade Normas ambientais de aplicação imediata Necessidade de observação, por órgãos técnicos competentes, do preenchimento dos requisitos legais do atual texto legal Advento de normas acerca do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) Dever de registro e desobrigação da averbação Alegação de inconstitucionalidade que já se encontra em análise na instância superior Multa Redução Admissibilidade Cumprimento parcial dos deveres Recurso parcialmente provido.
Vistos.
Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença de fls. 153/154, cujo relatório se adota, que julgou improcedentes embargos à execução, sob o fundamento de que claro está o não cumprimento do termo assinado e que a nova lei florestal não alcança Termo de Ajustamento de Conduta firmado na vigência do código anterior, com base no qual não se verificou o adimplemento do assumido.
Sustenta, a embargante, em preliminar, a configuração de carência de ação por inexigibilidade de título executivo, uma vez que a parte que não foi adimplida decorreu da dependência de atuação de terceiros, enquanto que o demais não estava vencido quando do ajuizamento da ação. No mérito, argumenta, em síntese, que a averbação da reserva legal dependia de atos de terceiros (órgãos públicos), os quais, apesar de requisitados, não foram atendidos; que sobreveio o novo Código Florestal, cujos dispositivos devem ser aplicados, inclusive em relação à dispensa de averbação com o registro do CAR, o qual já foi, inclusive, realizado; que a multa diária é desproporcional e deve ser reduzida.
Com resposta e parecer da D. Procuradoria Geral de Justiça, subiram os autos para reexame.
É o relatório.
Inicialmente, afasta-se a preliminar de carência de ação, uma vez que ela se confunde com o mérito e com ele deve ser analisada.
Foi proposta ação de execução de obrigação de fazer de título extrajudicial sob o fundamento de que a demandada, ora recorrente, não cumpriu integralmente os encargos assumidos em Termo de Ajustamento de Conduta.
Compulsando os autos, verifica-se a peculiar situação desta hipótese vertente, em que foi firmado TAC na vigência da lei anterior e sobreveio a nova legislação ambiental, alterando determinadas questões, o que merece específica análise do caso.
É certo que a hipótese vertente envolve bem de relevante amparo, que é o meio ambiente ecologicamente equilibrado, cuja proteção advém da própria Constituição Federal. De fato, devem orientar o Direito Ambiental, dentre outros, os princípios da prevenção e da precaução, que estão ligados à reparação dos estragos ambientais, a qual é difícil e, muitas vezes, impossível, por envolver um prejuízo irreversível, incapaz de retornar à forma anterior, dada a classe do bem, que não tem origem em atuação humana e sim na própria natureza.
Entretanto, faz-se essencial observar, em conjunto, todos os direitos das partes envolvidas, de modo que, nesta hipótese, considerando a aplicação de nova legislação, que possui determinadas regras mais benéficas, entende-se ser possível a sua incidência, o que não fere o ato jurídico perfeito por tratar-se de norma cogente e de aplicação imediata, pois voltada à proteção de bem metaindividual.
Ademais, não haverá detrimento ao meio ambiente com a medida, porquanto estarão sendo atendidas as regras que atualmente estão vigentes e são aptas a protegê-lo.
Deve-se ter em mente que o direito ambiental é dinâmico e pode ser modificado conforme o momento histórico, social e geográfico, sendo assim devida a incidência de novos dispositivos legais, até mesmo para atender ao princípio constitucional da isonomia, sobretudo considerando que se trata de norma que gera restrição ao direito de propriedade. Oportuno observar que tal situação não afasta o incontroverso reconhecimento de que o termo firmado não foi integralmente cumprido.
Corretamente assentou o juízo da causa que não cabe ao recorrente alegar que o prazo não era suficiente, “uma vez que a compromissária/embargante é pessoa jurídica e estava devidamente assessorada por advogado (fls. 14/16), razão pela qual se presume ter ela conhecimento da situação jurídica de seu patrimônio e do tempo estimado de que necessitaria para cumprir o que restou pactuado”.
Na realidade, diante das manifestações de ambos os litigantes e os documentos apresentados, incontroverso se mostrou o descumprimento de parte do TAC, o que permite o ajuizamento da execução. Neste ponto, deve ser consignado que não se verifica vício de consentimento ou qualquer outro na elaboração do termo objeto da lide, tanto que não alegada tal situação, já que ele foi firmado voluntariamente por ambas as partes.
É sabido que, nos termos do art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85, o Termo de Ajustamento de Conduta é um título executivo extrajudicial, tendo sido ele firmado voluntariamente por pessoa competente para tanto (Ministério Público e responsável pela área degradada) após a verificação da situação na região, com prévio conhecimento dos prazos e das determinações a serem obedecidas.
Sabe-se que, desde a legislação anterior, existia a imposição de instituição de reserva legal dentro de imóvel rural, e a atual Lei nº 12.651/12 a define, em seu art. 3º, III, como “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”.
Por sua vez, consigne-se que, conforme o mencionado art. 12, em cuja previsão a hipótese vertente se enquadra, há exigência da manutenção de cobertura de vegetação nativa, no local, no importe de 20% (vinte por cento) do bem.
Anote-se que o ordenamento jurídico anterior já previa, expressamente, o mesmo percentual para este instituto (art. 16, IV, Lei nº 4.771/65), não se tratando, aqui, de situação em que a legislação anterior havia sido obedecida.
Ao contrário do entendido pela recorrente, não cabe falar em carência de ação porque é certo que não houve o cumprimento integral do termo firmado, sendo certo que, embora ainda tivesse prazo para a recuperação, outras obrigações assumidas já figuravam como inadimplidas. Assim, não se mostra inviável o ajuizamento da ação e nem a previsão de multa por período de descumprimento.
Contudo, como já dito, a Lei nº 12.651/12 é norma cogente e que pode incidir no caso concreto em que a obrigação de recuperar tinha um prazo ainda não atingido quando do ajuizamento da ação. Desse modo, faz-se viável reconhecer a viabilidade de incidência das atuais normas vigentes, com a ressalva de que a sua efetiva aplicação dependerá de análise específica dos órgãos ambientais competentes para tanto através da verificação de preenchimento dos requisitos legais.
Também fica afastada a imposição, neste momento, do encargo de averbação da reserva legal. Sobrevieram o Decreto nº 8.235, de 05 de maio de 2014, e a Instrução Normativa nº 2/MMA, de 06 de maio de 2014, do Poder Executivo e do Ministério do Meio Ambiente, respectivamente, os quais, em conjunto com o Decreto Estadual nº 59.261/13, instituem e preveem regras acerca do Sistema de Cadastro Ambiental Rural, podendo, desse modo, serem efetuadas a instituição e apontamento neste sistema, obedecendo às normas ambientais.
De acordo com o teor do § 4º do art. 18 da Lei nº 12.651/12, há o dever de registro da Reserva Legal no CAR (Cadastro Ambiental Rural), desobrigando a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, encargo inserido no código anterior.
Outrossim, tendo em vista que o descumprimento foi parcial e que algumas condutas foram adotadas no sentido de atender às obrigações assumidas, a multa diária merece ser reduzida na metade (meio salário mínimo vigente na data do inadimplemento). Oportuno arredar o argumento de não aplicação de parte do texto legal por se entender que dotada de inconstitucionalidade. Mesmo que exista no ordenamento jurídico o controle difuso de constitucionalidade, a matéria em questão já se encontra sub judice na via concentrada, estando pendentes de julgamento no STF três Ações Diretas de Inconstitucionalidade, de números 4901, 4902 e 4903, ajuizadas pela Procuradoria Geral da República para questionar os dispositivos acerca das áreas de preservação permanente, de redução da reserva legal e da anistia para aquele que causa degradação ambiental.
Desse modo, ao menos por ora, em razão da inexistência de qualquer decisão liminar reconhecendo uma inconstitucionalidade ou revogação do texto normativo, e do fato de se considerar necessária a premente aplicação da norma, inviável o acolhimento da alegação por esta via judicial.
Destarte, o presente recurso merece parcial provimento para, mantendo o reconhecimento do não cumprimento integral de TAC firmado e o cabimento de sua execução: I-afastar o dever de averbação da reserva legal no registro de imóveis; II-reconhecer a incidência do atual código florestal, devendo a recuperação observar as suas regras e prazos, desde que verificado o preenchimento de todos os requisitos legais por órgão técnico ambiental competente; III- reduzir a multa diária de 1 para meio salário mínimo.
Cumpre assinalar que, apesar do provimento deste recurso, diante do princípio da causalidade, ficam mantidas as verbas de sucumbência a serem custeadas pela ora recorrente, tal como determinado na r. sentença.
Cabe consignar, por último, que, ao ser adotada uma tese de mérito, todas as outras, com ela incompatíveis, são rejeitadas automaticamente. E, ainda que sejam examinados um a um os fundamentos expostos nos articulados, aqueles que não se encaixam na tese acolhida pelo julgador estão rechaçados.
Isso posto, dou parcial provimento ao recurso, nos termos supramencionados.
ALVARO PASSOS
Relator
Observação: O conteúdo publicado neste espaço tem caráter meramente informativo, não representando, necessariamente, o posicionamento do Milaré Advogados.
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