Editorial

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31 de maio de 2024

Nossas cidades: onde a vida acontece

Usina do Gasômetro, Porto Alegre, RS, 01.11.2022

Os dramáticos acontecimentos provocados recentemente  pelas chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul, que vitimaram mais de 2,3 milhões de pessoas em 469 municípios, culminando  com 169 mortes e mais de 600 mil desalojados, de acordo com dados divulgados no último dia 28 pela Defesa Civil do Estado, tornam clara a necessidade de uma melhor preparação das nossas cidades diante da  intensificação  de gravíssimos desastres climáticos, de uma intensidade jamais imaginada. Em muitas cidades,  contando-se entres elas a capital, Porto Alegre, e na zona rural, a situação chegou   a  inimaginada e extrema  dramaticidade.

É necessário ressaltar que, em que pesem as instabilidades identificadas naquela região por parte de climatologistas, que já apontavam para um aumento da precipitação média anual e da precipitação extrema, somadas às características da ocupação do território e ao atraso na adoção de medidas mais eficazes por parte dos gestores públicos, nas mais diversas esferas, ao longo do tempo, para lidar com essa problemática e evitar a extensão desses desastres, no contexto das mudanças climáticas, que há muito já temos sentido, torna-se urgente a implementação de estratégias de adaptação e gestão de riscos climáticos, sem negligenciar, obviamente, a importância da continuidade de iniciativas voltadas à mitigação dos impactos causadores das mudanças climáticas. Urgem, para isso, medidas que reduzam a emissão de gases poluentes na atmosfera e aumentem a presença de sumidouros de carbono.

Rio Grande do Sul, maio de 2024

Como se sabe, os impactos das mudanças climáticas ultrapassam fronteiras, ou seja, não respeitam os limites geográficos. Contudo, são nas cidades, onde vive a maior parte da população, que seus efeitos são mais comumente observados, daí a importância dos nossos espaços urbanos no processo de governança climática. Levantamento divulgado recentemente pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), referente ao período de 2013 a 2023, revela um dado importante sobre a situação dos nossos municípios, tendo em vista que 94% deles já foram afetados pelo menos uma vez por eventos que resultaram na decretação de situação de emergência ou estado de calamidade pública. Embora não se possa afirmar categoricamente que todas as ocorrências estejam diretamente relacionadas às mudanças climáticas, os dados enfatizam a urgência de desenvolver estratégias de gestão urbana mais eficazes, em níveis local e regional, incluindo a promoção de uma articulação integrada entre todos os agentes envolvidos, desde as administrações públicas até os setores produtivos e a população em geral.

Além disso, são cada vez mais relevantes nos dias de hoje os Planos Diretores, para que os municípios possam rever seus planejamentos urbano e ambiental com vistas a promover estudos e estabelecer diretrizes que contemplem ações de adaptação, minimização e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, entre outras medidas que garantam o bem-estar, a qualidade de vida e a segurança das populações. 

Convém levar em conta ainda as Soluções Baseadas na Natureza (SbN), que estão progressivamente se consolidando como uma prática relevante a ser implantada nos centros urbanos, inclusive em algumas cidades brasileiras, uma vez que buscam harmonizar a presença humana com os sistemas naturais, oferecendo benefícios ambientais substanciais, sociais e econômicos, além de contribuir significativamente para a resiliência climática das cidades. É fundamental também ressaltar a relevância dos Comitês de Bacia Hidrográfica nos âmbitos estadual e interestadual e no contexto do planejamento urbano, considerando o papel crucial que exercem na governança compartilhada dos recursos hídricos, essencial para a promoção da segurança hídrica, especialmente em épocas de crise climática. 

Em que pese a gravidade dos eventos dramáticos no Rio Grande do Sul, que atingiram toda a população, afetando tanto a infraestrutura urbana quanto setores produtivos, destruindo casas, empresas, equipamentos públicos, hospitais, por exemplo,  além de resultarem em trágicas perdas de vida, tanto humanas quanto não humanas, mais uma vez devem ser reiteradas as persistentes disparidades socioeconômicas existentes em nosso país, uma vez que se tornaram visíveis as ocupações habitacionais em áreas de flagrante risco. Essa situação destaca a necessidade de se responder com soluções eficazes e seguras, considerando que diversas áreas afetadas são inviáveis para futuras habitações e para projetos de reconstrução, dada a iminência de novos riscos.

As imagens devastadoras oriundas do Rio Grande do Sul inevitavelmente tocam cada um de nós profundamente. É essencial que, em momento oportuno, ações sejam tomadas para apurar e, se necessário, responsabilizar aqueles que contribuíram para o acirramento deste cenário. Atualmente, contudo, é imperativo garantir que a assistência adequada seja providenciada aos afetados, como temos acompanhado nas ações que vêm sendo tomadas por diversas instâncias de poder, para que possam retomar suas vidas, seus negócios, seus empregos e vislumbrarem um futuro melhor e menos inseguro.

Mais uma vez, externamos toda a nossa solidariedade ao povo gaúcho, desejando que possa se reerguer e reconstruir suas vidas com dignidade e esperança.

Édis Milaré

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