“Passarinhada de Embu”: 40 anos da histórica ação de responsabilidade civil por dano ambiental do país

31 de outubro de 2024

O episódio “Passarinhada de Embu”, reconhecido como uma das primeiras ações de responsabilidade civil por dano ambiental do nosso país, completou 40 anos em 2024. Proposta pelo nosso sócio Édis Milaré, que naquela época ocupava o cargo de Procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, tal ação buscava responsabilizar o então prefeito de Embu das Artes, município da região metropolitana de São Paulo, juntamente com seu pai, acusados de organizar uma confraternização política para quase trezentas pessoas, durante a qual foram servidas cerca de cinco mil aves, incluindo espécies como rolinhas, sabiás, tico-ticos e pombas de bando, em um grande churrasco.

Embora tenha sido proposta em meados de 1984 com base na Lei 6.938/1981 (Lei da Política Nacional de Meio Ambiente), que impõe a obrigação de indenização àquele cuja atividade cause dano ao meio ambiente (art. 14, § 1°)  e dá legitimidade aos Ministérios Públicos Federal e Estadual para promover ações de responsabilização nas esferas civil e criminal contra poluidores ambientais, essa ação, conforme ressalta Milaré, “era, na verdade, um tipo de ação civil pública, nos termos da Lei Complementar Federal n° 40, de 14.12.1981, a antiga Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que elencou, entre funções institucionais do Parquet, a promoção de “ação civil pública”. Além disso, seu desfecho, que culminou numa transação entre o Ministério Público de São Paulo e a parte vencida, “é reconhecido como o primeiro precedente de celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta, sob a égide da então novel Lei n° 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública)”, destaca ele. 

Milaré recorda como soube  do incidente e de que forma se deu a apuração até a propositura da  ação. “O evento denominado ‘passarinhada’ foi planejado com significativa antecedência, inclusive com a distribuição de convites impressos a um número indefinido de pessoas. Um desses convites, no entanto, chegou às mãos dos representantes da Sociedade Ecológica Amigos de Embu, que prontamente contataram a Delegacia Regional do IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (atualmente IBAMA). O delegado responsável era João Leite Neto, ex-apresentador de TV e deputado estadual, que, por sua vez, acionou a autoridade competente para dar prosseguimento ao caso. 

Acompanhados pelo titular do IBDF, diversas autoridades policiais, colegas do Ministério Público de São Paulo e representantes da imprensa, comparecemos à propriedade do pai do prefeito de Embu. Ali, fomos recebidos com hostilidade e resistência, visto que os presentes buscavam obstruir a atuação da polícia e a cobertura jornalística dos eventos. No entanto, respaldados por laudos periciais, foi possível lavrar o auto de infração pelo abate de quase 5.000 aves, cujas imagens do banquete deplorável foram amplamente divulgadas pela imprensa, tanto nacional quanto internacionalmente. Este acontecimento gerou profunda indignação na opinião pública e desencadeou protestos em todo o país.”

Estabelecer o valor da indenização revelou-se um enorme desafio nesse caso, pois o dano não se limitou à quantidade de aves mortas, mas igualmente ao impacto no equilíbrio do ecossistema. Todavia, foi estipulado um montante indenizatório, apresentado na inicial da Primeira Instância, cuja administração ficaria a cargo do Ministério Público. 

Milaré relata que a sentença da Primeira Instância não acolheu integralmente o pedido inicial, ao eximir o prefeito de Embu de responsabilidade e condenar apenas o seu pai ao pagamento de uma indenização, a ser determinada por “liquidação por arbitramento”, reduzindo o montante devido com base na diminuição do número de aves sacrificadas. Seguiram-se apelações do Ministério Público, que solicitou o reconhecimento da responsabilidade solidária do prefeito de Embu, a extensão do dano considerando 5.000 aves abatidas e a condenação dos réus ao pagamento do valor determinado na inicial, além dos pedidos de reforma do réu-apelante. Assim, em 25 de julho de 1986  foram julgadas as apelações e os desembargadores, por unanimidade, acolheram integralmente o recurso do Ministério Público, rejeitando o apelo do réu.

Convém destacar nesse caso emblemático, comenta Milaré, que o “Tribunal louvou-se não só nas provas testemunhais e na farta ilustração fotográfica coligida nos autos, mas também nas categorizadas opiniões técnicas de cientistas do nível de Paulo Emílio Vanzolini e Hélio Ferraz de Almeida Camargo, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, que assim se manifestaram:

“Foram eliminados da avifauna milhares de indivíduos que contribuíram, pela reprodução, para a manutenção do nível da espécie; deixaram eles, também, de integrar importante cadeia alimentar, cujo equilíbrio tanto interessa à manutenção do ecossistema”.

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