“Quem vai ao Pará, parou. Tomou açaí, ficou.”
Essa afirmação não deve ser vista como simples e popular manifestação de ufania regional, mas, colocada em muitos estabelecimentos de venda de açaí no Pará, reflete o que ele é para esse Estado.
O açaí tem longa história. Consta que bem antes de sua popularidade alcançada em nosso século, tribos indígenas na região amazônica já o usavam desde centenas de anos, certas de seus poderes para a sua subsistência. E na explicação de sua origem aparece a lenda da índia Iaça, filha do cacique Itaqui, que, morta, abraçada ao pé de um açaizeiro, tem os olhos voltados para o cimo da árvore, carregada de cachos com pequenas frutas escuras. Abreviando: neles está a salvação de seu povo ameaçado de desaparecer pela falta de alimento tornado escasso pelo crescimento demasiado da população.
Inverta-se o nome de Iaça, e se obtém açaí.
Maria Clara Rossini, que pesquisou o açaí entre especialistas, é enfática em seu excelente artigo “Como o açaí conquistou o mundo – E como ele se tornou uma febre global”.
Nele, comenta: “O açaí “raiz” não tem nada a ver com os copões cheios de banana, granola e leite ninho que você toma nos finais de semana, e muito menos com a onda saudável, fitness e natureba abraçada hoje. Historicamente, o açaí representa subsistência. O açaí com farinha de mandioca é o arroz e feijão do Norte.”
Para essa população, observando-se sobretudo os hábitos de alimentação da gente mais humilde, essa frutinha, com aparência de jabuticaba miúda, é uma bênção gastronômica concedida ao Pará. E há motivo para uma literatura em torno, seja a criada pelo povo, seja a do que aprendeu a versejar com as regras indicadas por métodos de metrificação. Ousamos afirmar que entre o tucupi, o tacacá (caldo da mandioca), a maniçoba, o cupuaçu, o conhecido guaraná, que no passado foi popular entre estudantes durante vigílias noturnas em tempos de provas, o açaí, em popularidade e consumo fora do Pará, abre a lista.
Caloca Fernandes, em seu livro “Viagem Gastronômica através do Brasil”, justifica como o açaí, além da importância para sua subsistência, pode ser visto como uma bênção para o povo menos favorecido em outras necessidades.
Diz: da amêndoa é extraído um óleo utilizado pela medicina caseira como antidiarreico. E, como alimento, extrai-se do tronco um palmito de excelente qualidade. E, mais: com os troncos são produzidos caibros e ripas empregados na construção de casas e choupanas regionais.
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O Brasil é responsável por 85% da produção mundial de açaí, mais de 1, 25 milhão de toneladas.
Consequência de tão grande sucesso da gastronomia do Norte, mostrando mundialmente, por meio do Pará, parte do rosto positivo do Brasil, nada mais natural que o açaí mereça ser “celebrado” pela música popular.
E que se tenha dado com ele o mesmo que aconteceu com o tacacá, em 2023, quando a cantora Joelma, com a extraordinária audiência de “Voando pro Pará”, tornou o tacacá a comida mais procurada no Google.
Pode-se então concluir que o nome e a fama do açaí divulgados em música popular, diferentemente do tacacá, de que muita gente fora do Pará nunca havia ouvido falar, ganham um notável reforço (tão só reforço) com a louvação à sua qualidade e importância gastronômica mundialmente reconhecidas.
Assim, em 2014 foi lançado “Sabor Açaí”, canção do paraense Nilson Chaves e Joãozinho Gomes, onde se leem, tiradas de suas 14 estrofes, estas linhas:
(…) És a planta que alimenta/ a paixão do nosso povo/ macho fêmea das touceiras/ onde Oxóssi faz seu posto
A mais magra das palmeiras/ mas mulher de sangue grosso/ e homem de sangue vasto/ tu te entrega até o caroço(…)”
Não bastasse a criação erudita, o açaí fez até surgir, nos tempos atuais, um fenômeno na mídia, nascido de versos rasgadamente feitos com linguagem popular, bem diferentes dos lidos em “Sabor Açaí” de Nilson Chaves e Joaozinho Gomes.
Com seu “Funk do Açaí”: Tá mor calor/ eu vou te perguntar/ se tu gosta de açaí/ te prepara pra tomar”, Vanessa Cabral dos Santos, vendedora ambulante de açaí, virou Vanessa Esplendorosa e foi alçada das areias da praia de Ipanema ao topo dos 50 vídeos virais de 2018.
Com lenda, poesia, canções, funk, a importância gastronômica do açaí é continuadamente reiterada.