EDITORIAL

Tema: Editorial

30 de abril de 2024

Como amplamente divulgado, no último dia 17 foi entregue à presidência do Senado o anteprojeto de reforma do nosso Código Civil (Lei 10.406/2002). As mudanças nele propostas foram elaboradas por uma comissão de juristas designada no final de 2023 pelo presidente da Casa legislativa, composta por renomados civilistas do nosso país, entre os quais a nossa estimada amiga Rosa Maria Nery, que teve a missão hercúlea de ser a relatora geral e de ter sido uma das mulheres a participar, pela primeira vez, da reforma de um código. Esse fato é, sem dúvida, um acontecimento inédito e histórico, que merece ser enaltecido por todos nós. 

O Código Civil norteia as nossas vidas e relações jurídicas de forma muito abrangente, estabelecendo direitos e deveres em diversas situações. Assim, a atual reforma visa, conforme enfatizado por diversos integrantes da Comissão, incorporar ao texto temas presentes em nosso dia a dia, que reflitam o posicionamento majoritário de decisões que vêm sendo adotadas nos tribunais e na jurisprudência do STJ, ou mesmo questões já abordadas pelas diversas doutrinas, desburocratizar determinados processos, e de promover alterações que também reflitam a evolução, o dinamismo e a complexidade da sociedade contemporânea. Não foi à toa que o Direito Digital ganhou um livro próprio no anteprojeto.  

Sem aprofundar a análise das mudanças e inovações identificadas por nós no anteprojeto, as quais impactam diretamente o exercício da advocacia ambiental, mas com o propósito de apenas pontuar algumas delas, para eventuais e futuras considerações, destacamos a inserção no Título IX, que trata da Responsabilidade Civil, do artigo 952-A, cujo texto dispõe que: 

“Art. 952-A. As pessoas naturais ou jurídicas, de Direito Público ou Direito Privado, terão a obrigação de reparar integralmente os danos causados ao meio ambiente, por sua atividade, independentemente da existência de culpa. 

§ 1º A responsabilidade prevista neste artigo pode ser afastada em caso de fato exclusivo de terceiro. 

§ 2º A responsabilidade prevista no caput deste artigo tem caráter solidário, devendo ser atribuída a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para o evento danoso.” 

Apesar de o caput do artigo acima ter sido extraído da Lei n. 6.938/1981, também conhecida como Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, no qual prevalece o princípio da responsabilidade objetiva, baseado no risco da atividade, o § 1° trouxe uma inovação. Ao permitir a existência de uma excludente, ou seja, que a responsabilidade seja “afastada em caso de fato exclusivo de terceiro”, esse inciso se aproxima da teoria da causalidade adequada, que estabelece que «ninguém responde por aquilo que não tiver dado causa, segundo fundamental princípio de direito.”

A inserção de uma seção concernente aos direitos dos animais, juntamente com o reconhecimento de sua condição como seres sencientes, reafirmando que não são coisas, conforme disposto no art. 91-A, constitui um salto expressivo e evidencia que o anteprojeto está em consonância com os avanços em relação ao bem-estar animal. É importante frisar, contudo, que aspectos relacionados à proteção animal se encontram presentes também em outros dispositivos, entre os quais os artigos 19, 936 e 1566, § 3°. 

Reconhecemos os avanços significativos na proteção dos direitos dos animais presentes no anteprojeto; contudo, há ainda um caminho a ser percorrido. Posicionamentos inovadores na jurisprudência dos tribunais superiores não se encontram plenamente representados no conteúdo do texto.

A seguir, reproduzimos o artigo 91-A, que é corolário da mudança proposta. 

“Art. 91-A. Os animais são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial. 

§ 1º A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial, a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequado aos animais. 

§ 2º Até que sobrevenha lei especial, são aplicáveis, subsidiariamente, aos animais as disposições relativas aos bens, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza, considerando a sua sensibilidade.”

Daqui em diante, o anteprojeto será transformado em projeto de lei e passará pelo  escrutínio dos senadores. Cabe a nós, portanto, acompanhar os subsequentes debates e deliberações.

Ontem, tivemos a oportunidade de efetuar uma diligência na cidade maravilhosa,  ocasião na qual fomos agraciados com a esplêndida visão da sombra do Cristo Redentor projetada sobre a nuvem. Tratou-se de um momento singelo, porém repleto de profunda contemplação, que nos sentimos compelidos a partilhar com todos vocês.

Édis Milaré 

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