A Instrução Normativa IBAMA 8/2024 e o desembargo de áreas rurais autuadas: eficácia ou retrocesso?

31 de março de 2024

Por Maria Clara Rodrigues Alves Gomes e Francisco Almeida

Diante da inobservância das normas ambientais, bem como eventual desconformidade com a autorização/licença concedida, é dever do órgão fiscalizador aplicar a sanção administrativa prevista em lei. O autuado, por sua vez, caso não concorde com a pena aplicada, ou tenha ocorrido algum equívoco por parte do órgão ambiental, poderá apresentar defesa, a fim de discutir a conformidade da autuação.

Nesse sentido, cumpre observar que o Decreto Federal 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e regula o respectivo processo administrativo de apuração de tais infrações, elenca, em seu artigo 3º, as sanções administrativas passíveis de serem aplicadas na ação fiscalizatória exercida pelo Estado, entre as quais, a pena de embargo. Nos mesmos termos, a Instrução Normativa IBAMA 19/2023, que trata da apuração das infrações aplicadas pelo órgão ambiental federal, estabelece em seu artigo 16 as sanções cabíveis.

No caso de embargo, tema que nos interessa aprofundar, caracteriza-se como uma das penalidades de maior relevância, exercendo importante função socioambiental, uma vez que faz cessar ação delituosa que esteja em curso, passível de ocasionar danos ao meio ambiente, até que seja regularizada. O conceito de embargo se plasma, assim, na ideia de paralisar determinada situação supostamente ou comprovadamente irregular, afastando o risco de dano superveniente, oportunizando ao interessado, inclusive, demonstrar sua regularidade ou, ainda, regularizar-se perante o órgão competente para então permitir  a continuidade da atividade, se for o caso,e de forma adequada.

Vale destacar que penalidade de embargo pode ser aplicada de forma preventiva ou repressiva. Na primeira hipótese, a aplicação da pena ocorre antes do fato infracional, mitigando seu potencial lesivo, enquanto a segunda será utilizada após ser constatado o ilícito, com o objetivo de cessá-lo e promover a devida recuperação ambiental.

Na prática, no que se refere aos imóveis rurais, as penas de embargo configuram meio apto a evitar o desmatamento ilegal em áreas protegidas ou, ainda, impedir que áreas ilegalmente desmatadas continuem sendo utilizadas para atividades agrícolas, a fim de impor sua regularização/recomposição. Para tanto, o IBAMA, por meio de fiscalização de campo, mas, sobretudo, por sistema de sensoriamento remoto, monitora as ações de desmatamento no país e, ao constatar avanços indevidos/não autorizados sobre áreas protegidas, aplica penalidades, entre elas a de embargo. Ademais, o órgão ambiental federal mantém cadastro ambiental de áreas embargadas, pelo qual dá conhecimento público acerca daquelas que são objeto de embargo administrativo (quem são seus proprietários), cuja comprovação de regularidade ou ações de regularização estejam pendentes. Dessa forma, busca-se, também, rastrear produtos cultivados em áreas irregularmente desmatadas, como forma de impedir a sua comercialização.

Nesse sentido, a fim de aprimorar os procedimentos adequados para a cessação de efeitos da pena de embargo administrativo sobre imóveis rurais, o IBAMA publicou recentemente a Instrução Normativa – IN 08, de 25.03.2024, em adição ao que já preveem o Decreto Federal 6.514/2008 e a IN IBAMA 19/2023. A edição de referida norma denota a necessidade de o órgão uniformizar e melhor organizar os procedimentos diante da grande demanda relacionada a pedidos de desembargos de áreas rurais autuadas.

De mais relevante, vale destacar o que estabelece o artigo 2º, §1º, que reafirma a regra contida no artigo 15-A do Decreto 6.514/2008, no sentido de que “Os efeitos de medida de embargo se restringem aos locais onde efetivamente caracterizou-se a infração ambiental e não alcançam as atividades de subsistência”. Dessa forma, reforça-se o conceito de que o embargo deve estar adstrito à parcela da propriedade objeto da autuação, não podendo, assim, configurar óbice à produção agrícola em áreas regulares.

Outrossim, o artigo 4º contém a disposição fulcral da norma na medida em que define os documentos e critérios necessários a serem apresentados pelo interessado ao IBAMA, para a cessação dos efeitos da medida de embargo aplicada em imóvel rural, a saber: (I) certificado de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, aprovado pelo órgão ambiental competente; (II) licença ou autorização ambiental válida, relativa a obras e atividades sujeitas a licenciamento; (III)  termo de compromisso ou instrumento similar relativo à reparação de danos ambientais, caso existentes; (IV) termo de compromisso de adesão ao Programa de Regularização Ambiental – PRA relativo à supressão irregular em área protegida; (V) termo de compromisso de regularização da área de reserva legal; (VI) comprovante de reposição florestal obrigatória; e (VII) Certificado de Regularidade perante o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais – CTFAPP, podendo ser exigidos outros documentos que julgados pertinentes.

Dentre esses requisitos obrigatórios, em nosso sentir, a disposição contida no inciso I do artigo 4º mostra-se bastante “problemática” e pode inviabilizar grande parte dos pedidos de desembargo de áreas rurais submetidos ao IBAMA. Isso porque tal dispositivo torna a apresentação de certificado de aprovação do imóvel junto ao Cadastro Ambiental Rural – CAR, realizado junto aos órgãos ambientais estaduais, como requisito obrigatório. Ocorre que os dados oficiais do Governo Federal mostram que, em outubro de 2023, de um total de 7.216.877,00 imóveis cadastrados junto ao sistema do CAR, o SICAR, somente 2.011.308 passaram por algum tipo de análise, e desse total apenas 101.349 tiveram seus cadastros concluídos. Nota-se, assim, que uma inexpressiva parcela dos cadastros submetidos à análise dos órgãos ambientais estaduais foi finalizada, tornando praticamente impossível aos interessados cumprir o requisito do artigo 4º, inciso I, da IN IBAMA 08/2024 para obter a cessação do embargo. 

Outro requisito que pode inviabilizar os pedidos de exclusão da pena de embargo é o contido no inciso IV do artigo 4º, qual seja: apresentar o termo de compromisso de adesão ao Programa de Regularização Ambiental – PRA. É importante observar que o PRA, em alguns Estados brasileiros, como o Rio Grande do Sul, sequer foi regulamentado; em muitos outros Estados, o programa, tal qual o CAR, não se encontra efetivamente implementado, o que significa que, mesmo no caso dos proprietários rurais que manifestaram interesse em aderir ao PRA, em cumprimento à Lei 12.651/2012, ainda não lhes foi oportunizado firmar o termo de compromisso respectivo. Além disso, existem Estados, como o Espírito Santo, em que a adesão ao PRA é facultativa, enquanto a novel IN do IBAMA indica a adesão ao PRA como um requisito obrigatório para a cessação do embargo, denotando evidente conflito normativo.

É sempre válido, como no caso da IN IBAMA 08/2024,  estabelecer procedimentos que tornem mais uniforme e célere a conduta do órgão ambiental. Entretanto, a nosso ver, as exigências inseridas em tal norma não refletem a realidade nacional ao estabelecer como requisitos obrigatórios para o desembargo de áreas rurais a aprovação do CAR e a adesão ao PRA. Não temos dúvidas de que tais instrumentos, o CAR e o PRA, são extremamente importantes e constituem ferramentas relevantes para combater os desmatamentos ilegais e buscar uma produção agrícola nacional mais sustentável. Certamente, as exigências incluídas na IN 08/2024 têm esse propósito. Contudo, ainda temos um longo caminho a percorrer na implementação dessas ferramentas e na concretização dos objetivos para os quais foram criadas.  

Por essa razão, restará aos interessados que tiverem seus pedidos de desembargo inviabilizados por tais exigências recorrer ao Poder Judiciário, seja para compelir os órgãos estaduais a analisar os seus cadastros, seja para suspender tais exigências da IN 08/2024 quando do pedido de desembargo das áreas regulares/regularizadas, o que nos faz vislumbrar um cenário de maior incerteza do que a real eficácia da norma.

1 https://oeco.org.br/salada-verde/ibama-vai-embargar-preventivamente-todas-as-areas-publicas-com-desmate-ilegal-na-amazonia/
2  “Art. 4º O requerimento de cessação dos efeitos de medida de embargo aplicada em imóvel rural deverá ser instruído com os seguintes documentos:
I – certificado de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, aprovado pelo órgão ambiental competente, nos termos do art. 29 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012.”
3 https://www.car.gov.br/#/centralConteudo/boletim

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