Reforma Tributária: O “Imposto do Pecado” e a preservação do meio ambiente

31 de janeiro de 2024

Por Thiago Sales Pereira e João Pedro de Antonio Possi (*)

Após aprovação em segundo turno pela Câmara dos Deputados, a Reforma Tributária foi promulgada pelo Congresso Nacional no dia 20 de dezembro 2023, em sessão solene. A Proposta de Emenda à Constituição – PEC 45/2019 visa à reformulação do sistema tributário brasileiro por meio da unificação de tributos e simplificação das matrizes de incidência. 

Entre as principais mudanças introduzidas pela reforma importa destacar o Imposto Seletivo (IS), que se coloca como potencial mecanismo tributário passível de utilização também com a função de proteção ambiental. 

Conhecido como “Imposto do Pecado”, poderá incidir sobre o consumo de bens e serviços tidos como “prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, com a função de desestímulo. 

O “Imposto do Pecado”, traduzido da expressão inglesa Sin Tax, é uma modalidade de tributação de bens e serviços considerados de alto potencial ofensivo à sociedade, como o álcool; doces; tabaco; armas de fogo; apostas on-line  e outros bens e serviços que o legislador considere danosos à saúde ou ao meio ambiente. 

Um tributo nesses moldes, já previsto em diversos Estados norte-americanos, bem como em países europeus, como França, Hungria e Bélgica, poderá ser adotado também no Brasil após a promulgação da Reforma Tributária. Cabe salientar que a lista de produtos sobre os quais o tributo incidirá será definida por lei complementar e a alíquota, por lei ordinária.

A respeito desse ponto, cabe chamar a atenção para três aspectos: (i) que a definição dos produtos e das respectivas alíquotas se dê segundo critérios objetivos e justificados, de forma que todos os agentes e produtos de determinado setor se submetam ao mesmo regime de tributação, evitando disparidades que afetem a finalidade a ser alcançada; (ii) que o empenho no sentido de desestimular o consumo seja o mesmo em relação à fiscalização do comércio dos bens ou serviços alvos da tributação, sob pena de que o mercado informal ou ilegal se estabeleça ou se amplie, anulando o ganho que se espera obter em termos de resultados sanitários ou proteção do meio ambiente; e (iii) por fim, cumpre evitar que eventual furor arrecadatório se sobreponha à finalidade primordial do Imposto Seletivo ou a desvirtue – nesse ponto, mais uma vez, se reforça a necessidade de que o rol de produtos e as respectivas alíquotas sejam elaborados de forma justificada. Caso contrário, sua incidência poderá, certamente, ser tida como ilegal ou inconstitucional. 

Isso porque a finalidade de preservação ambiental, adotada em caráter principiológico e teleológico na reforma como um dos elementos a serem considerados na tributação, obedece ao que prescrevem os artigos 145, §3º, e 153, inciso VIII, da Carta Magna: 

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: 

[…] 

§3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa ao meio ambiente”

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: 

[…] 

 VIII – produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, nos termos de lei complementar.”

Vale lembrar que o senador Eduardo Braga (MDB-PA), relator da proposta no Senado, manifestou seu interesse em incluir a exploração de recursos naturais não-renováveis ao propor o “imposto do pecado” de 1% sobre atividades danosas ao meio ambiente. 

Contudo, conforme bem salienta o novo inciso VIII do artigo 153 da Constituição Federal, os impostos sobre os bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente serão instituídos nos termos de lei complementar posterior, ou seja, ainda há espaço para discutir quais atividades serão passíveis de sobretaxa e qual será a alíquota destinada à diminuição de consumo e, consequentemente, à preservação ambiental. 

De antemão, já é possível prever, ao menos em parte, que setores poderão ser onerados. A parte final do artigo 155, §3º, sinaliza que a instituição do Imposto Seletivo poderá afetar “operações relativas a derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País”, ao enunciar que se trata de exceções para a instituição de sobretaxas, salvo o “imposto do pecado”. 

Em contrapartida ao Imposto Seletivo, a reforma, nos termos do artigo 225, §1º, VIII, prescreveu que seja mantido regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, a fim de assegurar-lhes tributação inferior àquela incidente sobre os combustíveis fósseis, objetivando conferir às opções renováveis um diferencial competitivo. 

Constata-se, portanto, que o novo regime de tributação visa, além dos objetivos de unificação de tributos e simplificação das matrizes de incidência, à preservação do meio ambiente por meio da possível instituição de sobretaxa destinada a desestimular a exploração e o consumo de determinados bens e serviços, o que pode impactar drasticamente uma parcela da economia brasileira. Se utilizado sem critérios, pode afetar a concorrência e servir de veículo meramente arrecadatório. Portanto, é fundamental que o “Imposto do Pecado” seja utilizado com parcimônia e fidelidade aos objetivos constitucionais que o embasam.

(*) Artigo publicado no portal Conjur em 10.01.2024.

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