Apontamentos históricos sobre Belém do Pará – sede da COP-30

31 de março de 2024

Polo regional e comercial que funciona como porta de entrada para a região amazônica, a capital do Estado do Pará, a qual se associam, de imediato, a impressionante procissão do Círio de Nazaré, o açaí e uma das mais ricas culinárias regionais, o mercado Ver-o-Peso, uma das culturas e paisagem urbana mais diversas do país, e que receberá a próxima Conferência Mundial do Clima – COP 30, em 2025, revela em sua constituição histórica traços tão singulares quanto emblemáticos da própria formação do Brasil .

Foi fundada em 12 de janeiro de 1616, quando da chegada das tropas sob o comando de Francisco Caldeira Castelo Branco, capitão-mor da capitania do Rio Grande, à confluência do rio Guamá com a baía de Guajará, onde se ergueu o forte do Presépio, em torno do qual viria a se formar o povoado inicialmente chamado de Feliz Lusitânia, depois, Santa Maria do Grão-Pará, Santa Maria de Belém do Grão-Pará, até, por fim, Belém do Pará. O principal objetivo de sua fundação era proteger a foz do rio Amazonas e consolidar o domínio português do território amazônico – uma vez que, nessa época, o litoral norte da América portuguesa costumava ser frequentado por outros conquistadores europeus –, além de garantir a exploração das potencialidades econômicas apresentadas pela região. A Igreja Católica, por meio de jesuítas, franciscanos e demais ordens religiosas, também exerceu papel fundamental na ocupação portuguesa. Tanto que, ao lado das fortificações, as igrejas acabaram definindo o traçado da cidade, que não tardaria a se converter em ponto de partida de expedições militares e religiosas.

No século XVIII, Belém se consolidou como núcleo da colonização portuguesa na Amazônia, processo impulsionado pelas medidas incentivadoras adotadas pela Coroa Portuguesa, sobretudo, a partir da época pombalina que representou uma racionalização da administração colonial. Por sua posição geográfica estratégica, Belém se tornou, em 1751, a sede político-administrativa do Estado do Grão-Pará e Maranhão, cujo governador e capitão geral nomeado foi justamente Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, responsável por aproximar o despotismo português das ideias iluministas então em voga. Outro marco da política pombalina na transformação da cidade foi a criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará (empresa responsável pela inserção de escravos negros na Amazônia), a fim de extrair e comercializar as “drogas do sertão”, ou seja, os recursos nativos das florestas, e ainda transplantar o cultivo de cravo, canela e pimenta para a Amazônia, em uma tentativa de recolocar Portugal no caminho das especiarias. Nesse período, a cidade passou a receber engenheiros militares, astrônomos, matemáticos que de lá partiam para expedições de demarcação de território – questão central na acirrada relação entre Portugal e Espanha. Foi também quando chegou ao Pará, em 1753, o arquiteto italiano Antônio José Landi, que deu à cidade as primeiras construções em estilo neoclássico, mesclando-as às particularidades da arquitetura colonial portuguesa que lá encontrou. Foram inúmeros os seus projetos e enorme o seu legado – a Catedral da Sé, as igrejas de Santana e de Nossa Senhora das Mercês, a Capela de São João Batista, o Palácio dos Governadores, entre tantos outros. 

Em 1783, chegou a Belém a expedição científica que percorreria as capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso, chefiada pelo naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, indicado por Domenico Vandelli que trabalhava para o governo português. A expedição – que ficou conhecida como “Viagem Filosófica” – atravessou quase 40 mil quilômetros, com um grupo pequeno e parcos recursos, coletando espécimes e fazendo os mais diversos registros de suas impressões. Resultou em um vasto acervo composto por diários, registros iconográficos, mapas populacionais, relatórios sobre as vilas e suas fortificações, memórias sobre botânica, zoologia, antropologia… Embora o material produzido enfatizasse aspectos econômicos e utilitaristas, considera-se que Rodrigues Ferreira realizou uma abordagem pioneira ao identificar algumas das muitas etnias habitantes da Amazônia, procurando mostrar como as suas roupas, armas, moradias eram indícios do grau de organização social dessas comunidades.

Na primeira metade do século XIX, Belém seria palco de importantes tensões políticas e sociais. Com a independência do Brasil, a elite local, que estava estreitamente vinculada a Portugal, resistiu a aderir à emancipação, apenas reconhecida em 15 de agosto de 1823, após a ameaça de invasão das tropas de D. Pedro I. Já para as camadas mais pobres e os escravos, cujas duras condições se viram inalteradas, o crescente descontentamento culminou na revolta da Cabanagem em 1835, que não apenas tomou a cidade, mas se disseminou por toda a Amazônia, envolvendo indígenas e quilombolas. Os revoltosos chegaram a instalar um governo, que se manteve até 1838, quando a capital foi retomada pelas forças legalistas, embora os conflitos fossem se estender até 1840.

Contudo, a importância comercial de Belém não perdera a força, pelo contrário: para lá convergiam, mais e mais, os artigos oriundos da selva, destinados ao mercado interno e, sobretudo, à exportação. Dentre esses produtos, ganhou destaque a goma elástica, que iria transformar radicalmente a economia da região e a fisionomia da cidade. A atividade gomífera acabou sendo incrementada a partir da implantação de um sistema a vapor, que facilitava a interligação do interior com Belém e, consequentemente, com a Europa, da instalação de firmas exportadoras e da construção de um porto local. Com a alta dos preços da borracha no mercado internacional e o decorrente aumento da exportação, Belém experimentou um notável crescimento. E como praticamente toda a produção da Amazônia era escoada via Belém, o seu antigo porto em trapiche de madeira teve que ser remodelado. Em 1906, a companhia Port of Pará recebeu a concessão para modernizá-lo; a obra, então a cargo do engenheiro norte-americano Percival Farquhar, foi inaugurada em 1909.

Assim, na primeira década do século XX, sob a lucrativa exploração da borracha, já havia se conformado uma nova elite belenense, exposta não só ao contato com a crescente circulação de objetos e pessoas vindos de fora e as grandes mudanças na arquitetura, mas à tendência de assimilar práticas e costumes culturais europeizados. Na esteira da intensa movimentação do porto, Belém se urbanizava cada vez mais: o bairro comercial se valorizou; as casas das famílias mais abastadas foram transferidas para bairros como Nazaré, Umarizal, Batista Campos; as ruas, alargadas; multiplicaram-se longas avenidas e grandes praças; adotou-se o serviço de viação urbana por bondes elétricos; e houve a arborização da cidade, com a disseminação das mangueiras – antes restritas a algumas privilegiadas residências – pelos logradouros públicos.

Como as demais cidades brasileiras, a partir da década de 1960, Belém não deixou de sofrer com os novos padrões de modernização que transformaram sua paisagem e alteraram significativamente a dinâmica socioambiental local, mas ainda hoje subsistem nessa “metrópole da Amazônia” marcas, indícios e significativas referências culturais, que precisamos não apenas (re)visitar, mas de fato conhecer e preservar.

Fontes consultadas:
https://bndigital.bn.gov.br/exposicoes/a-metropole-da-amazonia-400-anos-da-cidade-de-belem/
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1216/
https://www.g20.org/pt-br/sobre-o-g20/cidades-sede/belem-pa
https://www.eng2016.agb.org.br/resources/anais/7/1467578458_ARQUIVO_Historia_Cidade_Belem_ENG2016.pdf

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