O direito internacional do meio ambiente vai bem, obrigada! 

23 de dezembro de 2022

Por  Flavia Rocha Loures

É provável que muitos questionem essa afirmação, mas a verdade é que os Estados continuam invocando o direito internacional como ferramenta de proteção do meio ambiente. Tratados ambientais nem sempre são tão efetivos como gostaríamos e, sozinhos, jamais poderiam servir de resposta à crise planetária. Mas esses instrumentos têm um papel único a cumprir e merecem a atenção da sociedade civil global para que se mantenha vigilante quanto à sua interpretação, aplicação e implementação capazes de gerar resultados concretos para a saúde da Mãe Terra, nossa casa comum.

Introdução

Fim de ano costuma ser bastante agitado. Para quem trabalha com direito internacional ambiental, novembro e dezembro têm sido meses de muitas negociações, conquistas, regressos e desenvolvimentos no âmbito das conferências das partes (CoPs) de alguns dos principais tratados multilaterais nesse campo. Isso sem mencionar as reuniões que ocorreram no primeiro semestre: Acordo Regional sobre a Informação, Participação e Acesso à Justiça; Convenção de Combate à Desertificação; Convenção sobre o Controle de Movimento de Resíduos Perigosos e seu Depósito; Convenção sobre Procedimento de Consentimento Prévio e Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas; e Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes – sobre as quais já tivemos oportunidades de comentar. Neste artigo, consideramos os resultados de diferentes CoPs, além de outras milestones no direito internacional ambiental que 2022 testemunhou, demonstrando que esse campo continua vivo e em contínua evolução.

Camada de Ozônio

A temporada das CoPs começou no dia 31 de outubro, com a reunião das partes do Protocolo sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, em Montreal, e que encerrou no dia 4 de novembro. A reunião comemorou os 35 anos de um dos mais bem sucedidos acordos ambientais multilaterais e contou com mais de 500 participantes em pessoa e online. Durante a Conferência, o Brasil informou já ter eliminado 63% de seu consumo de HCFCs.

Outras boas notícias: o buraco na camada de ozônio antártico deve estar completamente recuperado até 2066. Sobre o Ártico, a recuperação deve ocorrer até 2045. Ao mesmo tempo, porém, o ozônio na parte inferior da estratosfera não mostra sinais de recuperação. A batalha, assim, continua.

Ilustrando a sua relação com o regime jurídico do clima, a implementação do Protocolo já evitou 0.5-1°C de aquecimento até a metade do século e benefícios adicionais devem advir da implementação da Emenda de Kigali sobre HFCs – potentes gases de efeito estufa usados em geladeiras e aparelhos de ar-condicionado. As interfaces entre as crises do buraco na camada de ozônio e as mudanças climáticas também ficaram claras no alerta do Painel de Avaliação Científica do Protocolo: a injeção de aerossol na estratosfera, como técnica de geoengenharia, poderia levar à redução de 0.5°C na temperatura e, ao mesmo tempo, resultar na redução da camada de ozônio para níveis comparáveis aos anos de 1990, ou seja, quase quando a Convenção de Viena sobre a Proteção da Camada de Ozônio entrou em vigor em 1988. Isso demonstra a interconexão entre os desafios ambientais e a importância de uma diretriz geral no sentido de que medidas de controle não resultem em transferências de poluição para outras partes do meio e de que a implementação de um dado tratado, ao buscar solucionar determinado problema, não cause deterioração de condições ambientais.   

A Emenda de Kigali foi recentemente ratificada pelo Brasil, mas ainda não foi promulgada. Enquanto parte, o Brasil se compromete a congelar a linha de base do consumo de HFCs em 2024 e reduzir em 10% o consumo até 2029; e poderá acessar o Fundo Multilateral do Protocolo para realizar reduções progressivas em importação e consumo até 2045. Aliás, o Brasil está agora entre os membros do Comitê Executivo do Fundo. 

Elementos a se considerar na reposição do Fundo também foram acordados e incluem a necessidade de alocação de recursos para eficiência energética, mainstreaming de questões de gênero, gestão e disposição final de substâncias controladas e programa de assistência de compliance quanto à implementação da Emenda de Kigali. 

Foram adotadas 24 decisões, inclusive nos seguintes temas: (i) importação ilegal de certos produtos e equipamentos de refrigeração, ar-condicionado e aquecimento; (ii) identificação de lacunas na cobertura global de monitoramento atmosférico de substâncias controladas e opções de aperfeiçoamento; (iii) coleta de informações para avaliar impactos da pandemia no consumo de HFC em países em desenvolvimento; (iv) fortalecimento de instituições e processos do Protocolo, inclusive para combater comércio ilegal (por exemplo, as partes foram urgidas a adotar classificações mais específicas para substâncias controladas e para misturas que as contenham, de modo a melhor identificar e rastrear importações e exportações) e com relação à informação sobre emissões de HFC-23 – potente gás de efeito estufa gerado na manufatura de certos químicos; (v) emissões de tetracloretos de carbono; (vi) isenções para usos críticos de brometo de metilo; (vii) estoques, quarentena e uso de brometo de metilo pré-embarque; e (viii) acesso e transição para tecnologias de eficiência energética e de zero ou baixo carbono. O Secretariado ficou encarregado de compilar e identificar características comuns entre sistemas de licenciamento de substâncias controladas como apoio a processos domésticos de fortalecimento das normas aplicáveis. 

Zonas Úmidas

De 5 a 13 de novembro, a CoP-14 da Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, especialmente como Habitat de Aves Aquáticas (Convenção de Ramsar) foi realizada em Genebra, tendo a China como anfitriã e sob o tema ‘Ações em Zonas Úmidas para as Pessoas e a Natureza’. Inicialmente prevista para ocorrer em Wuhan, isto não foi possível em face das continuadas restrições relacionadas à pandemia, e a reunião acabou sendo realizada em formato híbrido. Participaram quase 1.100 representantes, inclusive de 146 das 172 partes e de 55 organizações observadoras. Foram adotadas 24 resoluções, em muito representativas de consenso sobre os links entre zonas úmidas, mudança climática e perda de biodiversidade.

Temas abordados nas resoluções incluem:

  • Zonas úmidas para a mitigação, adaptação e resiliência climáticas, redução de riscos de desastres e co-benefícios ambientais, sociais e econômicos: por meio de soluções baseadas na natureza e facilitação de uma comunidade de prática na matéria.
  • Integração da conservação, restauração, gestão e ações de uso racional de zonas úmidas em estratégias de desenvolvimento sustentável: em face da amplitude de serviços ecossistêmicos ofertados por esses biomas, inclusive em instrumentos de implementação sob as Convenções de Biodiversidade (CDB) e Mudança Climática (UNFCCC), respectivamente.
  • Fortalecimento de colaboração, coordenação e sinergias com outras organizações, acordos e processos correlatos: em temas como desertificação, biodiversidade e mudança climática, bem assim com o recentemente adoptado novo plano estratégico da CDB, a Década de Restauração de Ecossistemas da ONU e a Meta de Neutralidade de Degradação do Solo da Agenda 2030.
  • Participação de jovens e outros grupos subrepresentados no contexto de inclusividade e equidade intergeracional e por meio de maior engajamento, parcerias e colaboração no desenvolvimento de carreiras. 
  • Aprimoramento de aspectos científicos e técnicos: mensuração da extensão e condição ecológica de zonas úmidas e coleta de dados precisos e robustos, com a definição de mandatos específicos para o órgão competente sob a Convenção entre 2023 e 2025, tais como: elaboração de novo ‘Global Wetland Outlook’; preparação de diretrizes para a valoração dos serviços ecossistêmicos providos por zonas úmidas, inclusive na gestão costeira; avaliação de custos financeiros associados à perda e degradação de zonas úmidas; e assistência para integração do carbono azul em ações climáticas.
  • Outros temas: educação formal, pequenas zonas úmidas e estimativas de populações de aves aquáticas.

Em matéria de cooperação transfronteiriça, contemplada no próprio texto da Convenção, a CoP adotou diretrizes operacionais para as Iniciativas Regionais de Ramsar, reafirmou a importância de cooperação nesse nível e encorajou o desenvolvimento de estratégias internacionais de parcerias em zonas úmidas compartidas, em cooperação com países vizinhos e no âmbito de marcos relevantes, como a Convenção de Águas

Ademais, a CoP lançou prêmio a ser conferido sob a Convenção, dedicado às ações de conservação e uso sustentável por parte de populações indígenas; bem como a Iniciativa Regional de Ramsar sobre Manguezais, com foco em seu papel para biodiversidade, captura de carbono e proteção costeira.

No dia 6, ocorreu o Segmento Ministerial de Alto-Nível, reunindo 24 ministros e embaixadores que destacaram sucessos e prioridades e adotaram a Declaração de Wuhan, como documento não negociado e não vinculante, mas potencialmente de impacto político. A Declaração aborda:

  • Forte vontade política e compromisso com ações práticas, apropriadas e urgentes de conservação, restauração, gestão e uso sustentável e racional e de prevenção e mitigação dos riscos sistêmicos associados à contínua perda e degradação de zonas úmidas.
  • Realização urgente da meta de se interromper e reverter a perda de zonas úmidas.
  • Definição de metas estratégicas e área prioritárias em parceria com stakeholders.
  • Reconhecimento das zonas úmidas como ecossistemas globais vulneráveis e cruciais, cuja conservação, restauração e uso racional e sustentável são vitais para o endereçamento de inúmeros desafios sociais, ambientais e econômicos urgentes (perda de biodiversidade, mudança climática, degradação da água e do solo, desmatamento, desertificação e desastres) e para o bem-estar e saúde da humanidade e mesmo de todo o planeta.
  • Constatação de avaliações científicas que demonstram a perda acelerada de zonas úmidas. 
  • Mainstreaming de zonas úmidas em marcos financeiros e em legislação, políticas, planos, ações nacionais de desenvolvimento sustentável, clima e biodiversidade, em harmonia com a Convenção e como contribuição à implementação dos ODS e de outros acordos relevantes; e maior proteção desses ecossistemas por meio de legislação.
  • Mobilização transparente e aberta de mais recursos de todas as fontes para fortalecer a implementação da Convenção; e consideração e estabelecimento de mecanismos financeiros e de investimento diversificados e inovadores.
  • Esforços para avaliar, contabilizar e manter serviços ecossistêmicos de zonas úmidas, inclusive por meio de institutos como pagamento por serviços ambientais.
  • Uso de tecnologias inovadoras no aprimoramento do inventário, monitoramento e avaliação de zonas úmidas.
  • Proteção de zonas úmidas em zonas urbanas e suburbanas. 
  • Prevenção e controle de poluição de zonas úmidas mediante o desenvolvimento de serviços e infraestrutura de saneamento e tratamento de águas residuais e a gestão hídrica integrada no nível de bacia.
  • Foco em zonas úmidas que servem como habitat para espécies migratórias, ameaçadas e endêmicas; nas que tenham grande papel no ciclo hidrológico; e naquelas mais vulneráveis, como manguezais e sistemas subterrâneos.
  • Ênfase na participação de povos indígenas e em seu conhecimento e suas práticas; e no envolvimento de todos os atores interessados.

No Brasil, a recente a Portaria 276/2022 aprova o Regimento Interno do Comitê Nacional de Zonas Úmidas (CNZU), instituído pelo Decreto 10.141/2019. Entre outras atribuições, o CNZU: (i) propõe ao Ministério do Meio Ambiente diretrizes e ações de execução referentes à gestão das áreas na Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional e nas demais zonas úmidas brasileiras, quando couber; (ii) sugere e avalia a inclusão de novos sítios na Lista; (iii) subsidia a participação brasileira nas reuniões da Convenção e contribui para a elaboração de informes nacionais; (iv) subsidia a implementação da Convenção e das decisões adotadas em seu âmbito; e (v) divulga a Convenção e incentiva a participação da sociedade na sua implementação. Tudo isso deve contribuir para a efetividade da Estratégia de Conservação e Uso Sustentável das Zonas Úmidas no Brasil, instituída pela Portaria 445/2018.

Mudanças Climáticas

Em paralelo às discussões em Genebra sobre ecossistemas aquáticos, as partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e do Acordo de Paris reuniram-se em Sharm El-Sheikh, no Egito, de 6 a 20 de novembro. O Plano de Implementação adotado traz as mensagens principais das partes, conforme refletidas nas diversas decisões adotadas, e aborda os temas seguintes: (i) ciência e urgência; (ii) melhor implementação e ambição; (iii) energia; (iv) mitigação; (v) adaptação; (vi) perdas e danos; (vii) alerta precoce e observação sistemática; (viii) caminhos para a transição justa; (ix) transferência e lançamento de tecnologias; (x) capacitação; (xi) avaliação; (xii) oceano; (xiii) floresta; (ix) agricultura; (x) ações de atores que não as partes; e (xi) finanças.

discutimos em outra oportunidade os resultados da CoP como um todo. Aqui, o foco é sobre as finanças – tema sempre em destaque na implementação de obrigações internacionais, em especial porque, como se sabe, recursos públicos nacionais não são suficientes para cobrir todas as prementes necessidades relacionadas a ações de mitigação, adaptação e resposta a perdas e danos.

Em especial, o acordo para a criação do Fundo de Perdas e Danos foi duramente alcançado, tendo as partes expressado a sua preocupação com os custos significativos e aumento da dívida de países em desenvolvimento associados aos impactos das mudanças climáticas. Destacaram-se, ainda, a necessidade de aumento urgente e significativo de finanças para adaptação e apoio à implementação da Iniciativa Alerta Precoce para Todos

Sobre financiamento em geral, o Plano de Implementação refere-se à transformação do sistema financeiro; ao engajamento de governos, bancos centrais, bancos comerciais, investidores institucionais e outros atores do setor; e ao papel dos bancos de desenvolvimento multilaterais e instituições financeiras internacionais na reforma de práticas, no alinhamento de prioridades, na mitigação de riscos, na mobilização de capital privado e na disponibilização de variedade de instrumentos.

 Ademais, o Plano nota os grandes valores necessários de investimentos em renováveis para viabilizar a neutralidade climática até 2050 e na transformação global para a economia de baixo carbono; o gap crescente entre os recursos disponibilizados e as necessidades dos países em desenvolvimento; as oportunidades de investimentos e os custos envolvidos no não-alcance de objetivos de estabilização climática; o persistente não cumprimento por parte dos países desenvolvidos da meta de 100 bilhões/anos em assistência (embora o Plano não estabeleça uma data limite para tanto); e dificuldades no acesso a finanças (custos, termos e condições).

A seu turno, a decisão sobre o Programa de Trabalho de Aumento Urgente da Ambição e Implementação de Mitigação inclui cláusula requisitando ao Secretariado da UNFCCC a organização de eventos focados em investimentos, com vistas à liberação de finanças, superação de barreiras ao acesso aos recursos e identificação de oportunidades de investimento e soluções práticas. O objetivo seria o de auxiliar, inclusive financiadores públicos e privados e investidores, o direcionamento de fluxos financeiros para áreas oportunas nesta década crítica. 

Nos debates, representantes de empresas e indústria se manifestaram no sentido de que melhores resultados poderiam ter sido alcançados e de que, no âmbito do art.6 do Acordo de Paris, mercados viabilizadores são necessários para a entrega de resultados e finanças o quanto antes. 

Infelizmente, o já citado Plano de Implementação falha em mandar sinais claros para o mercado quanto à transição verde pela ausência de referências à eliminação de combustíveis fósseis e à necessidade de atingimento do pico das emissões globais até 2025. Essa problemática é reforçada pela falta de progresso concreto na definição comum da expressão finança climática, conforme demandada pelos países em desenvolvimento.

Numa nota positiva, os participantes da COP puderam se informar com o lançamento do tão esperado relatório do Grupo de Alto-Nível de Expertos sobre os Compromissos de Emissões Net-Zero de Entidades Não-Estatais: “Integridade Importa: Compromissos Net-Zero da Parte de Empresas, Instituições Financeiras, Cidades e Regiões”. A mensagem geral é simples: os planos desses atores não devem apoiar novas fontes de combustíveis fósseis e devem descomissionar e cancelar bens existentes. Embora possa parecer radical, essa mensagem presumivelmente reflete o que é considerado necessário para o alcance dos objetivos do Acordo de Paris. O documento também recomenda políticas por parte de instituições financeiras de não investir ou financiar empresas conectadas com desmatamento e de eliminar de seus portfólios de crédito e investimento desmatamento resultante de commodities agrícolas. Questiona-se a pretensão de a comunidade internacional interferir com as políticas internas de países exportadores, exigindo, no caso do Brasil, que limite a produção agrícola para além do que nossa própria legislação exige. Ao mesmo tempo, não se nega que o controle do desmatamento e degradação florestal são temas da maior importância e urgência.

O mesmo Relatório identifica cinco princípios que devem direcionar as políticas dos setores comprometidos com a neutralidade climática até 2050: (i) reduções significativas de emissões no curto e médio prazos; (ii) integridade demonstrada pelo alinhamento entre compromissos e ações e investimentos; (iii) transparência radical quanto a dados de planos e progresso; (iv) credibilidade por meio de planos baseados na ciência e verificação por terceira parte; e (v) compromisso com equidade e justiça. Para o setor financeiro, a Partnership for Carbon Accounting Financials (PCAF) permite a mensuração e o relato de emissões financiadas. Dela fazem parte, no Brasil: Bradesco, BV, Pan, BTG Pactual, Claritas Investimentos, FAMA Investimentos, FRAM Capital, Itaú Unibanco, JGP e Neo Investimentos. A seu turno, a Network of Central Banks and Supervisors for Greening the Financial System (NGFS), que inclui o Banco Central, permite o compartilhamento de melhores práticas, contribui para a gestão de riscos climáticos e ambientais no setor financeiro e busca mobilizar finanças verdes.

Vale, também, lembrar da Aliança Financeira de Glasgow para Net-Zero (GFANZ). Desde o compromisso firmado no ano passado, 300 de 550 instituições financeiras, inclusive 60 bancos, estabeleceram objetivos para 2025 e 2030, cobrindo os setores mais intensivos em emissões de suas carteiras. Isso sinaliza o redirecionamento progressivo dos fluxos financeiros em prol da transição verde. A seu turno, a Iniciativa Ação do Setor Financeiro em Desmatamento (FSDA) busca acelerar progresso no tema e aumentar investimentos em soluções baseadas na natureza. E, há alguns dias, o HSBC anunciou que não financiará novos campos de óleo e gás e exigirá mais informações sobre os planos de seus clientes de cortar emissões.

Mais recentemente, a ‘Iniciativa Objetivos Baseados em Ciência’ para redução de emissões (de curto prazo ou de neutralidade climática no longo prazo) publicou a sua nova Política de Compliance com Compromissos, em vigor a partir de 31.02.2023. A nova Política busca assegurar que tais compromissos culminem na adoção efetiva de objetivos, de acordo com os critérios e as diretrizes da Iniciativa. Inclui instituições financeiras, como o Banco do Brasil. Os membros têm 24 meses para submeter propostas para validação a partir da formalização do compromisso. Empresas que falharem aparecerão na Plataforma como removidas, evidenciando a sua quebra do compromisso; empresas em dia aparecerão como ativas ou com objetivos validados.

Comércio de Espécies Selvagens

A CoP do Clima ainda estava ocorrendo quando se iniciou a 19ª Conferência das Partes da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), realizada na Cidade do Panamá entre os dias 14 e 25 de novembro. Com a participação de mais de 2.500 representantes das partes, além de observadores e jornalistas, a CoP aprovou 46 propostas de adições à lista de espécies controladas e sob gerenciamento focado em conservação e passíveis de comércio sob restrições: 100 espécies de tubarões e arraias; 160 espécies de anfíbios; 50 espécies de tartarugas terrestres e marinhas; mais de 150 espécies de árvores; e espécies de peixes, pássaros canoros e lagartos. Além disso, as partes adotaram mais de 356 decisões.

O tom foi o de equilibrar a proteção de espécies ameaçadas com o comércio internacional, desde que este contribua para a sua conservação ou, no mínimo, não comprometa esforços de proteção. A CoP demonstrou sua evolução quanto ao grau de compromisso das partes, mediante a aprovação de diversas propostas de inclusão, a expansão do Apêndice II (espécies que podem se tornar ameaçadas), maior aceitação de inclusão de espécies marinhas e maior foco em árvores. Isso possivelmente reflete avanços em tecnologia que permitem a melhor identificação de espécimes e garantia de rastreabilidade. Tais requisitos – de identificação e rastreabilidade – também são indispensáveis para progresso na área de proteção à camada de ozônio, como vimos antes. É a tecnologia a serviço da conservação.

De um lado, celebraram-se sucessos, com melhoras no estado de certas espécies (e.g., de gansos e rinocerontes). De outro lado, em vários casos, admitiu-se o atraso no início de aplicação da proposta aprovada até que a espécie esteja totalmente protegida, permitindo período de ajuste para a indústria doméstica e consultas com comunidades locais e constituindo reafirmação do princípio da soberania mediante a exclusão de mercados internos do regime da Convenção. 

Temas em discussão, mas sem decisões concretas, incluem a inclusão de meios de subsistência como critério de listagem, a continuidade de consideração de espécies individualmente ou a transição para avaliação de inter-relações entre elas e a adoção de plano de ação sobre questões de gênero. Além disso, na abertura da CoP, o país anfitrião chamou por uma lei universal de direitos da natureza.

Decisões e propostas aprovadas versaram sobre o seguinte:

  • Visão estratégica da CITES 2021-2030 e links com outros processos: comunicação entre pontos focais no plano doméstico.
  • Povos indígenas e comunidades locais: engajamento desses atores pelas partes nos processos domésticos de tomada de decisão e implementação; estudos de caso sobre a contribuição do uso sustentável por esses atores de espécies listadas para a sua conservação e para o seu bem-estar e sua subsistência; promoção de incentivos para assegurar o apoio e a cooperação desses atores na gestão da fauna e flora, com vistas a combater a caça e o comércio ilegais; treinamentos sobre a CITES, o papel desses atores em sua implementação e o cumprimento da legislação nacional aplicável.
  • Mitigação de risco: partes serão notificadas para reportar medidas adotadas de mitigação do risco de vazamentos de patógenos e transmissão associados ao comércio de espécies selvagens e às cadeias de fornecimento a ele conectadas.
  • Gênero: esforços para entender dinâmicas de gênero no comércio de espécies selvagens, de modo a considerar tais dinâmicas no design de respostas e intervenções.
  • Corrupção: adoção pelas partes de políticas e estratégias de mitigação de risco de corrupção associada a crimes contra espécies selvagens; aumento do uso de técnicas de investigação financeira pelo Secretariado para identificar criminosos e suas redes e endereçar fluxos financeiros ilícitos; previsão de desenvolvimento de diretrizes sobre medidas de combate à lavagem de dinheiro e integração de investigações de crimes financeiros nas investigações sobre crimes envolvendo espécies selvagens.
  • Comércio ilegal de madeira: treinamentos sobre inspeções físicas de embarque de madeira em regiões significativamente afetadas pelo comércio de espécies listadas e apoio ao desenvolvimento de indicadores de avaliação de risco específicos para essa área; e atualização, melhora e expansão do cadastro digital de recursos e ferramentas de identificação de madeira. 
  • Recomendação às partes quanto a desenvolvimento e compartilhamento de guias de identificação de espécimes de espécies listadas e de materiais sobre espécies não listadas comumente comercializadas para ajudar na identificação e diferenciação entre tais categorias.
  • Espécies de árvores de rosewood (Leguminosae (Fabaceae): definição de passos para aprimorar a implementação, interpretação e aplicação da CITES.
  • Comércio de produtos da biotecnologia com efeitos potenciais no comércio internacional de espécies listadas e consequente ameaça à sua sobrevivência.
  • Direito dos animais: minimização de riscos de lesão, impactos sobre a saúde ou tratamento cruel de espécimes vivos durante a porção doméstica do transporte mediante o cumprimento de padrões internacionais.  
  • Tartarugas marinhas: adoção de medidas pelos países afetados para reduzir demanda por partes, produtos e outros derivados; trabalho com comunidades de pescadores e órgãos competentes para assegurar que efetivas medidas de gestão sejam adotadas, assim como que a captura de pescados não esteja comprometendo esforços para endereçar o comércio ilegal de tartarugas marinhas.
  • Jaguar: reconhecimento como espécie flagship nos países que habitam, de modo a tornar a proteção prioridade conjunta; e ações sob o Roteiro de Conservação Conjunta para as Américas 2030.
  • Proposta do Peru: tartarugas matamatá (Chelus fimbriata e C. orinocensis) (Amazonas e Orinoco): inclusão no Apêndice II.
  • Resoluções advindas de propostas pelo BR e aprovadas pela COP:

-Mover espécie de jacaré (Caiman latirostris) do Apêndice I para o II, emendada com anotação estabelecendo cota zero de exportação anual de espécimes selvagens para propósito comerciais.

-Mover cobiçada espécie de peixe ornamental (Hypancistrus zebra), em significante declínio em razão de comércio ilegal internacional, do Apêndice III para o II.

-Manutenção do pau-brasil (Paubrasilia echinate) no Apêndica II: Emenda à Nota 10 para se referir a “todas as partes, derivados e produtos acabados, exceto reexportação de instrumentos musicais acabados, acessórios de instrumentos musicais acabados e partes de instrumentos musicais acabados”.

-Inclusão de arraias de água doce (Potamotrygon wallacei e P. leopoldi) no Apêndice II.

Biodiversidade 

A 15ª Conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e as reuniões das partes de seus Protocolos de Cartagena (biossegurança) e de Nagoya (acesso a recursos genéticos), respectivamente, ocorreram em Montreal, de 17 a 19 de dezembro, encerrando a temporada das grandes reuniões oficiais internacionais na seara ambiental. Estavam representados 188 países parte, mais os EUA e o Vaticano. O tema do segmento de alto nível foi “Civilização Ecológica: Construindo um Futuro Compartilhado para Toda a Vida na Terra”.

Decisões adotadas incluíram temas como gestão sustentável da vida selvagem e natureza e cultura. Sob o Protocolo de Cartagena, decisões abordaram: (i) compliance; (ii) monitoramento e relato; (iii) considerações socioeconômicas; (iv) avaliação e gestão de risco; e (v) detecção e identificação de organismos vivos modificados. As partes também adotaram o Plano de Implementação e o Plano Ação de Capacitação para o Protocolo de Cartagena. Em matéria de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios, a Reunião levou a decisões sobre: (i) compartilhamento de informações; (ii) compliance, monitoramento e relato; (iii) capacitação e conscientização, com a integração de considerações de gênero; e (iv) mecanismo financeiro e recursos. 

 A participação do Brasil, representando a coalizão de like-minded países em desenvolvimento, incluiu a declaração de que um marco ambicioso deveria vir acompanhado de pacote robusto de mobilização de recursos que abrangesse objetivo numérico e novo mecanismo de financiamento dedicado à biodiversidade.

Em paralelo à CoP, dois eventos merecem destaque para a nossa região. O primeiro tratando da Iniciativa de Diálogo sobre Paz e Biodiversidade, que promove cooperação transfronteiriça em áreas protegidas por meio de intercâmbio de experiências e melhores práticas, de fortalecimento de mecanismos de colaboração e de adoção de novos tais mecanismos, com o apoio do Secretariado e de outros parceiros. Em particular, chamou-se a atenção para o papel da ciência e educação no aprimoramento de compromisso com o Pacto de Letícia, que congrega 5 países amazônicos, inclusive o Brasil, com vistas ao combate ao desmatamento e a incêndios, endereçamento do tráfico ilegal de espécies da fauna e governança hídrica. O segundo evento paralelo envolveu representantes dos Governos do Peru e do Brasil para a troca de experiências na implementação de legislação sobre acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios e na avaliação do potencial papel de acordos regionais para reger a matéria.

Como na CoP do Clima, a presença do setor privado foi marcante, envolvendo em torno de 1.000 representantes – muito mais do que em reuniões anteriores. Já no Plenário, a Coalizão Negócios pela Natureza salientou que o novo plano ambicioso de implementação da CDB deve assegurar que a comunidade empresarial seja premiada ou penalizada por ações em prol ou contra a conservação da natureza. Várias iniciativas também foram lançadas, tais como o Acelerador de Prestação de Contas (Aliança dos Global Commons) e Benchmark da Natureza (Aliança Global de Benchmarking). Mas os dados mostram avanços bem mais significativos na área de clima e que, portanto, ainda há um longo caminho para o setor percorrer na proteção da biodiversidade em termos de avaliações baseadas em ciência quanto a impactos socioambientais; relato; compromissos com os direitos dos povos indígenas; e governança. Em termos de agenda do setor empresarial, muitas empresas na CoP promoveram a inclusão do relato obrigatório de riscos, dependências e impactos no novo plano estratégico.

O resultado mais importante da CoP foi a adoção de pacote de seis decisões sobre os temas mais controversos da Agenda: o plano estratégico, denominado Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montral (MGBKM), e seu esquema de monitoramento; planejamento, monitoramento, relato e revisão; capacitação e desenvolvimento no longo prazo de apoio a prioridades nacionalmente determinadas na implementação do MGBKM; cooperação técnico-científica; mobilização de recursos; e informação de sequência digital sobre recursos genéticos. 

A decisão sobre o MGBKM: (i) urge os países a implementarem o Marco de forma participativa, multinível e multisetorial; (ii) convida as partes a cooperarem em nível transfronteiriço, regional a internacional; (iii) salienta os direitos dos povos indígenas e comunidades locais; (iv) faz o link do MGBKM com a Agenda 2030; (v) posiciona o Marco como plano estratégico da implementação da CDB e de seus Protocolos para o período 2022-2030; (vi) requisita ao Secretariado que revisite e examine os programas de trabalho e proponha ajustes nesse contexto; (vii) destaca a importância fundamental da biodiversidade e o seu contínuo e rápido declínio; (viii) aponta para os objetivos gerais do MGBKM quanto à transformação da relação da sociedade com a biodiversidade até 2030 e à realização da visão compartilhada de se viver em harmonia com a natureza até 2050; (ix) indica o seu propósito de guiar e promover em todos os níveis a revisão, desenvolvimento, atualização e implementação de políticas, metas, objetivos, estratégias e planos de ação nacionais para a biodiversidade; e (x) reconhece que reverter a perda da biodiversidade é uma preocupação comum da humanidade.

O MGBKM é formado por sua Visão, Missão, Metas e Objetivos. Analisando-se o Marco, algumas observações merecem ser feitas: 

  • Há poucos objetivos numéricos –defeito do plano estratégico anterior bastante criticado, em virtude da dificuldade de monitoramento. 
  • Mas objetivos numéricos foram contemplados em temas de grande significado, como perda das áreas de alta importância para a biodiversidade e restauração de ecossistemas; áreas a serem protegidas no contexto de medidas espaciais de conservação, com reconhecimento dos territórios de povos indígenas e tradicionais; introdução e estabelecimento de espécies invasoras; redução do desperdício global de alimentos e de nutrientes excessivos; aumento na disponibilização de recursos financeiros; e eliminação de subsídios danosos. 
  • O Marco recebeu muito mais atenção na mídia em comparação com planos anteriores da CDB. 
  • O bioma ‘água doce’ finalmente teve o destaque que merece por ser o que sofre o mais rápido declínio em biodiversidade, estar exposto aos maiores riscos de extinção e ter populações de espécies com maior queda do que qualquer outro grupo. 
  • Sob o Objetivo 15, o maior engajamento das empresas por meio de monitoramento, avaliação e relato obrigatórios de riscos, dependências e impactos fica condicionado à adoção de medidas vinculantes no plano nacional. 
  • O documento faz referência a conceitos políticos, jurídicos e éticos pioneiros no âmbito da CDB, como a Abordagem Uma Saúde, soluções baseadas na natureza, direitos da natureza, Mãe Terra, abordagens ecocêntricas, green bonds, créditos de biodiversidade e pagamento por serviços ambientais – este último de especial importância para o Brasil face à recente adoção de legislação a seu respeito. 
  • Em termos de responsabilidade e transparência, o Marco busca sanar sério problema em matéria de assistência, referindo-se à provisão de informação e visão geral agregada integral sobre o apoio concedido e recebido. 
  • A referência a offsets preocupa, embora neste ponto o Marco mencione salvaguardas – controles são fundamentais para assegurar que as empresas não usem offsets simplesmente para compensar impactos sem reduções verdadeiras na sua pegada ecológica. 
  • A decisão menciona povos indígenas e comunidades locais 20 vezes, o que está sendo apontado como vitória histórica. 
  • Ao salientar os direitos de acesso à informação, participação e justiça, o Marco reduz o seu alcance a determinados grupos, o que não condiz com a sua abrangência jurídica, que se aplica a todos.

A implementação do MGBKM deverá guiar-se pelo seguinte: (i) contribuição e direitos de povos indígenas e comunidades locais, de acordo com legislações nacionais, a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, outros instrumentos internacionais e direitos humanos; (ii) diferentes sistemas de valores, inclusive aqueles que reconhecem direitos da natureza; (iii) abordagens de todo o governo e toda a sociedade; (iv) circunstâncias, prioridades e capacidades nacionais; (v) esforços coletivos por meio da mobilização de apoio do público; (vi) direito ao desenvolvimento, com o reconhecimento da Declaração da ONU de 1986 sobre esse direito e da sua contribuição para a conservação e uso sustentável da biodiversidade; (vii) abordagens baseadas em direitos humanos, com expressa referência ao direito ao ambiente limpo, saudável e sustentável; (viii) equidade de gênero e empoderamento; (ix) realização e implementação equilibrada dos três objetivos da CDB; (x) consistência com acordos ou instrumentos internacionais; (xi) princípios da Declaração do Rio; (xii) ciência, inovação, tecnologias e conhecimento tradicional; (xiii) abordagem ecossistêmica; (xiv) equidade intergeracional; (xv) educação formal e informal; (xvi) recursos financeiros adequados, previsíveis e acessíveis; (xvii) cooperação e sinergia com outros instrumentos e organizações em diferentes níveis; e (xviii) inter-relação entre biodiversidade e saúde, com consideração da Abordagem Uma Saúde.

O Marco baseia-se na seguinte Visão: “Até 2050, a biodiversidade é valorizada, conservada, restaurada e usada de forma racional, mantendo serviços ecossistêmicos, sustentando um planeta saudável e gerando benefícios essenciais para todas as pessoas”; e na Missão: Até 2030, “adotar ação urgente para interromper e reverter a perda da biodiversidade de modo a posicionar a natureza em um caminho em direção à recuperação, em beneficio das pessoas e do planeta, mediante a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e a garantia de repartição justa e equitativa dos benefícios do uso de recursos genéticos e, ao mesmo tempo, provendo os necessários meios de implementação”. 

As quatro Metas Globais para 2050 são:

  1. Aumento da área de ecossistemas naturais, por meio da manutenção, melhora ou restauração de sua integridade, conectividade e resiliência; interrupção da extinção de espécies conhecidas ameaçadas, redução em dez vezes de taxas de extinção e de riscos para todas as espécies e aumento da abundância de espécies nativas selvagens para níveis saudáveis e resilientes; manutenção da diversidade genética em populações de espécies selvagens e domesticadas.
  2. Gestão e uso sustentável da biodiversidade e valorização, manutenção e melhoria das contribuições da natureza, com a restauração daquelas em declínio.
  3. Partição justa e equitativa e aumento substancial dos benefícios monetários e não-monetários da utilização de recursos genéticos, informação de sequência digital e conhecimento tradicional.
  4. Disponibilização e acessibilidade equitativa de meios de implementação adequados, inclusive recursos financeiros, capacitação, cooperação técnico-científica e acesso e transferência de tecnologia, fechando o gap em fundos de 700 bilhões de dólares/ano e alinhando fluxos financeiros com o Marco.

Os 23 Objetivos Globais para 2030 estão divididos em 3 subseções: redução de ameaças; necessidades humanas; ferramentas e soluções de implementação e mainstreaming; e consistem no seguinte:

  1. Trazer para próximo de zero a perda das áreas de alta importância para a biodiversidade, colocando-as sob planejamento espacial participativo, integrado e inclusivo ou sob processos efetivos de gestão.
  2. Restauração de, ao menos, 30% de áreas de ecossistemas degradados terrestres, marinhos, costeiros e de água doce.
  3. Conservação, gestão e uso sustentável inteiramente compatível com resultados de conservação de, ao menos, 30% de áreas terrestres, marinhas, costeiras e de água doce por meio de sistemas de áreas protegidas e outras medidas espaciais efetivas de conservação, ecologicamente representativas, bem conectadas e governadas equitativamente, reconhecendo-se os territórios e direitos indígenas e tradicionais.
  4. Ações de gestão urgentes para interromper a extinção por causas humanas de espécies ameaçadas conhecidas, para recuperar e conservar espécies e para manter e restaurar diversidade genética; e minimização de conflitos entre pessoas e vida selvagem.
  5. Uso, coleta e comércio de espécies selvagens sustentáveis, seguros e legais, prevenindo-se sobreexplotação, minimizando-se impactos em espécies não-alvos e reduzindo-se o risco de spillovers patógenos.  
  6. Eliminação, minimização, redução e/ou mitigação de impactos de espécies alienígenas invasoras, inclusive com a redução em pelos menos 50% de taxas de introdução e estabelecimento dessas espécies.
  7. Redução de riscos e impactos negativos de poluição a níveis que não sejam danosos para a biodiversidade, considerando-se efeitos cumulativos, inclusive com redução em pelo menos a metade de nutrientes excessivos e de riscos de pesticidas e químicos perigosos; e prevenção, redução e eliminação progressiva de poluição por plásticos.
  8. Minimização dos impactos negativos da mudança do clima e da acidificação dos oceanos e fomento de impactos positivos de ações climáticas.
  9. Uso e gestão sustentáveis de espécies selvagens, inclusive por meio de atividades, produtos e serviços baseados na biodiversidade.
  10. Gestão sustentável de áreas usadas para agricultura, aquicultura, pescados e florestas.
  11. Restauração, manutenção e melhoria das contribuições da natureza para as pessoas. 
  12. Aumento da área, qualidade e conectividade, acesso e benefícios de espaços verdes e azuis em áreas urbanas.
  13. Adoção de medidas legais, políticas, administrativas e de capacitação para facilitar o acesso e assegurar a repartição justa e equitativa dos benefícios do uso dos recursos genéticos, de informação de sequência digital e de conhecimentos tradicionais.
  14. Integração da biodiversidade e seus múltiplos valores em políticas, regulações, processos de planejamento e desenvolvimento, estratégias de erradicação de pobreza, avaliações ambientais estratégicas, estudos de impacto ambiental e contabilidade nacional, com o alinhamento progressivo de atividades públicas e privadas relevantes e fluxos fiscais e financeiros.
  15. Adoção de medidas legais, administrativas ou políticas para encorajar, viabilizar e assegurar que empresas grandes e transnacionais e instituições financeiras: (i) regularmente monitorem, avaliem e publiquem seus riscos, dependências e impactos sobre a biodiversidade, inclusive exigindo que esses atores assim procedam com relação às suas operações, cadeias de suprimento e valor e a seus portfólios; (ii) provejam as informações necessárias para que consumidores tomem decisões sustentáveis; e (iii) reportem quanto ao cumprimento de regulações e medidas de acesso e repartição de benefícios.
  16. Encorajamento e viabilização de consumo sustentável, inclusive por meio de marcos políticos, legais e regulatórios, e da redução à metade do desperdício global de alimentos.
  17. Estabelecimento, capacitação e implementação de medidas de biossegurança e de uso de biotecnologia e distribuição de seus benefícios.
  18. Identificação, até 2025, e eliminação, redução gradual ou reforma de incentivos, inclusive subsídios, que causem danos à biodiversidade, de forma proporcional, justa e efetiva, reduzindo-os substancial e progressivamente em pelo menos US$ 500 bilhões/ano até 2030 e aumentando incentivos positivos.
  19. Aumento substancial e progressivo do nível de recursos financeiros de todas as fontes, de forma efetiva, tempestiva e facilmente acessível, mobilizando ao menos US$ 200 bilhões/ano, inclusive por meio: (i) aumento de recursos advindos de países desenvolvidos e outros que voluntariamente assumam compromissos (ao menos US$ 20 bilhões/ano até 2025 e US$ 30 bilhões/ano até 2030; (ii) aumento significativo de mobilização de recursos domésticos, facilitado pela elaboração de planos nacionais; (iii) aproveitamento de financiamento privado, promoção de finanças mistas, estratégias de mobilização de recursos novos e adicionais e fomento a investimentos privados; (iv) estímulo a esquemas inovadores como pagamento por serviços ambientais, green bonds, offsets e créditos de biodiversidade e mecanismos de repartição de benefícios, com salvaguardas socioambientais; (v) otimização de co-benefícios e sinergias entre finanças de clima e biodiversidade; (vi) melhoria do papel de ação coletiva (por povos indígenas e comunidade locais; ações centradas na Mãe Natureza [abordagens ecocêntricas e baseadas em direitos para relações pessoas-natureza harmônicas e complementares e para a não-comodificação de funções ambientais]; abordagens não mercadológicas; gestão comunitária; cooperação e solidariedade da sociedade civil); (vii) melhoria da efetividade, eficiência e transparência da provisão e do uso de recursos.
  20. Capacitação, acesso, transferência e desenvolvimento conjunto de tecnologia e inovação; cooperação técnico-científica; programas conjuntos de pesquisa científica; e capacitação em pesquisa e monitoramento.
  21. Acesso para os tomadores de decisão, profissionais e o público aos melhores dados, informação e conhecimento disponíveis com os propósitos de boa governança; gestão integrada e participativa da biodiversidade; comunicação, conscientização, educação, monitoramento e pesquisa; e obtenção de consentimento livre, prévio e informado de povos indígenas e comunidades tradicionais para acesso aos seus conhecimentos, inovações, práticas e tecnologias.
  22. Participação e representação integrais, equitativas, inclusivas, efetivas e informadas por questões de gênero na tomada de decisão e acesso à justiça e informação por parte de povos indígenas e comunidades tradicionais, mulheres e meninas, crianças e jovens, deficientes; e proteção de defensores ambientais.
  23. Equidade de gênero na implementação do Marco, nos direitos e acesso a recursos naturais e na participação e liderança em todos os níveis.

O processo de planejamento, monitoramento, relato e avaliação deve incluir: (i) revisão ou atualização das estratégias e planos de ação nacionais (NBSAPs) e comunicação uniformizada de objetivos; (ii) relatórios nacionais incluindo indicadores, a serem submetidos a cada cinco anos; (iii) análise global da informação nos NBSAPs para avaliar a sua contribuição para o Marco; (iv) avaliação global de progresso coletivo com base nos relatórios nacionais e outras fontes; (v) avaliação voluntária por pares; (vi) desenvolvimento e teste de fórum aberto para avaliações nacionais voluntárias; e (vii) informações sobre compromissos de atores não-estatais. Esse processo é fundamental para assegurar a efetividade do Marco, a partir de indicadores baseados na ciência. Nesse sentido, o Índice da Lista Vermelha e a Lista Vermelha de Ecossistemas foram incluídos como indicadores (Meta A e Objetivos 1 e 4), além da percentagem de áreas conservadas e quantidade de empresas publicando dados de biodiversidade. Cumpre ao Secretariado consolidar a informação recebida até fevereiro de 2026 e junho de 2029 na forma de relatórios sobre tendências e progressos globais. O trabalho relativo a indicadores continuará no âmbito de um Grupo Ad Hoc Técnico de Expertos.

No tema de financiamento para implementação, além dos aspectos já abordados, a CoP acordou no estabelecimento de fundo fiduciário especial sob o Fundo Global para o Meio Ambiente; e de fundo multilateral para a repartição de benefícios do uso de informação de sequência genética digital.

O direito internacional ambiental segue em evolução

Outros exemplos de 2022 podem ser citados sobre o emprego do direito internacional na defesa do meio ambiente.

Em 17.06.2022, foi adotado o Acordo sobre Subsídios de Pescado da Organização Mundial de Comércio – o primeiro acordo multilateral de comércio com foco principal no meio ambiente; o primeiro conjunto de regras globais vinculantes no tema; e apenas o segundo grande tratado envolvendo todos os membros desde a constituição da OMC em 1995. Também representa o primeiro marco de cumprimento de um ODS (14.6). Negociações sobre subsídios que contribuem para danos sobre a condição de pescados remontam a 2001 e a adoção de Acordo foi possível em grande parte por conta de campanha estratégica, coordenada e ambiciosa que galvanizou diversos atores e envolveu lobby e oferecimento de apoio técnico especializado imparcial. Entre outros dispositivos, o Acordo proíbe a concessão ou manutenção de subsídios relacionados a pescados marinhos: (i) a navios ou operadores envolvidos em pescaria ilegal, não reportada ou não regulada ou em atividades correlatas, como o apoio a tais modalidades de pescaria; (ii) à pescaria ou a atividades correlatas em estoques sobreexplotados; e (iii) à pescaria ou a atividades correlatas fora da jurisdição de países costeiros, membros ou não membros, e fora da competência de uma organização regional para o ordenamento pesqueiro. O Acordo só se aplica a capturas de espécimes selvagens marinhas e em alto-mar, ficando de fora pescados de água doce, aquicultura e atividades correlatas em terra firme.

Em 28.07.2022, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 76/300, reconhecendo o direito ao meio ambiente limpo, saudável e sustentável.

Em 01.11.2022, entraram em vigor as emendas ao Anexo VI da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios (MARPOL). Essas emendas requerem que navios aprimorem a sua eficiência energética no curto prazo, de modo a reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa. A partir de 01.01.2023, todos os navios terão que medir a sua eficiência energética e passar a coletar dados para relato de indicador anual de intensidade de carbono operacional para fins de classificação conforme a relação entre o progresso alcançado e o que é exigido e de melhora contínua.

Em 12.12.2022, a Comissão de Pequenos Estados Insulares de Mudança Climática e Direito Internacional apresentou perante o Tribunal Internacional do Direito do Mar um pleito para a emissão de parecer consultivo. O parecer esclareceria as obrigações específicas das partes da Convenção sobre o Direito do Mar da ONU quanto à prevenção, redução e controle da poluição marinha e à proteção e preservação do meio ambiente marinho contra os efeitos deletérios que resultam ou podem resultar da mudança climática, inclusive por aquecimento, acidificação e aumento do nível do mar. Dando seguimento ao pleito, o Tribunal já convidou as partes da Convenção e organizações internacionais para que apresentem suas declarações até 16.05.2023. Na mesma linha, um grupo de países insulares do Pacífico obteve número suficiente de signatários para propor uma resolução da Assembleia Geral da ONU requisitando parecer consultivo, de acordo com o direito internacional, da Corte Internacional de Justiça, quanto às obrigações dos Estados de assegurar a proteção do sistema climático e às consequências legais para os Estados que tenham causado danos significativos a esse sistema.

Finalmente, discussões internacionais estão em andamento para a adoção de dois novos tratados em matéria ambiental: poluição por plásticos e proteção e uso sustentável da biodiversidade marinha em áreas além da jurisdição nacional.

Como se vê, com todas as suas limitações, os países continuam vendo a utilidade do direito internacional do ambiente e empregando-o como ferramenta de conservação e desenvolvimento sustentável. Especula-se, inclusive, que, na ausência dos tratados em vigor e de esforços pelo desenvolvimento progressivo deste ramo do direito internacional, a crise ambiental já teria alcançado proporções ainda mais graves. Para os próximos meses e anos, o foco deve ser a implementação das obrigações assumidas pelos Estados e das contribuições prometidas pelos atores não-estatais – nesta década crítica em que a humanidade possui para construir uma relação harmônica com a natureza, respeitando o seu valor intrínseco e protegendo as funções ecossistêmicas que beneficiam todas as pessoas, sem deixar ninguém para trás.

Referências:

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C. Early, Whose business is nature anyway? (14.12.2022), https://chinadialogue.net/en/nature/cop15-whose-business-is-nature-anyway/?utm_source=CD+English-only+newsletter&utm_campaign=7669f27f9b-EMAIL_CAMPAIGN_2019_05_23_02_23_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_f0723a89b3-7669f27f9b-46786133&mc_cid=7669f27f9b&mc_eid=e854eaafb7
L. White & S. Jessop, HSBC to stop funding new oil and gas fields as part of policy overhaul (14.12.2022), https://www.reuters.com/business/finance/hsbc-cut-funding-new-oil-gas-fields-2022-12-14/
IISD Summary Report: Sharm El-Sheikh Climate Change Conferencehttps://enb.iisd.org/sharm-el-sheikh-climate-change-conference-cop27-summary 
Ramsar Convention, News, COP14 closes with 21 resolutions adopted to advance wetlands action for people and nature (18.11.2022), https://ramsar.org/news/cop14-closes-with-21-resolutions-adopted-to-advance-wetlands-action-for-people-and-nature
Ramsar Convention, Events, 14th Meeting of the Conference of the Contracting Parties, https://www.ramsar.org/event/14th-meeting-of-the-conference-of-the-contracting-parties
Ramsar Convention, News, Ministers and Ambassadors adopt the Wuhan Declaration (06.11.2022), https://www.ramsar.org/news/ministers-and-ambassadors-adopt-the-wuhan-declaration
Ramsar Convention, Documents, Wuhan Declaration, https://www.ramsar.org/document/wuhan-declaration
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Gonzalo Muñoz Abogabir, ¿Qué significa el resultado de la COP27 para las empresas en 2023? (25.11.2022), https://www.linkedin.com/pulse/qu%25C3%25A9-significa-el-resultado-de-la-cop27-para-las-en-mu%25C3%25B1oz-abogabir/?trackingId=4ygjq3XzQF%2BzQhTrOjGtZQ%3D%3D.
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IUCN, IUCN welcomes Post-2020 Global Biodiversity Framework as an important step towards addressing the nature crisis (19.12.2022), https://www.iucn.org/iucn-statement/202212/iucn-welcomes-post-2020-global-biodiversity-framework-important-step-towards
IISD, Daily report for 18 December 2022: United Nations Biodiversity Conference – OEWG 5/CBD COP 15/CP-MOP 10/NP-MOP 4, https://enb.iisd.org/un-biodiversity-conference-oewg5-cbd-cop15-daily-report-18dec2022?utm_medium=email&utm_campaign=ENB%20Update%20-%2019%20December%202022&utm_content=ENB%20Update%20-%2019%20December%202022+CID_e80ec5e3c4f11b37fc044126b8cf0105&utm_source=cm&utm_term=Read%20daily%20report
CBD, COP15: Nations Adopt Four Goals, 23 Targets for 2030 in Landmark UN Biodiversity Agreement (19.12.2022), https://www.cbd.int/article/cop15-cbd-press-release-final-19dec2022
P. Greenfield&P. Weston, Cop15: key points of the nature deal at a glance,https://www.theguardian.com/environment/2022/dec/19/cop15-key-points-of-nature-deal-at-a-glance-aoe
R. Lee, Big Win for Freshwater! (19.12.2022) https://www.linkedin.com/posts/richard-lee-19662360_breaking-big-win-for-freshwater-after-years-activity-7010558993232220160-ZQ37/?utm_source=share&utm_medium=member_ios
WWF, Living Planet Report (2020), https://www.wetlands.org/wp-content/uploads/2020/09/lpr-2020-full-report.pdf
WWF, Living Planet Report (2022), https://wwflpr.awsassets.panda.org/downloads/relatorio_planeta_vivo_2022_1_1.pdf

(*) Artigo publicado ontem (22) no Portal Migalhas.

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