Soluções baseadas na Natureza

30 de abril de 2023

O conceito de Soluções baseadas na Natureza (SbN) tem se tornado cada vez mais relevante para organismos internacionais e para a União Europeia como uma estratégia para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas e os problemas ambientais, além dos desafios sociais e econômicos, especialmente nas áreas urbanas. De cunho abrangente, o conceito é compatível com demais estratégias já consolidadas na esfera dos serviços ecossistêmicos, tais como infraestrutura verde, adaptação apoiada em ecossistemas, capital natural, de modo a expressar soluções que tenham copiado, se inspirado ou se baseado na natureza gerando, ao mesmo tempo, benefícios para a biodiversidade e para as sociedades humanas.

O termo começou a ser concebido no início dos anos 2000 a partir da Avaliação Ecossistêmica do Milênio, um programa de pesquisa apoiado pela ONU que reuniu  especialistas no mundo inteiro, entre 2001 e 2005, para fazer um diagnóstico dos ecossistemas globais e de seus serviços, quando então já se apontava para a necessidade da adoção de políticas que promovessem sua conservação, restauração e gestão sustentável. O conceito de SbN vinha sendo desenvolvido por um grupo de trabalho na União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), mas foi em uma publicação do Banco Mundial, sobre projetos financiados, entre 1998 e 2008, que haviam contribuído para a mitigação e adaptação climáticas com o uso de soluções baseadas na natureza para conservação e o uso sustentável do capital natural, que a referência ao termo apareceu pela primeira vez.

Na IUCN, o conceito foi explicitado na publicação de um position paper redigido para a COP 15 sobre a Mudança do Clima realizada em Copenhagen em 2009, sendo posteriormente agregado ao seu programa global de ações previstas para o período de 2013-2016. O programa da IUCN estabelecia a adoção de soluções baseadas na natureza nas áreas de redução de risco de desastres, segurança alimentar e desenvolvimento social e econômico, apontando a necessidade de expandir a abordagem para setores de energia e saúde pública.

A partir de 2010, o conceito passa a ser considerado no âmbito das políticas públicas, especialmente na União Europeia, na esteira da Estratégia de Biodiversidade da União Europeia para 2020, programa que estipula, como prioridades, a recuperação e a promoção de infraestruturas verdes em zonas urbanas e rurais da UE, prevendo para isso uma série de investimentos em pesquisa, avaliação e implementação, que também contariam com parcerias público-privadas. Em 2015, após muitas discussões em torno das SbN, a União Europeia lança um relatório de uma agenda específica sobre o assunto pautada em quatro objetivos principais: aprimorar a urbanização sustentável, restaurar ecossistemas degradados, desenvolver adaptação e mitigação às mudanças climáticas, e melhorar o gerenciamento de risco e resiliência; cada um acompanhado de propostas de pesquisa e inovação, partícipes e financiadas pelo programa Horizonte 2020. Ou seja, as soluções baseadas na natureza passam ser entendidas como um meio privilegiado e inovador capaz de promover o crescimento econômico na direção de uma economia verde, disseminando-se com mais força nos ambientes acadêmicos e científicos e junto à própria sociedade civil. Ao adotar as SbN em seus programas de pesquisa e inovação e em suas agendas, a Europa se converteria em uma espécie de líder no mercado mundial para o crescimento verde, propiciando negócios, postos de trabalho e sustentabilidade.

Nos fóruns internacionais, paralelamente, o conceito também vai ganhando espaço e importância. A Nova Agenda Urbana (NAU), lançada em 2016, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável – Habitat III, cita-o diretamente como uma alternativa relevante para processos de planejamento e adaptação climática. No Fórum Mundial sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, realizado em 2018, em Brasília, foi lançado o relatório intitulado “Soluções baseadas na Natureza para a água”, documento que não só populariza o conceito, expandindo-o para países latino-americanos, como reforça a ideia de que as SbN são ferramentas fundamentais para a gestão integrada dos recursos hídricos, embora esta ainda continue muito dependente das infraestruturas cinzas (reservatórios, barragens, entre outras obras de engenharia civil). No mesmo ano, a ONU adotou as SbN em sua campanha para o Dia Mundial da Água, destacando seu potencial de resolução para os inúmeros desafios da questão dos recursos hídricos. O conceito foi ainda apropriado pelo ICLEI – Governos Locais para a Sustentabilidade, que disponibiliza a gestores locais e demais interessados de diversos países a agenda das SbN, com a oferta de capacitação, guias, metodologias para a valoração do capital natural local, de modo que esses governos possam investir em projetos de SbN voltados ao desenvolvimento urbano sustentável.

Em 2019, foi enfim lançado o Manifesto sobre SbN, financiado pela Comissão Europeia, por meio do programa Horizonte 2020, que procura nivelar o entendimento sobre o assunto, mostrando a articulação e os benefícios da experiências desenvolvidas no território europeu em torno dessa agenda específica. Nesse mesmo sentido, em prol da construção de um padrão mais global para as SbN, que possibilite a transferência de projetos realizados em escala piloto para escalas muito mais amplas, a IUCN também colocou em curso uma iniciativa que busca estabelecer um entendimento comum e consensual que as transforme em uma ferramenta efetiva e eficaz como alternativa, sobretudo, às intervenções de engenharia tradicional. Ademais, durante outra Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, desta vez, a COP 25, realizada em 2019, em Madri, as soluções baseadas na natureza ganham lugar de destaque, consolidando-se como uma tendência no campo da sustentabilidade, e por consequência, como uma importante área de atuação para o cumprimento do Acordo de Paris.

É inegável que as propostas difundidas tanto pela Comissão Europeia quanto pela IUCN deram um grande impulso para a utilização global das SbN. Ambas reconhecem que as SbN devem necessariamente fornecer benefícios para o bem-estar humano e para a biodiversidade de forma simultânea, e podem ser implementadas em associação a tecnologias cinzas ou mais convencionais. A proposta europeia mais relacionada às cidades objetiva criar resiliência através de medidas de adaptação às mudanças climáticas, enquanto a proposta da IUCN associa as cidades à escala da paisagem, levando em conta a articulação das áreas urbanas com áreas provedoras de Serviços Ecossistêmicos (SE), com o intuito de que, por meio das SbN, as cidades possam se tornar também fornecedoras de SE, e não apenas consumidoras. De qualquer modo, além de proporcionar co-benefícios, as duas instituições atestam que as SbN devem partir de formatos multidisciplinares capazes de congregar distintos atores e diversos conhecimentos, considerando modelos locais de co-criação e governança, imprescindíveis para sustentar tais ações em médio e longo prazo.

Contudo, cabe pontuar que o conceito de SbN foi concebido em países com realidades ambientais e socioeconômicas muito diferentes das encontradas nos países do chamado Sul global, onde se inserem a América Latina e o Caribe. Os projetos europeus de SbN dificilmente contemplam os desafios impostos pela complexidade do fator social nas realidades urbanas latino-americanas. Embora ainda sejam incipientes as publicações científicas que reflitam a aplicação das SbN no contexto sul-americano, uma revisão bibliográfica feita sobre o termo “Infra-estrutura Verde” na América Latina discriminava, entre os grandes desafios para a gestão ambiental, rápida urbanização, privatização extrema, alta desigualdade socio-espacial, escassez de água, falta de eliminação adequada de resíduos. Por outro lado, não se pode desconsiderar o grande potencial que os ecossistemas ainda presentes nos países latino-americanos representam para a aplicação das SbN que envolvem soluções que causam pouca ou nenhuma modificação, resultando na preservação ou melhoria dos SE já gerados por áreas protegidas (como as Unidades de Conservação no Brasil, que, além de amortecerem os eventos climáticos extremos, podem oferecer benefícios para a comunidade local), ou que correspondem a intervenções destinadas a intensificar as funções e os serviços prestados por determinados ecossistemas ou paisagens (por exemplo, a restauração ecológica em mananciais ou a técnica de agroflorestas, que podem aumentar a diversidade genética e/ou de espécies e, em decorrência, a capacidade de resiliência aos eventos extremos).

Esses dois tipos de SbN que encontram importantes oportunidades nos biomas dos territórios sul-americanos, se bem geridos através de políticas públicas, não só atenderiam ao objetivo de conservação da biodiversidade, como poderiam promover geração de renda e desenvolvimento econômico para as comunidades locais (por meio de turismo sustentável, cooperativas de produtos de sociobiodiversidade, atividades de pesquisa científicas e educativas). E se articulados às SbN aplicadas em áreas em que a natureza já não se faz tão presente (em geral associadas às infraestruturas verdes e azuis), poderiam compor um sistema realmente integrado capaz de gerar co-benefícios mais amplos, e com impactos em uma urgente escala global.

Fontes consultadas:

https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/40877/1/2020_RaizaGomesFraga.pdf
https://www.revistas.usp.br/revistalabverde/article/view/189419/178432
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