Estatuto da Cidade – 20 anos

31 de julho de 2021

Considerado um marco na regulação do ordenamento urbano, o Estatuto da Cidade – lei federal nº 10.257 sancionada em 10 de julho de 2001 – estabelece as diretrizes mestras para a política urbana brasileira, regulando os artigos 182 e 183 da própria Constituição Federal, além de fixar as normas gerais de uma série de instrumentos urbanísticos. Embora tais normas pertençam mais diretamente ao campo do direito urbanístico, sua observância e aplicabilidade repercutem nos inúmeros desafios ambientais atrelados aos nossos núcleos urbanos, desempenhando um papel na proteção do meio ambiente, seja construído, seja natural. 

A lei define a garantia do direito a cidades sustentáveis como principal diretriz da política urbana no País, que compreende, conforme disposto em seu artigo 2º, o direito à terra, à moradia, ao saneamento, à infraestrutura urbana, ao transporte e demais serviços públicos, à saúde, ao trabalho e ao lazer, não apenas para as presentes, mas para as futuras gerações. A adoção da sustentabilidade como modelo de desenvolvimento urbano, ou seja, que visa tornar as cidades brasileiras mais humanas, justas, democráticas, sustentáveis, está em conformidade com as questões que haviam sido trazidas pelos fóruns internacionais realizados ao longo dos anos de 1990, como a Agenda 21, sobretudo, ao se referir aos assentamentos humanos, e a subsequente Agenda Habitat da ONU.

A Nova Agenda Urbana (NAU) da ONU, aprovada em 2016 durante a conferência Habitat III, criada para orientar a urbanização sustentável nos próximos 20 anos, e que funciona como catalisador do plano socioambiental da ONU (Agenda 2030), alerta que a população urbana mundial praticamente dobrará até 2050. Dessa forma, o documento reforça o papel estratégico que as cidades assumem no enfrentamento dos grandes problemas globais, como a mudança climática, a degradação ambiental, a desigualdade social. No Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), responsável pelo relatório nacional feito para a Habitat III, não poderia deixar de avaliar, nesta perspectiva, a importância do planejamento urbano, e, assim, do próprio Estatuto da Cidade, que concorrem para as urgentes ações de adaptação dos núcleos urbanos.

É inegável que a devida implementação dos instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade, com destaque para os planos diretores municipais obrigatórios nos municípios com mais de 20 mil habitantes, reduziria as vulnerabilidades, e seria capaz de viabilizar cidades mais sustentáveis e inclusivas. Por exemplo, instituir zonas especiais de interesse social (Zeis) em áreas ocupadas por populações de baixa renda ou em vazios urbanos possibilitar a construção de moradias, assim como integrar/regularizar ocupações informais ao tecido urbano. Cidades mais compactas, maior acesso à terra urbanizada, preconizados pela NAU, são factíveis por meio do parcelamento, da edificação ou da utilização compulsória ou do IPTU progressivo. Em relação às mudanças climáticas, cabe lembrar que a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (estabelecida como lei federal 12.608 em 2012) introduziu, no Estatuto da Cidade, a obrigatoriedade de elaborar planos diretores para as cidades incluídas no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis a grandes desastres, como inundações bruscas, deslizamentos de grande impacto ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, sem descurar de necessários estudos de impactos de vizinhança (EVI) e de impactos ambientais (EIA).

Apesar de viger no Brasil desde 2001, o crescimento urbano no país ainda se dá, na contramão do próprio Estatuto da Cidade, de forma bastante desordenada, contrariando  seus princípios básicos – voltados ao cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana –,  e acarretando, por exemplo, maiores segregação e ocupação de áreas de risco. São inúmeras as inobservâncias; também inúmeras são as complexidades dos nossos núcleos urbanos, que extrapolam os limites locais de cada munícipio. Daí a necessidade de uma articulação mais ampla e efetiva, seja dos planos diretores com os demais planos setoriais, dos entes federativos entre si na promoção de uma educação básica de qualidade, do poder executivo e do parlamento no diálogo com os movimentos sociais e maior acesso à participação popular nos processos decisórios das questões urbanas, seja, enfim, conforme apontado pelas diretrizes que atravessam tanto o Estatuto da Cidade quanto a NAU da ONU, das políticas urbanas com as políticas de preservação do meio ambiente.

Fontes:

https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/981https://www.fna.org.br/2018/08/16/nova-agenda-urbana-da-onu-desafia-cidades-a-setor-tornar-mais-inclusivas-e-sustentaveis/
https://www.fna.org.br/2018/08/16/nova-agenda-urbana-da-onu-desafia-cidades-a-setor-tornar-mais-inclusivas-e-sustentaveis/
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7121/1/O%20Estatuto%20da%20Cidade%20e%20a%20Habitat%20III.pd
Conexão Milaré: https://www.youtube.com/watch?v=tRTcNkXUqI0&t=1491s&ab_channel=Milar%C3%A9Advogados (programa veiculado no dia 8 de julho, com a participação dos doutores Arlindo Phillipi Jr. e Débora Sotto).

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