Depois dos acontecimentos da última semana, as instabilidades voltaram a atrapalhar o caminho para a consolidação de uma governança ambiental em nosso país, principalmente com as mudanças aprovadas ontem pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei de Conversão (PLV 12/2023), relativas à Medida Provisória 1154/2023, e que afetam diretamente as pastas ligadas à área ambiental. Editada em 1º de janeiro, como parte do processo de constituição do novo governo, a referida Medida Provisória estabeleceu a estruturação dos órgãos da presidência da República e dos ministérios, porém, para se tornar lei, depois da aprovação dos deputados, depende da decisão do Senado, cujo prazo encerra-se hoje.
O PLV propõe alterações na estrutura do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, entre elas, a transferência do Cadastro Ambiental Rural – CAR, que é indubitavelmente um importante instrumento para implantação do Código Florestal, para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Público. Também foram propostas a transferência dos sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos para o Ministério das Cidades, e a vinculação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. É legítimo o desejo do Legislativo de colaborar com as iniciativas do Executivo. Todavia, preocupa o fato de questões tão relevantes ao contexto ambiental brasileiro – que necessita de agilidade para alcançar as metas da Agenda 2030, dos acordos globais relacionados às mudanças climáticas e mesmo dos objetivos de universalização da água e do esgoto para 2033, e que requerem vasto conhecimento técnico dos órgãos competentes – estarem sendo transferidas para áreas que, além de carentes de vocação ou familiaridade com estas temáticas, não dispõem de infraestrutura operacional para lidar com as complexidades das questões.
Vale ressaltar que, na administração anterior, tanto o CAR como o Serviço Florestal Brasileiro foram transferidos para o Ministério da Agricultura e Pecuária – MAPA, que ainda contava atribuições ligadas ao setor de abastecimento. Apesar da maior afinidade da pasta com a temática, foram incontáveis os desafios para a sua implantação, pois surgiram problemas como a sobreposição de registros em áreas indígenas e dificuldades de análise e validação dos dados pelos Estados.
O PLV também propõe uma alteração que repercutirá no meio ambiente: trata-se da transferência de atribuições do Ministério dos Povos Indígenas, presidido por uma mulher de origem indígena e considerado simbólico, uma vez que foi a primeira vez na história da administração pública do nosso país que uma pasta ministerial se dedicou exclusivamente a tratar de temas indígenas. Porém, este órgão, que deu seus primeiros passos há pouco tempo, está em risco de perder a responsabilidade principal pelos processos que envolvem a demarcação de territórios indígenas, que voltaria ao Ministério da Justiça.
A universalização do saneamento básico é um desafio nacional que requer o esforço conjunto de todos os setores da sociedade. Como reiteradamente ressaltei na obra Direito do Ambiente, que está na iminência da sua 13ª edição, ou tenho manifestado em qualquer situação quando me incumbem de abordar a temática, o acesso aos serviços de água e esgoto tratados, e coleta de lixo é fundamental para a dignidade humana e configura premissa básica de saúde pública, além de agregar benefícios ao meio ambiente. A essencialidade desses serviços foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas – ONU, ao declará-los um direito humano fundamental para o gozo pleno da vida e de todos os outros direitos humanos (Assembleia Geral, Resolução 64/92, de 28 de julho de 2010). Contudo, apesar dos avanços empreendidos com a atualização do Marco Regulatório do Saneamento Básico, trazidos pela Lei 14.026/2020, os recentes decretos 11.466 e 11.467, de 2023, somados à proposta de transferência da ANA para outro ministério, vêm gerando novamente insegurança no setor, que necessita de um ambiente jurídico tranquilo e com previsibilidade para avançar na ampliação dos serviços.
Ainda no mês de maio, a negativa inicial do IBAMA à solicitação da Petrobras de realizar pesquisas na Foz do Amazonas acabou por desencadear um amplo debate entre membros do governo, do legislativo, ONGs, cientistas, especialistas em Direito e outros. As questões levantadas abrangeram as esferas econômica, técnica, socioambiental e jurídica, demonstrando que o país precisa de uma abordagem mais planejada para administrar sua transição energética, que permita conciliar, ainda, os recursos advindos de fontes não renováveis, sem descurar e/ou prejudicar a proteção ambiental, ou mesmo os compromissos internacionais firmados com o objetivo de redução das emissões de gases de efeito estufa e o propósito de desenvolvimento de uma economia sustentável.
Na semana em que comemoramos o Dia Nacional da Mata Atlântica, 27 de maio, foram divulgados os resultados do Atlas da Mata Atlântica, resultado de uma pesquisa realizada pela Fundação SOS Mata Atlântica em conjunto com o INPE, demonstrando que entre outubro de 2021 e 2022 houve a perda de 20.075 hectares de floresta, o que equivale a aproximadamente 20.000 campos de futebol. Estes dados são particularmente preocupantes quando somados à aprovação, na mesma semana, pela Câmara dos Deputados, da MP 1150/22, que flexibiliza as medidas de proteção da Mata Atlântica e que, agora, dependerá da análise presidencial. A maior segurança da preservação desse bioma depende, agora, do veto – ou não – do Executivo.
Apesar das instabilidades verificadas na área ambiental no mês de maio, chegamos ao fim do mesmo com boas notícias. Especificamente, a escolha da cidade de Belém, no Estado do Pará, como sede da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a se realizar em 2025.
Com o típico entusiasmo dos festejos juninos, símbolo de nossa multiculturalidade, confiamos em novas notícias que resultem em maior estabilidade para a área ambiental.
Édis Milaré