91_Post_24outubro2023
Milaré

Abastecimento de água por fontes alternativas avança, mas há desafios

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Projeto prevê o fim do monopólio no fornecimento de água pelas concessionárias públicas e privadas, além de incentivar adessalinização da água do mar

Por Lilian Caramel, Para o Valor – São Paulo

Além da sanção da lei federal nº 14.546, em abril, estimulando o aproveitamento de águas de reúso e das chuvas para fins não-potáveis, o projeto de lei nº 10.108/2018 também pretende instituir regras para o abastecimento por meio de fontes alternativas.Em tramitação na Câmara dos Deputados, se passar, a nova lei irá quebrar o monopólio do fornecimento de água pelasconcessionárias públicas e privadas, além de incentivar a dessalinização da água do mar. Especialistas consultados pelareportagem enxergam pontos positivos e negativos na propositura.

Para o professor de Direito Ambiental, Édis Milaré, as normas abrem a possibilidade de que avanços científicos ocorram porquemeios de abastecimentos não-convencionais ainda em pesquisa e desenvolvimento podem dar origem à tecnologias inovadoras.”Novos horizontes técnicos podem surgir. Não há qualquer motivo para se ignorar a água em todas as suas formas e utilidades. OBrasil tem desperdiçado, em demasia, seus recursos naturais”, reflete. Por outro lado, para o advogado, a reforma é tão tímidaquanto à dessalinização. “Esses métodos estão bastante desenvolvidos no mundo. No atual estágio tecnológico, parece uma medida acanhada falar-se em mero incentivo à atividade. Seria melhor que o legislador estabelecesse uma regulamentação maisparruda nesse campo”, emenda.

Já o uso de água de efluentes tratados, como esgoto, para fins potáveis, levanta preocupações. Trata-se da chamada água dereúso que, na forma indireta, consiste no tratamento do insumo para sua liberação nos mananciais ou em fontes naturais decaptação, como rios e, na forma direta, significa o tratamento e seu direcionamento para uma rede instalada, sem envolverdespejo no meio ambiente. Esses métodos existem nos Estados Unidos, Cingapura e Califórnia, mas ainda não sãoregulamentados no Brasil.

“No substitutivo do relator são criadas as figuras do produtor e distribuidor de água de reúso, o que preenche uma lacuna dosaneamento e pode, até mesmo, abrir um novo mercado. O PL abre a possibilidade de o país empreender nessa área ”, analisaLuiz Firmino, Pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (CERI) da FGV. Ele, no entanto, preocupa-se com agarantia dos padrões de salubridade adequados no caso da expansão do abastecimento com água de reúso para fins potáveis.”Hoje, o sistema público garante a qualidade da água potável para a população e segue regras definidas. Mas, se essa linha deágua se disseminar sem regulamentação clara, quem vai dar conta de fiscalizar todos os seus novos produtores, como prédios eshoppings?” questiona.

Para Haneron Marcos, coordenador do Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), o novo regramento podefazer o país melhorar em segurança hídrica. “Apenas 27% da população goza de situação satisfatória em termos de acesso à água.O país tem muita água, mas ela é mal distribuída. O projeto de lei traz à tona um serviço onde precisamos avançar”, frisa. Deacordo com informações da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a região Norte exemplifica os paradoxos nadistribuição do recurso. Os estados da região possuem os maiores índices de disponibilidade per capita de água doce do país, masainda registram indicadores alarmantes: apenas 60% da sua população recebe água tratada, enquanto o índice de perda de águapotável ultrapassa 51%. Em capitais, como Rio Branco (AC), moradores sofrem com torneiras secas toda semana.

Marcos, que também integra o Conselho de Administração da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN), advertepara a importância da sociedade não desviar a atenção de outro problema sério, a conservação dos mananciais. “Não podemosesmorecer na defesa dos recursos naturais ao debater as vias alternativas. A preocupação do ONDAS é de que o tema tire o focosobre os danos que os mananciais estão sofrendo, como as altas cargas de poluição”, pontua. Originada no Senado em 2015, anorma proposta tramita na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara. O projeto altera regras do marco legal dosaneamento básico, de 2007, para determinar que a expansão da rede contemple os sistemas alternativos de abastecimento,inclusive, para finalidades industriais e agrícolas.

Matéria publicado ontem (23) no Valor Econômico

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