Por Flavia Rocha Loures
A cada ano, 22 de março marca o Dia Mundial da Água. Em 2022, o tema foi ‘Águas Subterrâneas – Tornando o Invisível Visível’, chamando a atenção para o pouco valor dado aos aquíferos como fontes de água doce. Por exemplo, muitos acordos internacionais entre países ribeirinhos sequer mencionam águas subterrâneas ou, quando o fazem, sofrem de gargalos na implementação a esse respeito, ainda voltada para a porção superficial da bacia hidrográfica.
Além do foco em aquíferos, comemorou-se a adoção histórica, pela 5ª Assembleia de Meio Ambiente da ONU, em 02.03.2002, da resolução sobre a gestão sustentável do nitrogênio. A introdução em corpos hídricos e no oceano de cargas excessivas de nutrientes, seja por meio de emissões de águas residuais, seja pelo processo de drenagem em terras agrícolas fertilizadas, dá origem a processos de eutrofização e pode causar a mortandade de peixes, com sérios impactos para a sociedade e a economia. Entre outros países, a Resolução foi patrocinada pelo Brasil e encoraja os membros da ONU a reduzir significativamente resíduos de nitrogênio até 2030, por meio, inclusive, do estabelecimento de sistema internacional e gestão, da adoção de planos de ação nacionais e da coordenação de políticas por todo o ciclo global de nitrogênio.
No mais, o WWF aproveitou para publicar a Chamada à Ação para a incorporação transversal e explícita dos ecossistemas de água doce, em paridade com os biomas terrestres e marinhos, no futuro marco global de implementação da Convenção sobre Biodiversidade.
“A CALL FOR FRESHWATER ACTION
Failure to elevate freshwater to the same priority as ‘land and ocean’ would be a fatal flaw in the new global framework for nature.
We (the undersigned) are growing increasingly concerned about the fate of freshwater biodiversity in the new global framework for nature under the Convention on Biological Diversity (CBD). Despite evidence showing that freshwater habitats are experiencing 2-3 times the rate of biodiversity loss of terrestrial and marine habitats, current discussions and the draft CBD text still focus primarily on ‘land and ocean’ and relegate freshwater – once again – to the status of a subset of terrestrial ecosystems. […]”
Comemorar o Dia Mundial da Água é, sem dúvida, fundamental. Enquanto recurso natural, a água apresenta vulnerabilidades e atributos que lhe são próprios, costurando interdependências e interesses comuns, com fluidez, multidisciplinaridade e transversalidade, tanto no âmbito de bacias específicas como globalmente, por meio do complexo ciclo hidrológico. Basta pensar no fenômeno dos rios voadores, que são gerados na Amazônia e abastecem a produção agrícola em outras partes do país.
A disponibilidade de água doce é limitada e distribuída de forma heterogênea no tempo e no espaço. A crise hídrica não é de hoje, mas vem se agravando rapidamente, com o crescimento populacional, o aumento da demanda e a acelerada urbanização, cujos efeitos se multiplicam com os impactos da mudança climática, em especial, com os eventos extremos mais frequentes e vigorosos. A crise hídrica afeta todos os setores da sociedade e da economia, impacta as relações internacionais e constitui enorme ameaça à sustentabilidade dos ecossistemas de água doce. Estes sofrem os efeitos da poluição, da superexploração e da fragmentação. Os sistemas de água doce são os mais biodiversos e, ao mesmo tempo, os mais ameaçados historicamente. As águas interiores representam o bioma que mais foi degradado e o que vem se perdendo mais rapidamente.
Não surpreende, portanto, que a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável inclua o Objetivo 6, que busca assegurar a todos a disponibilidade e administração sustentável de água e saneamento. Para tanto, o Objetivo defende a gestão integrada do recurso, inclusive, por meio de cooperação transfronteiriça no caso de bacias compartilhadas.
A cada três anos, o Dia Mundial da Água serve de pano de fundo para o maior evento internacional sobre o tema. Previu-se que o Fórum Mundial da Água, realizado entre os dias 21 e 25 de março, em Dakar, Senegal, sob o tema ‘Segurança Hídrica para a Paz e Desenvolvimento’, congregaria ao menos 10 mil pessoas.
M. Sall, Presidente do Senegal, sobre o propósito do Fórum:
“[…] to place water at the heart of multilateralism and international policies, to build effective response mechanisms to multifaceted crises and the construction of a resilient, prosperous and stable post-Covid-19 world.”
A novidade deste Fórum foi a Iniciativa Dakar 2022, uma carteira de 126 projetos de alto impacto, como o Água Boa de Beber, voltados ao alcance do ODS-6. Durante o encontro, a ideia era a de que estes projetos se beneficiassem da exposição internacional e lograssem construir pontes com financiadores e parceiros potenciais.
O Fórum culminou com a adoção da Declaração de Dakar: Acordo Azul pela Segurança Hídrica e de Saneamento para a Paz e o Desenvolvimento, que apresenta preocupações de governança e gestão multidisciplinares, fazendo referência à Carta da ONU; ao direito humanitário durante conflitos; a marcos legislativos apropriados; à coerência entre políticas de água, agricultura, saúde, biodiversidade, energia, indústria, entre outras; à importância das organizações de bacia e de planos de gestão integrada; aos direitos humanos à água e ao saneamento; e, implicitamente, ao direito ao ambiente. Também destaca o papel da água como ferramenta de cooperação, diálogo, coordenação, parceria e benefício mútuo, inclusive, em bacias transfronteiriças, visando à paz, à solidariedade entre nações e povos e à integração regional, na realização do destino comum da humanidade.
Já passado o Dia Mundial de Água de 2022, inicia-se um novo ciclo na luta pelos recursos hídricos, por sua proteção efetiva, sua boa governança e gestão e seu uso responsável. Mãos à obra!