Celebrado duas vezes ao ano, no segundo sábado de maio e de outubro, o Dia Mundial das Aves Migratórias é uma campanha, em escala global, que visa ampliar o reconhecimento e a valorização dessas espécies e a necessidade de sua preservação e, portanto, de seus habitats. Fruto de uma parceria colaborativa entre dois tratados da vida selvagem da ONU – o Acordo sobre a Conservação das Aves Aquáticas Migratórias Afro-Eurasianas (AEWA) e a Convenção sobre a Conservação de Espécies Migratórias de Animais Silvestres (CMS) –, a campanha ocorre desde 2006, e, mais recentemente, a partir de 2017, por ocasião da COP12 em Manila, conta também com a participação da Enviroment for the Americas (EFTA), uma organização sem fins lucrativos com sede no Colorado que, além de fornecer material educativo, promove várias ações que protegem essas espécies no continente americano.
A data passou a ter dupla celebração justamente para destacar a natureza cíclica do movimento migratório das aves, lembrando que há diversos picos de migração nos hemisférios norte e sul. O processo de migração constitui, aliás, objeto de interesse e de estudo em inúmeros centros universitários e institutos de pesquisa ambiental não só porque faz parte do próprio ciclo de vida das aves (necessário, inclusive, para que os seus processos biológicos sigam se desenvolvendo, como, por exemplo, a troca de penas), mas também porque tem se mostrado como um importante indicador do estado e das condições observadas nos biomas do mundo.
Em linhas gerais, a migração é definida como um movimento direcional de indivíduos de determinada espécie, que, em certa época do ano, se desloca de sua área de reprodução para outras de alimentação e descanso, retornando, depois, para o local de origem, num ciclo que se repete todo ano. Entre as aves, uma das causas desse fenômeno é a oferta de alimento sazonalmente disponível. Em regiões mais frias, a intensidade da luz diária atua como um fator que estimula a migração, enquanto, nas regiões tropicais, onde a variação de luz é menor, o estímulo costuma se associar à precipitação e às decorrentes floração e frutificação. Ou seja, a mudança das estações é fundamental para as aves migratórias – seja as do Hemisfério Norte, do Hemisfério Sul, seja as Neotropicais –, pois regula o momento em que devem se deslocar.
Tais deslocamentos, que, não raro, envolvem distâncias continentais, requerem grande resistência e habilidade dessas espécies. Por isso, antes da migração, há uma fase de alimentação intensa e de engorda, uma vez que a gordura funciona como o principal estoque energético para as aves no período de migração. O senso de orientação e navegação que lhes possibilita encontrar a rota certa é bastante complexo e baseado em muitas indicações sensoriais: localização pela luz do sol, diferentes odores do ar, magnetismo, o movimento das estrelas, etc. De todo modo, por ser um fenômeno energeticamente custoso, a migração precisa gerar um ganho muito alto para a ave: entre algumas espécies, cuja fonte de alimento não se encontra disponível durante o inverno, os benefícios são evidentes; para outras, a recompensa está na economia de energia que o deslocamento para regiões mais frias representa no gasto que teriam para manter seu metabolismo sob o estresse térmico do ambiente em que estavam; para outras ainda, a principal vantagem é a reprodução durante o verão, quando os recursos são mais abundantes e os dias mais longos, favorecendo-lhes o forrageamento.
Embora a presença de predadores, que conseguem se alimentar mais facilmente de animais exauridos pelas longas distâncias percorridas, seja apontada como um perigo significativo para as aves migratórias, sabe-se que há uma série de outros fatores ligados à ação humana – como a caça, a urbanização intensa, as mudanças climáticas, a perda de habitat – que ameaçam gravemente a sobrevivência dessas espécies, colocando-as em crescente risco de extinção.
Das sete rotas migratórias (chamadas de Flyways) de aves das Américas de que se tem conhecimento no mundo, duas passam pelo Brasil, a central e a atlântica. Essas espécies, durante a travessia, costumam utilizar áreas específicas para descanso e alimentação. Identificar quais espécies estão aí presentes é fundamental para a conservação efetiva desses ambientes. Como exemplo tem-se o projeto “Flyways Brasil” (uma parceria entre a Save Brasil e o Instituto Neonergia), que monitora a população de aves limícolas (aquelas que se alimentam de pequenos invertebrados que vivem no limus – lodo, em latim) na bacia do Rio Grande do Norte atuando na preservação de importantes áreas para a alimentação ou o descanso delas. Ademais, diversos biomas brasileiros são frequentados por muitas espécies de aves migratórias, tanto que o mapeamento feito pelo MapBiomas, em especial do Pampa, que, por suas áreas pantanosas, é considerado um ponto de encontro de aves migratórias, também desempenha um papel extremamente relevante para evitar a perda de seus habitats.
Contudo, as aves migratórias não têm fronteiras, e seu ciclo de vida depende de um movimento que atravessa – e articula – diferentes regiões do mundo. De nada adianta evitar a perda de habitat apenas em áreas de reprodução, se não houver a preservação em áreas de invernada ou de paradas. É nesse sentido que o Dia Mundial das Aves Migratórias alerta que a conservação dessas espécies requer uma cooperação necessariamente integrada e global – condição que se tem mostrado de vital e incontornável importância para enfrentar e gerir, de forma mais adequada e substantiva, as questões ambientais.
Fontes consultadas:
https://www.worldmigratorybirdday.org/history
https://www.neoenergia.com/pt-br/te-interessa/meio-ambiente/Paginas/aves-migratorias.aspx
https://www.infoescola.com/biologia/aves-migratorias/
https://www.youtube.com/watch?v=jhGAEDF5RiM