Integrante do calendário ambiental oficial desde 1995, a data celebrada em 17 de junho recoloca, anualmente, preocupações ligadas à segurança alimentar e hídrica e à preservação dos ecossistemas terrestres, que, embora não sejam novas, adquirem, à luz das mudanças climáticas, contornos mais complexos e não menos desafiadores. Segundo a ONU, em torno de 42% das pessoas do mundo vivem em áreas secas e/ou suscetíveis à desertificação. Com o aumento das temperaturas, as secas tendem a se agravar – conforme atesta um aumento de quase 30% verificado, só neste século, no número e na duração desses eventos –, tornando tais regiões e suas populações ainda mais vulneráveis.
No Brasil, como se sabe, a região do semiárido é a que continua sendo mais afetada pelas secas e pelo processo histórico e antrópico de desertificação. De acordo com um levantamento do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), cerca de 13% do semiárido brasileiro já foram grave e irreversivelmente degradados e 1.488 municípios do Nordeste são considerados Áreas Suscetíveis à Desertificação. Cabe lembrar ainda as projeções feitas a partir de modelos climáticos que apontam, para o final do século, uma redução de até 40% nas chuvas. Fato é que as secas e a desertificação são processos que acabam se retroalimentando, sobretudo num cenário (global e alarmante) de mudança climática.
A degradação dos solos, o comprometimento da fauna e da flora locais, a ameaça aos meios de subsistência das pessoas, a escassez de água, o agravamento de doenças, da pobreza e da fome, o decorrente impulsionamento de migrações populacionais, ou seja, todos os elementos ambientais, sociais e econômicos atrelados aos desastres provocados pelas secas estão muito longe de ser uma novidade no Brasil. Incontáveis são os registros, presentes em documentos históricos, relatórios governamentais, na literatura, no cinema e nas artes plásticas, em estudos científicos, em reportagens jornalísticas, que dão a medida da antiga trajetória (que chega a remontar ao período colonial) das secas no território, e especialmente no semiárido, brasileiro.
Na longa convivência humana com as secas, que, aliás, no Brasil, desde há muito, se tornaram uma questão estatal, já ficou patente que não são apenas os fatores naturais mas os sociais e econômicos relacionados ao acesso e a gestão da água e ao uso e distribuição da terra que desempenham um papel determinante para o enfrentamento do problema e de seus graves impactos locais e mundiais. Não por acaso, este ano, o tema escolhido para o Dia Mundial de Combate à Seca e à Desertificação foi “Her Land, Her Rights”, em referência à necessidade de avanços na equidade de gênero quanto ao acesso das mulheres a recursos como terra, água e crédito, para adaptar-se às secas, produzir e preservar.
Se, por um lado, a iniciativa deixa expostas áridas desigualdades presentes até hoje – e não apenas em regiões assoladas pelas secas –, por outro, ela pretende divulgar – e estimular – exemplos bem-sucedidos de ações que mulheres e meninas ao redor do mundo vêm colocando em prática para uma gestão sustentável da terra, mesmo sem dispor, na maioria das vezes, de sua efetiva propriedade.
No semiárido brasileiro, as mulheres têm desempenhado um importante papel em pequenos sistemas agroflorestais. Aliás, antes é preciso destacar que, ao longo da história das secas no Brasil, elas foram responsáveis não só por administrar o uso interno da água na casa como por fazer seu transporte, percorrendo, sob sol causticante, enormes distâncias até rios, açudes, barreiros, cisternas, cacimbas que abasteciam os domicílios. Nesse sentido, a adoção das chamadas tecnologias sociais hídricas, como a construção de cisternas e reservatórios para armazenar a água das chuvas para consumo e produção, constantes de alguns programas governamentais de acesso à água implementados nessas regiões, trouxeram benefícios para a famílias, e, em especial, para as mulheres, que tiveram o tempo empregado na tarefa do transporte da água reduzido podendo dedicar-se a outras atividades voltadas para a produção e a geração de renda. Muitas dessas mulheres, dessas agricultoras rurais, acabaram também assumindo responsabilidades e funções, tradicionalmente atribuídas aos homens, na própria construção de cisternas e como membros de comissões locais que participam das reivindicações para a gestão da água em suas comunidades.
As soluções tecnológicas de baixo custo, as organizações locais, que mobilizaram as mulheres a criar espaços de inclusão na governança da água, condição fundamental para a adaptação às secas, embora reforcem a necessidade da construção de um modelo de gestão integrada, descentralizada, participativa, ainda dependem de que muitas limitações políticas e institucionais que levam os órgãos governamentais a responderem, de modo geral, apenas num plano mais emergencial e dos impactos imediatos sejam superadas. Grandes distâncias, que agora cabem a políticas públicas mais abrangentes, todavia num tempo bem mais curto, percorrer.
Fontes consultadas e/ou sugestões de leitura: https://www.letrasambientais.org.br/posts/as-5-licoes-do-seculo-para-o-dia-mundial-da-seca-e-da-desertificacao
https://www.ecycle.com.br/dia-mundial-do-combate-a-seca-e-a-desertificacao/
https://www.unccd.int/land-and-life/gender/herland
https://www.ebc.com.br/especiais-agua/vidas-secas/