Mais uma vez, vemo-nos diante de situações de extrema gravidade em nosso país, consequentes da prolongada estiagem que vem fazendo diminuir dramaticamente o nível de vários de nossos rios e dos incêndios que persistem de maneira incontrolada em diversas regiões. Essas condições são especialmente alarmantes em biomas como o Pantanal e a Amazônia, além de impactarem outras áreas significativas, que abrigam culturas agrícolas cruciais para a economia brasileira e para o abastecimento de alimentos em nossas mesas.
Conforme levantamento recente da Confederação Nacional de Municípios, 573 municípios decretaram situação de emergência devido a incêndios florestais entre 1º de janeiro e 24 de setembro de 2024, afetando 15,4 milhões de pessoas e resultando em prejuízos econômicos superiores a R$ 1,3 bilhão.
É lamentável observar que uma parte significativa dos incêndios é resultado de ações humanas, em sua grande maioria, ligadas a atividades ilegais, entre elas a grilagem de terras. Monitoramentos por satélites realizados por diversas instituições, juntamente com as investigações da Polícia Federal, têm identificado origem criminosa em numerosos focos de incêndio, apesar de já estarem em vigor novas regras para o manejo integrado do fogo no país. De toda forma, são necessárias ações rigorosas e coordenadas entre governos, setor produtivo, sociedade civil e comunidades afetadas para pôr fim de vez a esse cenário de devastação.
Diante da conjuntura climática atual e das evidências inequívocas de que já estamos em uma situação de emergência, convém comentar sobre a criação de uma Autoridade Climática, inicialmente discutida na transição de governo, prometida em discurso de posse da ministra de Meio Ambiente, e ressuscitada durante as enchentes no Rio Grande do Sul (OESP, 30.09.2024, p. A-3). Esta iniciativa, no entanto, mesmo antes de sair do papel, já enfrenta desde logo desafios significativos, como, por exemplo, o dessaber como será estruturada e, sobretudo, a quem estará subordinada. Ademais, é imperativo que não se converta em uma realidade transitória, mas que garanta uma governança ambiental sólida e duradoura.
Apesar de compreender a difícil tarefa do governo para lidar com o presente momento, tenho dúvidas a respeito da real eficácia de algumas ações que vêm sendo adotadas, ou mesmo sobre a constitucionalidade delas. Em particular, refiro-me às iniciativas recentes que criaram novas tipificações, na esfera das infrações ambientais administrativas, e que preveem também o aumento dos valores das multas, além das discussões que estão ganhando força em torno de penas mais severas para crimes relacionados a incêndios.
Diante disso, torna-se imperativo refletir se a ampliação do punitivismo configura-se, de fato, como a abordagem mais eficaz. Ainda que potencialmente impactante, a penalização por si só não necessariamente abrange as causas subjacentes que conduzem à prática de crimes ambientais. Portanto, se tais medidas forem adotadas sem o correspondente fortalecimento da capacidade de fiscalização e monitoramento ambiental, correm o sério risco de se tornarem meramente simbólicas e sujeitas à ineficácia. É essencial que as políticas sejam incorporadas a um sistema robusto de controle e prevenção, além da implementação de outros mecanismos que impeçam a escalada da ilegalidade. Adicionalmente, é fundamental promover alternativas que impulsionem a consciência ambiental.
Édis Milaré