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Milaré

 Encerramento do relatório do IPCC

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      Da redação

Com a publicação da terceira e última parte dedicada ao balanço das medidas de mitigação nas emissões dos gases de efeito estufa (GEEs), no início do mês, em 4 de abril, concluiu-se o sexto Relatório de Análise (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). As duas primeiras partes, que trataram das evidências científicas do aquecimento global, suas consequências para o clima e para a espécie humana, e da necessidade de preparação e adaptação a tais mudanças, haviam sido divulgadas em agosto de 2021 e fevereiro deste ano, respectivamente. Desta última rodada participaram 278 autores e 354 colaboradores cientistas – 29% mulheres.

O caráter de urgência perpassa todos os aspectos contemplados na mais ampla avaliação científica feita sobre a questão climática: se se quiser evitar o pior dos cenários, é preciso agir desde já. As emissões globais de GEEs verificadas na década de 2010-2019 atingiram os níveis mais altos da história da humanidade, com uma média anual de 56 bilhões de toneladas lançadas na atmosfera – 9 bilhões a mais em comparação à década anterior. De acordo com o relatório, cerca de 2/3 das emissões são de CO2 gerado pela queima de combustíveis fósseis na indústria, sobretudo, para a produção de energia e transportes. As emissões de CO2 advindas do uso do solo e das florestas perfazem 11% do total e as de metano, 18%. Números que, entre uma série de outros analisados, indicam que, para se limitar o aquecimento a cerca de 1,5ºC, conforme estabelecido no Acordo de Paris, é necessário não só que as emissões globais de GEEs atinjam o pico antes de 2025, o mais tardar, mas que sejam reduzidas em 43% até 2030. Para um limite de 2ºC, essa redução teria de ser equivalente a 25%. Reduzir as emissões rapidamente é primordial, mas não o suficiente, porque os GEEs, mesmo que em quantidades menores, se acumulam na atmosfera por longos períodos. Daí ser ainda preciso, segundo o IPCC, que o mundo se torne “carbono neutro” por volta de 2050, se se quiser estabilizar o aquecimento em 1,5ºC, ou de 2070, no limite de 2ºC. Ou seja, de alguma forma, o carbono lançado por atividades humanas tem de ser reabsorvido, por vias naturais ou tecnológicas.

Com base no que se apurou, em especial, na terceira parte do relatório, pode-se, por outro lado, afirmar que já há ferramentas e know-how disponíveis em todos os setores para viabilizar a enorme e urgente tarefa de limitar o aquecimento global. No setor de energia, serão necessárias grandes transições: redução substancial no uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás), eletrificação generalizada, uso aprimorado e eficiente de combustíveis alternativos, como, por exemplo, o hidrogênio, que, não por acaso, assumiu maior relevância no AR6. Vale lembrar que as energias solar e eólica, eficazes para diminuir as emissões no curto prazo, sofreram, nos últimos dez anos, um decréscimo significativo no seu custo de produção. Nos setores de uso do solo e florestas – fundamentais nas ações da região da América Latina e Caribe, são destacadas estratégias com alto potencial de mitigação das emissões, como a própria redução do desmatamento, o sequestro de carbono por práticas agrícolas que envolvam ações de reflorestamento e/ou restauração florestal, a inclusão do conhecimento de comunidades locais e povos originários. O setor da indústria implica ainda o uso mais eficiente de materiais, a reutilização e reciclagem de produtos e a minimização de resíduos. No setor urbano, torna-se incontornável o planejamento de núcleos mais compactos que incluam, entre outras modificações, a redução de demanda e o aumento de eficiência energética nas áreas de transporte e de habitação, com veículos e construções mais econômicos e menos poluentes, sem mencionar as mudanças sociais e comportamentais que desempenham um papel importante na transformação dos padrões de consumo e, consequentemente, de produção.

Os custos para a adoção de tais medidas obviamente são altos, mas, segundo o relatório, eles são, pelo menos, três vezes menores do que os envolvidos nas consequências em cadeia da não transformação: os prejuízos dos desastres causados pelo aumento dos eventos climáticos extremos, a destruição dos ecossistemas e da biodiversidade, a escassez hídrica, a falta de alimentos, as crises migratórias, não apenas previstos, como já sentidos, e com maior impacto, nas regiões de inúmeros países em desenvolvimento. Razão pela qual o relatório também se ocupa de demonstrar que, embora os fluxos financeiros estejam muito abaixo dos níveis necessários para cumprir o Acordo de Paris, há capital global e liquidez suficientes para cobrir os investimentos. No entanto, isso depende da sinalização clara dos governos e da comunidade internacional na disposição efetiva de alinhar as finanças e os interesses comerciais com as políticas públicas ambientais.

Seja para a adaptação, seja para a “corrida” em direção à mitigação, é imprescindível que haja transferência de tecnologia e de investimentos dos países desenvolvidos – os que mais contribuíram e contribuem para as emissões dos gases de efeito estufa – para os países em desenvolvimento – os que mais sofrem com os impactos já em curso das mudanças climáticas. Ademais, de uma ação acelerada e mais equitativa no enfrentamento da questão climática dependem muitos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Conforme pontuado por Jim Skea, copresidente do Grupo de Trabalho III do IPCC, “as mudanças climáticas são o resultado de mais de um século de energia insustentável e uso da terra, estilos de vida e padrões de consumo e produção”. Nesse sentido, mais do que um desafio, a urgência em ações efetivas de transformação se coloca, desde já, como condição sine qua non para se alcançar “um mundo mais justo e sustentável” – e habitável para as próximas gerações.

Fontes consultadas: https://www.ipcc.ch/2022/04/04/ipcc-ar6-wgiii-pressrelease/
https://jornal.usp.br/ciencias/emergencia-climatica-solucoes-existem-mas-e-preciso-agir-agora/
https://www.youtube.com/watch?v=n42y0A7y1Gc

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