71_Post_07outubro2024
Milaré

O Decreto 12.189/2024 e as alterações na regulamentação das infrações ambientais ante a emergência ambiental das queimadas

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Henrique Aleksi Bratfisch Aguiar dos Santos

No último dia 20.09.2024 foi promulgado o Decreto 12.189, que altera o texto do Decreto 6.514, de 22.07.2008, editado com a finalidade de regulamentar as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, além do processo administrativo ambiental. As alterações promovidas pelo Poder Executivo estão diretamente ligadas à atual crise ambiental e o aumento significativo das queimadas em todo o território nacional.

As mudanças mais óbvias promovidas pelo novo Decreto foram as que enrijeceram as sanções aos infratores que promovem queimadas não autorizadas, em especial a infração de uso de fogo sem autorização, prevista no artigo 58 do Decreto 6.514/2008, cuja multa foi triplicada, sendo agora no valor de R$ 3.000,00 por hectare, além da possibilidade de dobrar as multas aplicadas a qualquer uma das infrações previstas, caso tenham sido promovidas com a utilização de fogo ou caso afetem terras indígenas (art. 60), sendo que o texto anterior previa sua majoração apenas pela metade.

Foram previstas, também, novas infrações por provocar incêndios em florestas nativas (art. 58-A) e florestas cultivadas (art. 58-B), por deixar de implementar medidas de prevenção e de combate a incêndios nos limites de uma propriedade (art. 58-C), engajar no comércio de produtos substâncias ou espécie animal ou vegetal sem autorização (art. 83-A) e, ainda, por deixar de reparar, compensar ou indenizar dano ambiental na forma e no prazo exigidos pela autoridade competente (art. 83-B).

Mais uma mudança sensível em relação ao combate às queimadas foi a inclusão da previsão de que a queima não autorizada de vegetação nativa passa a ser uma hipótese de embargo administrativo da área afetada (§2º do art. 16). Nos termos do texto original do Decreto 6.514/2008, uma área cuja supressão vegetal tivesse sido devidamente autorizada pelo Poder Público não seria embargada, mesmo em caso de queima não autorizada, o que altera significativamente o seu regime.

As sanções restritivas de direito, como a suspensão ou cancelamento de registro, licenças e autorizações, ou perda de incentivos e benefícios fiscais também foram majoradas, passando de um período máximo de 1 para 10 anos. A pena de proibição de contratar com a administração pública saltou, em seu limite, de 3 para 5 anos (§2º do art. 20), o que destoa da previsão contida no inciso V do §8º do artigo 72 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 12.02.1998), que impõe a pena máxima de 3 anos. Tendo em vista que o Decreto 6.514/2008 visa justamente regulamentar a Lei de Crimes Ambientais em seus artigos 70 e seguintes, há evidente incompatibilidade de ordem constitucional com o novo texto.

Além da questão constitucional acima mencionada, as demais mudanças, especificamente a inclusão do artigo 58-C, que prevê infração por deixar de implantar medidas de prevenção e de combate a incêndio, podem afetar diretamente a população e a economia, em especial o agronegócio, que poderá ser impactado com a perda da produção, além de ainda sofrer sanções administrativas, mesmo que não tenha qualquer vínculo com a ação que tenha provocado o incêndio, merecendo destacar que não há  clareza quanto à natureza das referidas medidas que deveriam ser implantadas.

A recomposição do dano ambiental também ganhou destaque, tendo sido incluída previsão por descumprimento, nos termos do artigo 83-B. É muito comum a necessidade de ajustes e alterações de formas e de prazos durante o cumprimento de planos de recuperação de áreas degradadas e termos de ajustamento de conduta, posto que as medidas inicialmente previstas nem sempre atingem o resultado esperado. Assim, a aplicação da referida sanção deverá ser feita com muita cautela pelos órgãos ambientais, sob pena de resultar em aumento significativo das discussões administrativas e judiciais sobre o tema, até mesmo porque muitos dos instrumentos firmados nesse sentido já preveem a aplicação de multas por descumprimento das medidas estabelecidas, o que geraria uma penalidade em dobro ao administrado.

Sob o aspecto processual, ressalta-se a mudança do §4º do art. 96, que prevê que o registro de acesso por parte do administrado ou de seu procurador ao processo administrativo eletrônico contará como termo inicial para contagem dos prazos de defesa, alegações finais e recursos administrativos, o que exige muita cautela por parte dos operadores dos referidos sistemas eletrônicos. No que se refere a aplicação dessa regra no âmbito do IBAMA e do ICMBio, o Sistema SEI precisará ser aprimorado a fim de registrar de forma precisa e inequívoca a data de ciência dos atos.

Com a edição das referidas medidas, que enrijecem as sanções às infrações administrativas ambientais de forma significativa, acompanhada ainda da proposta encaminhada pelo Ministério da Justiça à Casa Civil, que pretende, também, alterar a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) para aumentar as penas com a criação de agravantes e qualificadoras, fica evidente a intenção do Governo Federal de passar a imagem de que está adotando medidas efetivas de combate à emergência das queimadas.

É sempre importante lembrar que o aumento das penas não necessariamente reflete em uma melhora do problema, sendo que o relevante acréscimo no número de multas ambientais aplicadas nos últimos anos não tem significado uma diminuição nas queimadas durante o período das secas na maior parte do país, com o ano de 2024 caminhando para atingir o maior número de focos de queimadas desde 2010, com 209.242 incêndio registrados até o final do mês de setembro, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE1.

Fato é que o Governo Federal, além das medidas de fiscalização e penalização dos efetivos infratores, deve observar e proteger a população diretamente afetada pelas queimadas, além de tratar o tema sob a ótica das mudanças climáticas, posto que há consenso, por parte da comunidade científica, de que a alteração no regime das chuvas e o consequente agravamento dos períodos de seca têm impactado significativamente a ocorrência de focos de incêndio em todo território nacional. 

1 https://terrabrasilis.dpi.inpe.br/queimadas/situacao-atual/estatisticas/estatisticas_paises/

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