Por Fernanda Soares Bueloni
Neste mês, a Lei do SNUC (Lei 9885/2000) completou 20 anos de existência. Desde a sua criação, muitos avanços foram observados na proteção de áreas de relevante interesse ambiental, mas ainda faltam alguns desafios a serem superados, entre os quais destaco a importância dos planos de manejo, que enfrentam dificuldades para a sua elaboração em diversas unidades espalhadas pelo país.
Definido no artigo 2º, inciso XVII da Lei, o plano de manejo constitui um “documento técnico, mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade.”
Vê-se que é o plano de manejo que estabelece, por exemplo, o zoneamento da unidade, de modo a subsidiar sua gestão, sua ocupação e definindo as atividades permitidas dentro de seus limites. Contudo, a falta de recursos financeiros e humanos muitas vezes dificulta sua elaboração, impedindo até mesmo os estudos técnicos que viabilizem a sua confecção.
Exemplo disso é o que ocorreu com a Área de Proteção Ambiental – APA da Baleia Franca, localizada no litoral sul de Santa Catarina, Brasil. Essa unidade de conservação de uso sustentável foi criada por meio do Decreto Federal s/n de 14.09.2000, com o objetivo de proteger a população de baleias-franca austral (Eubalaena australis) enquanto habitam as águas brasileiras na sua temporada de reprodução.
Muito embora a APA seja praticamente concomitante com a publicação da lei do SNUC, seu Plano de Manejo demorou aproximadamente 18 (dezoito) anos para ser finalizado e publicado, o que dificultou, em inúmeros sentidos, a gestão daquela Unidade de Conservação. Soma-se a isso o fato de que, nem sempre os planos de manejo são documentos efetivos e que viabilizam a gestão da unidade de conservação. É preciso que esses documentos sejam reais regramentos técnicos e jurídicos que delimitem o zoneamento, o uso e ocupação do solo, modalidades permitidas de atividades econômicas e construções, quando possível, além de estabelecer resoluções para interações sociais e comunidades tradicionais que eventualmente habitem dentro dos limites da unidade, ou ainda em sua zona de amortecimento.
Um outro ponto que merece aprofundamento diz respeito à competência. Muito embora exista certa delimitação de competências entre o órgão gestor das unidades de conservação e o órgão licenciador de empreendimentos que eventualmente possam funcionar dentro dos limites das unidades, é preciso que a legislação ambiental seja ainda mais criteriosa e minuciosa quanto à definição e alocação dessas competências. Não raro encontramos, na prática, a sobreposição de papéis entre o IBAMA e o ICMBio, no caso de unidades de conservação federais.
Essa dupla atuação, ainda que eventualmente necessária, na maioria das vezes acaba causando o conhecido bis-in-idem, ou seja, aplicação de uma sanção, pelo mesmo fato, por mais de um agente público.
Por fim, ainda falando sobre a interlocução dos órgão gestores de unidades de conservação e órgãos licenciadores, há ainda que se salientar acerca do instituto da compensação ambiental advindo com a publicação da Lei do SNUC e definido pelo artigo 36, que assim dispõe: “Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.”
De acordo com o disposto por essa lei e seu regulamento, o montante a ser destinado às unidades de conservação a título de compensação em empreendimentos de significativo impacto ambiental deve ser determinado no âmbito do licenciamento, sendo aplicado, posteriormente, contudo, pelo órgão gestor.
Nesse caso, inúmeras questões surgem para a avaliação do empreendedor e necessária interlocução com os dois órgãos, já que, se por um lado a definição do grau de impacto e do valor da compensação se dá junto ao órgão licenciador, por outro lado, a assinatura do Termo de Compromisso e regramento acerca da atualização monetária desse valor se dá junto ao órgão gestor.
Embora a compensação ambiental seja bastante importante para a manutenção do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o procedimento atualmente aplicado acaba sendo demasiadamente burocrático e moroso, prejudicando o próprio sistema.
Esses são apenas pontuais exemplos de pontos de melhoria e que somente foram passíveis de serem detectados após o decurso do tempo na aplicação da Lei 9885/2000. E, assim como esses, existem inúmeros outros.
É preciso, então, sem deixar de valorizar os imensos ganhos ambientais trazidos pela Lei do SNUC, repensar determinados procedimentos que a experiência nos mostrou serem descompassados.
De todo modo, cabe lembrar que um Sistema Nacional de Unidades de Conservação robusto é primordial para a preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável do país. Bem por isso, ainda há muito o que fazer.