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Milaré

EDITORIAL 

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Neste mês, a Lei Federal n° 11.445/2007 – também conhecida como Marco Regulatório do Saneamento Básico – voltou aos holofotes, com a publicação de dois decretos que alteram alguns de seus dispositivos: o Decreto 11.467, de 5 de abril de 2023, que dispõe sobre a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico; e o Decreto 11.466, também de 5 de abril, que trata da comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços públicos de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário. 

Desde a atualização do Marco Regulatório, que alcançou seu ápice com a promulgação da Lei 14.026, em 15 de julho de 2020, algumas questões controvertidas permaneceram latentes e continuaram sendo debatidas e interpretadas pelos envolvidos nessa área, especialmente devido aos doze vetos presidenciais recebidos naquela ocasião. Algumas das críticas feitas relataram que alguns desses vetos contrariavam os acordos firmados pelo Poder Legislativo para a sua aprovação. Assim, a expedição desses novos decretos, que traz à tona novamente o tema do saneamento, não deixa de ser uma espécie de resposta às reivindicações de alguns grupos que entenderam ser prejudicados com a execução da norma. 

É indiscutível que os serviços de saneamento básico no Brasil sempre foram e continuam a ser uma tarefa muito complexa. Infelizmente, mesmo no século 21, existem ainda 100 milhões de brasileiros sem tratamento de esgoto e 35 milhões sem acesso à água potável, o que torna bastante desafiador alcançar a meta de universalização da oferta desses serviços até 2033, conforme estabelecido pela Lei 14.026/2020. Embora algumas medidas previstas nos decretos recentes – como o fim da trava de 25% na contratação de parcerias público-privadas, que alguns especialistas têm comemorado – possam ser benéficas, atingir a meta de universalização pode ser dificultado pelo surgimento de tais decretos e pelo clima de insegurança jurídica que geram, desestimulando o setor privado, que vinha demonstrando bastante interesse na empreitada. 

Convém ressaltar, ainda, que os grandes projetos de infraestrutura, inclusive os de saneamento, exigem somas exorbitantes, e que o poder público nem sempre tem condições de arcar com todos os investimentos necessários para atender a todas as demandas e na velocidade adequada para suprir as carências da população. Portanto, ter um ambiente jurídico adequado, com uma legislação clara e estável, que não crie incertezas para os investidores com mudanças repentinas de orientações regulatórias, é necessário para que o país possa perseguir a universalização do saneamento.   

Tão delicado é o momento que vive o setor do saneamento com a edição dos novos decretos que logo na sequência já surgiram dois questionamentos no STF: as ADPFs 1055 e 1057, propostas por partidos políticos e que consideram os novos decretos um retrocesso para o avanço da universalização. Em virtude da relevância do tema, o ministro Luiz Fux já convocou para o dia 23 de maio, às 14 horas, no âmbito da ADPF 1055, uma audiência preliminar de conciliação. 

Ainda neste mês, em meio à divulgação de informações fundamentais para a preservação do meio ambiente no Brasil, como o pedido por parte do presidente Biden ao Congresso norte-americano para aumentar os recursos destinados ao Fundo Amazônia – que ultrapassam 2,5 bilhões de reais –, um estudo do MapBiomas publicado no último dia 26 indicou que, entre 1985 e 2022, foram destruídos pelo fogo 185,7 milhões de hectares, correspondentes a 21,8% do território nacional brasileiro. Esta desoladora constatação nos impele a reiterar o chamamento a toda a sociedade  – governos, empresas, cidadãos – para que se unam urgentemente e tentem reverter esse quadro que compromete a preservação da nossa biodiversidade. O papel da advocacia ambiental é crucial nessa causa, de prestar orientações jurídicas e técnicas que contribuam para a transformação dessa realidade.  

Édis Milaré

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