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Milaré

Mudanças no processo para apuração de infrações administrativas ambientais

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Por Édis Milaré e Maria Clara Rodrigues Alves Gomes

O novo governo vem editando diversas normas com repercussões na esfera do direito ambiental. A regulamentação do processo administrativo para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, vale destacar, não ficou imune às mudanças que vêm sendo implementadas.

Cumpre lembrar que o processo administrativo sancionador ambiental, regulado pelo Decreto 6.514/2008, já havia sofrido modificações relevantes em um passado recente, em razão da edição do Decreto 11.080/2022. E, logo no primeiro dia deste ano, adveio o Decreto 11.373/2023, implementando novas e significativas alterações na mesma norma. Agora, com a edição das Instruções Normativas 19 e 21, em 2/6/2023, o Ibama alinha seus procedimentos às atuais disposições do Decreto 6.514/2008.

A IN 19/2023 implementa as novas regras procedimentais que passam a reger o processo administrativo para apuração de infrações administrativas do Ibama como um todo. A IN 21/2023, por sua vez, se refere especificamente aos procedimentos administrativos necessários à conversão das multas ambientais aplicadas pelo órgão em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.

Dessa forma, importante chamar a atenção para as principais mudanças promovidas por tais normas no processo administrativo sancionador e sua repercussão na esfera de direito e nos interesses dos administrados.

Mudanças no processo administrativo sancionador
Dentre os pontos relevantes, cabe destacar que as novas INs não mais preveem a audiência de conciliação, que foi excluída do processo administrativo sancionador pelo Decreto 11.373/2023.

Assim, o artigo 87 e seguintes da IN 19/2023 estabelecem, em substituição à audiência de conciliação, um procedimento — que pode ser adotado no princípio do processo ou no seu decorrer — para adesão a uma das soluções legais de encerramento do processo sancionador (isto é, pagamento, parcelamento ou conversão da multa).

Embora tais soluções legais estejam previstas originariamente na legislação que rege o processo sancionador, se denota que o legislador e o Ibama vêm buscando uma sistematização capaz de deixar mais claras ao interessado as formas disponíveis de encerramento do processo, como modo de torná-lo mais eficaz e célere.

Outro aspecto digno de nota é que o Ibama inseriu no artigo 6º da IN 19/2023 diversos novos conceitos em relação à norma anterior, como infração administrativa ambientaldano ambientalhomologação de auto de infração ambientalcancelamento de auto de infração ambiental e outros.

Denota-se, também, mudanças na competência para julgar os autos de infração. A norma anterior tinha regra simples: cabia ao Gerente Regional (do ICMBio) ou ao Superintendente Estadual (do Ibama) o julgamento de primeira instância; e ao presidente dos órgãos a apreciação dos recursos voluntários ou de ofício (segunda instância). A IN 19/2023, de outro modo, estabelece que o julgamento de primeira instância competirá a uma autoridade julgadora que será designada pelo presidente do Ibama (artigo 13).

Em segunda instância, a competência é definida conforme o valor da multa: (i) autos de infração com multas inferiores a R$ 1 milhão serão julgados por autoridade de segunda instância a ser designada pelo Presidente (artigo 14); e (ii) autos de infração com multas iguais ou superiores a R$ 1 milhão serão apreciados pelo próprio Presidente do Ibama (artigo 15, inciso I). Além disso, se estabeleceu que o Coordenador-Geral do Centro Nacional do Processo Sancionador Ambiental (Cenpsa) poderá avocar para si o julgamento de primeira instância (artigo 13, §2º) e da decisão que este proferir cabe recurso ao Presidente (artigo 15, inciso II).

Outrossim, ao presidente é autorizado avocar o julgamento de recurso dirigido à autoridade julgadora de segunda instância (artigo 15, §1º). Contudo, observa-se que a norma não deixa claro em que hipóteses será pertinente ou cabível tal avocamento.

A IN 19/2023 se mostra mais detalhada no que se refere à forma e aos procedimentos a serem observados no processo sancionador. Nesse sentido, em seu Capítulo IV, que trata do processo sancionador ambiental, incluiu seções específicas acerca dos prazos prescricionais (artigos 64 a 67), dos prazos processuais (artigo 68 a 72) e da convalidação e anulação de atos (artigo 121 a 123).

Com isso, consolidam-se e são incluídas em seu texto regras já existentes e aplicáveis aos processos por ela regulados, contidas nas Leis 9.784/1999, 9.605/1998 e no Decreto 6.514/2008. Já na seção acerca da comunicação dos atos (artigos 73 a 81), destacamos disposições mais detalhadas sobre as comunicações feitas aos interessados por meios eletrônicos, modalidade cada vez mais utilizada pelos órgãos ambientais.  Ademais, o artigo 82 da IN 19/2023 prevê expressamente as hipóteses para lavratura do antes denominado Termo de Notificado que passa a se chamar Termo Próprio de Notificação.

Outra disposição que chama atenção está contida no artigo 66, que dispõe expressamente que “A pretensão de reparação pelos danos ambientais é imprescritível”. Além disso, ainda a respeito da reparação dos danos decorrentes da infração, o artigo 105 estabeleceu a instauração de um procedimento apartado para tratar especificamente dessa reparação, cuja exigibilidade, na prática, ocorre somente ao final do processo.

Quanto à tramitação do processo administrativo, a IN 19/2023 é mais detalhada e especifica melhor os procedimentos a serem observados, o que propicia o exercício do contraditório e da ampla defesa pelo interessado, além de reduzir hipóteses de nulidade nos processos.

Como exemplo, citamos que é bastante comum o interessado não ter acesso ao relatório de fiscalização antes da data da apresentação de defesa. Agora, de acordo com a regra do artigo 94, §1º, a defesa poderá ser complementada após o conhecimento do relatório, encerrando-se a hipótese de nulidade e violação do contraditório e ampla defesa pela não disponibilização ao autuado desse relevante documento.

Outro tema que se mostrou bastante controvertido nos últimos tempos, relacionado à forma de notificação para apresentação de alegações finais e sua validade, está, agora, disciplinado conforme o artigo 123 do Decreto 6.514/2008 (alterado pelo Decreto 11.080/2022). Dessa forma, não há mais que se falar em notificação por edital (intimação ficta) para apresentação de alegações finais, sendo admitidas, apenas, as realizadas por meios válidos que assegurem a certeza da ciência do interessado, inclusive, como já mencionado, as intimações eletrônicas.

Observe-se, ainda, que permanece a disposição que possibilita ao interessado pedir revisão da autuação, o que pode ser feito após julgamento da autuação em última instância administrativa, nos termos do artigo 120 da IN 19/2023, em hipóteses como as de novos fatos e provas.

No entanto, conforme regra incluída pelo novel §6º do artigo 120, consignou-se expressamente que tal pedido não impede o prosseguimento da cobrança administrativa da multa e não interrompe o prazo prescricional da pretensão executória. Assim, o pedido de revisão não poderá ser usado pelo interessado como impedimento à inscrição de dívida no Cadin e à efetiva execução da multa.

Por fim, as disposições finais e transitórias estabelecem regras de transição entre a norma anterior (a Instrução Normativa Conjunta Ibama/ICMBio 01/2021) e a presente. Por exemplo, recursos voluntários e de ofício que tenham sido interpostos conforme a regra antecedente de competência serão apreciados pelo presidente do Ibama (artigo 129).

Outrossim, estabelece importante regra de transição acerca das audiências de conciliação, cuja realização se tornou incerta em razão da edição do Decreto 11.373/2023, que as extirpou do processo administrativo sancionador ambiental. De acordo com os artigos 131 a 135 da IN 19/2023, serão realizadas as audiências de conciliação requeridas/designadas a fim de ofertar aos interessados as soluções legais para encerramento dos processos.

Para além das mudanças ora apontadas, verificamos, de modo geral, uma grande alteração estrutural da IN 19/2023. As disposições foram reunidas de forma distinta da norma anterior, na tentativa de dar-lhe maior organicidade, que é o que se espera desse tipo de regulamento, a fim de possibilitar aos interessados o melhor exercício do contraditório e ampla defesa, bem como orientar melhor a conduta dos servidores do órgão ambiental.

Procedimento de conversão das multas ambientais do Ibama
No que tange à IN 21/2023 que, como referido, trata do procedimento de conversão das multas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, se denota o esforço do Ibama, considerando os 102 artigos da norma, para detalhar e deixar ainda mais claro o procedimento aplicável, em linha com o previsto no Decreto 6.514/2008 e suas modificações.

Contudo, apesar da intenção de dar ao mecanismo de conversão de multas maior efetividade, para, dessa forma, aumentar a arrecadação das multas ambientais aplicadas pelo órgão, permanece em desfavor da conversão um efeito jurídico que desestimula a adoção dessa solução legal, qual seja: a reincidência.

Isso porque, em aderindo o interessado à conversão da multa e celebrando o Termo de Compromisso com o Ibama, consequentemente, o auto de infração respectivo será confirmado e, por consequência, poderá ser considerado para fins de reincidência, em caso de atuações posteriores. Em nosso sentir, esse continua sendo o maior entrave à viabilização do mecanismo de conversão das multas ambientais e não é algo que possa ser resolvido por meio de Instrução Normativa, mas exigiria uma mudança do Decreto 6.514/2008.

Dessa forma, a IN 21/2023 evidencia que o Ibama segue na busca pelo aprimoramento do mecanismo e pelo incentivo aos interessados em aderir a essa solução legal para encerrar os processos administrativos, apesar das limitações que o instituto possui em sua essência.

Conclusão
Como visto, as novas INs 19 e 2120/23 substituem a Instrução Normativa Conjunta Ibama/ICMBio 01/2021 que, no que se refere ao processo administrativo sancionador ambiental do Ibama, e nosso entender, foi tacitamente revogada. Quanto ao ICMBio, espera-se que o órgão defina, como fez o Ibama, regulamento próprio para seu processo administrativo sancionador e conversões de multas, que se alinhe com as atuais disposições do Decreto 6.514/2008.

A bem ver, essas recentes INs se mostram importantes, na medida em que uniformizam os procedimentos a serem aplicados pelo Ibama, em linha com o Decreto 6.514/2008. Essa uniformização, aliás, era esperada e necessária, diante das profundas alterações pelas quais referida norma passou por força dos Decretos 11.080/2022 e 11.373/2023, o que confere ao interessado maior segurança jurídica.

Artigo publicado hoje (22/06) no Portal Conjur.
https://www.conjur.com.br/2023-jun-22/milare-gomes-mudancas-processo-administrativo-ambiental

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