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Milaré

O agir é agora para reverter a crise climática (*) 

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Mais uma vez, o IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas) nos alerta sobre o senso de urgência para medidas de redução do aquecimento global, mostrando que as atuais ações em curso nos países estão longe de ser suficientes e que precisamos agir agora para  evitar o colapso climático. Em seu último relatório-síntese, divulgado no último dia 20 de março de 2023, que traz um resumo dos seis últimos relatórios produzidos pelo painel, os cientistas ressaltam que é preciso metas mais ambiciosas para diminuir as emissões globais de gases de efeito estufa – em 48% até 2030 e zerar as emissões até 2050 – de tal forma que o aumento da temperatura média do planeta permaneça abaixo do limite de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais.

Destaco aqui alguns pontos do documento, que têm um caráter de advertência, como a necessidade de mudanças significativas em nossa forma de produzir energia, demonstrando que os investimentos em combustíveis fósseis – tanto públicos como privados – ainda são maiores do que os de adaptação e mitigação, o que evidencia que o tema ainda vem sendo tratado em um horizonte de interesses políticos e econômicos, apesar de a  ciência comprovar que a alteração climática já está afetando todos os continentes e todos os setores da sociedade, e os custos dessa conjuntura irão aumentar cada vez mais se nada for feito para que seja contida. Alguns dos pontos também presentes no relatório são a vulnerabilidade dos países em desenvolvimento, que têm menor responsabilidade sobre as mudanças climáticas e dependem de financiamentos externos para reduzir sua exposição aos efeitos dessas mudanças, e a necessidade de adoção de medidas para adaptação e mitigação da crise climática, que também dependem de investimentos.  

Uma das consequências das mudanças climáticas é o comprometimento da produção de água, o que pode impactar a segurança alimentar e a saúde das populações. Isso acontece porque as mudanças de temperatura e precipitação afetam diretamente os reservatórios hídricos, que são responsáveis pela maior parte da oferta de água para consumo humano e industrial. Dados de um relatório da ONU de 2020 demonstram que aproximadamente 2 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a serviços adequados de água potável. Além disso, a poluição também tem um impacto negativo sobre a qualidade da água, tornando-a imprópria para o consumo. Diante disso, fica evidente a importância de se investir em ações de conservação dos recursos hídricos e de melhoria da qualidade da água, a fim de garantir o abastecimento adequado para as gerações futuras. São questões que estiveram presentes na Conferência da Água da ONU/2023, realizada na última semana na sede da entidade em Nova York. Como dito por António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, “nossas esperanças dependem de compromissos inovadores, inclusivos e orientados à ação para tornar a água e o saneamento seguros, sustentáveis e geridos de forma inteligente, ao alcance de todos no planeta”. Para ele, não pode haver desenvolvimento sustentável sem água. Apesar de não serem vinculantes, foram estabelecidas no encontro quase 700 metas para garantir segurança hídrica. 

No Brasil, apesar dos avanços trazidos para a universalização dos serviços de acesso ao saneamento básico com o Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026/2020), há ainda enormes desafios a superar para se chegar à meta estabelecida. Conforme dados do último “Ranking do Saneamento no Brasil”, do Instituto Trata Brasil, divulgado no dia 20 de março, que analisou as 20 melhores cidades contra as 20 piores, foram observadas diversas diferenças entre elas: “enquanto 99,75% da população das 20 melhores têm acesso a redes de água potável, nos 20 piores municípios o número é de 79,59% da população. A porcentagem com rede de coleta de esgoto é ainda mais discrepante: 97,96% da população nos 20 melhores municípios têm acesso aos serviços, enquanto somente 29,25% da população nos 20 piores municípios são assistidos, diferença de 68,71 pontos percentuais. Outro dado alarmante é a diferença de 340% no indicador de tratamento de esgoto entre os 20 municípios mais bem posicionados em relação aos 20 piores. Enquanto o primeiro grupo tem em média 80,06% de cobertura, o grupo dos piores oferece apenas 18,21% à população”. 

Diante deste cenário, fica evidente a importância da participação de todos na luta contra as mudanças climáticas e seus impactos sobre a segurança hídrica e tantos outros campos da vida. Governos, empresas e sociedade em geral devem unir esforços para enfrentar este desafio, buscando soluções que minimizem os danos causados pelo aquecimento global. Só assim será possível garantir o direito humano à água e a um meio ambiente saudável e seguro para as futuras gerações. 

Édis Milaré

(*) Fontes consultadas: 
https://www.tnc.org.br/conecte-se/comunicacao/noticias/relatorio-final-ipcc-ar6/
https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2023/03/22/questao-de-sobrevivencia.ghtml
https://tratabrasil.org.br/wp-content/uploads/2023/03/Press-release-ATUALIZADO-Ranking-do-Saneamento-2023-2.pdf
https://sul21.com.br/noticias/meio-ambiente/2023/03/relatorio-do-ipcc-sobre-crise-climatica-aponta-futuro-desastroso-e-ressalta-urgencia-de-medidas/
https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2023/03/21/relatorio-da-onu-aponta-risco-de-crise-global-por-escassez-de-agua.ghtml

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